Interculturalidade e Cidadania Universal

A globalização econômica, tecnológica, cultural e religiosa influencia diretamente a educação, interferindo até mesmo no modo de organização das instituições de ensino, seja na Educação Básica ou no Ensino Superior. Nesse contexto, consolida-se uma tendência que reduz cada vez mais as disciplinas humanistas para a formação pessoal e profissional dos cidadãos.

Na obra Sem fins lucrativos: por que a democracia precisa das humanidades, a filósofa americana Martha Nussbaum (2015) defende as humanidades e as artes como fundamentais para a formação de cidadãos democráticos e participativos, numa sociedade complexa e global. Ela preocupou-se com o fato de que em muitos países os objetivos da educação estão voltados apenas para o crescimento econômico do mundo globalizado, instrumentalizando o ensino que forma alunos economicamente produtivos, ao invés de indivíduos críticos e cidadãos conscientes e compreensivos dos problemas que precisam ser enfrentados num mundo cada vez mais complexo e plural. Esse enfoque nas competências lucrativas, para a autora, enfraquece nossa percepção de crítica à autoridade e minimiza nosso apreço aos segregados e aos “diferentes de nós”.

A ideia de educação para sermos cidadãos do mundo vem de longa data e não é um desafio que se coloca apenas nos tempos atuais. Nussbaum (2005, p.77-78) retoma Diógenes, filósofo do antigo mundo grego, e toda a tradição estoica do mundo romano, mostrando que ambos já anteviam essa dimensão das obrigações morais e sociais que extrapolam nossa origem de nascimento, de identidade local, de pertencimento a um grupo. Compreender a dimensão cosmopolita e a ideia de educação para sermos cidadãos do mundo, para Nussbaum (2005, p.78), é “uma fonte de recursos essenciais para a cidadania democrática” e deveria “estar no centro da educação superior atual”.

A ideia de uma “educação multicultural”, considerada em nossos dias por setores conservadores como sendo uma moda passageira e inadequada, gozava de grande prestígio na Grécia de Sócrates e mesmo de Heródoto. De fato, como observa Nussbaum (2005, p.79), “Sócrates cresceu numa Atenas já influenciada por essas ideias no século V a.C.” e Heródoto, um dos mais celebrados historiadores etnográficos da antiguidade, “assumiu seriamente a possibilidade de que Egito e Pérsia poderiam ter algo que ensinar a Atenas sobre valores sociais”.

O processo educativo poderia ajudar a perceber e a constituir uma tomada de consciência de que aquilo que é visto como normal e natural em determinada cultura é completamente estranho e causaria escândalo numa outra cultura. Esse processo ajuda não só a perceber as diferenças como também a dar-se conta de que os modos de vida de cada grupo “não são os modos desenhados pela natureza para todas as épocas e pessoas”, mas são tão somente normas históricas produzidas em distintos contextos culturais.

Na Atenas do século V, a indagação socrática colocará em questionamento se os jovens deveriam ser educados na simples assimilação indiscriminada de valores tradicionais ou se deveriam ser mobilizados pelo questionamento ético. A educação espartana e a educação ateniense são apresentadas pela própria Nussbaum (2005, p.80) com duas formas distintas de educar os jovens: na educação espartana, tem-se uma cultura hierárquica e não democrática, a caracterização da uniformidade e o cumprimento inquestionável das regras, em um contexto no qual o bom cidadão é concebido como aquele que segue de forma obediente as regras tradicionais; já na educação ateniense tem-se uma cultura democrática em que ensinar a liberdade de indagação e o debate possibilitava dotar os jovens de instrumentos que lhe permitiam eleger seu próprio modo de vida, pois esse tipo de educação “requer uma ativa indagação e a capacidade de contrastar alternativas”. Sendo assim, para Nussbaum (2005, p.80), seguindo o posicionamento socrático, “a indagação ética requer um clima em que os jovens sejam incentivados a serem críticos de seus costumes e convenções, e que a indagação crítica, requer a consciência de que a vida contém outras possibilidades”.

Outros dois exemplos interessantes sobre como o estudo intercultural já fazia parte dos pensadores da Grécia Clássica se referem a Platão e a Aristóteles. “No livro V da República”, diz Nussbaum (2005, p.81), “aparece um exemplo particularmente fascinante, relativo ao modo em que a reflexão sobre a história e outras culturas desperta a reflexão crítica”, ao tratar especificamente sobre a forma como Sócrates elabora um argumento defendendo “a igualdade de educação para as mulheres”.

Aquilo que é considerado estranho e ridículo dentro de uma determinada cultura (no caso, na cultura ateniense), “não pode por si mesmo dar-nos argumentos válidos a respeito do que deveríamos fazer”. No que se refere a Aristóteles, o estudo intercultural ganha sistematicidade e se converte em tema central do currículo. A elaboração da constituição ateniense, por exemplo, é resultado de um amplo e cuidadoso estudo por parte dos alunos e do próprio Aristóteles para mostrar a dimensão transcultural da constituição, bem como sua noção de política.

Mesmo que o tema já estivesse presente na forma como Sócrates, Platão e Aristóteles trataram a inteculturalidade, a expressão “cidadão do mundo” não foi cunhada por eles e sim por Diógenes (404-323 a. C.): foi ele, segundo Nussbaum (2005, p.83), que optou por uma vida desprovida das habituais proteções dos ricos e poderosos, pois temia perder a liberdade; preferiu viver a pobreza e o desprendimento para manter firme o propósito de independência do pensamento; considerava a liberdade de expressão como a condição mais sublime da vida humana.

Para Diógenes, segundo Nussbaum (2005, p.85) “o verdadeiro fundamento para a associação humana não é o arbitrário ou o mero costume, mas sim o que podemos defender como bom para os seres humanos”, ou seja, compreender que a humanidade está acima de qualquer particularismo, nacionalismo ou crença.

Os filósofos estoicos também são indicados por Nussbaum (2005, p.85) como uma tradição de pensamento que expandiu a ideia do estudo intercultural e de cidadania universal, transformando o conceito de cidadão do mundo em “um elemento central do programa educacional”. Nesse sentido, seguindo os passos do estoico Sêneca, a educação deveria nos ajudar a tornar consciência de que cada um é membro de “duas comunidades: uma que é verdadeiramente grande e comum […] em que não tomamos em conta um setor ou outro, senão que medimos os limites de nossa nação por meio do sol; a outra comunidade é a que nos tem sido atribuída pelo nascimento” (apud NUSSBAUM, 2005, p.85).

O nascimento em uma determinada cultura não passa de um acidente, pois pertencer a uma classe social, a um grupo étnico, professar uma crença, praticar certos costumes não deveriam ser barreiras para reconhecer os ingredientes fundamentais da humanidade: o saber, a razão e a capacidade moral. A radicalidade de uma cidadania universal nos estoicos gregos e romanos se dá, na leitura de Nussbaum (2005, p.86), quando defendem que nosso primeiro compromisso deveria ser a lealdade para com a humanidade, “pela comunidade moral constituída por todos os seres humanos”.

Nussbaum (2005, p.86) também destaca a dimensão da cidadania universal na obra do estoico Cicero quando este argumentava em seus escritos “que o dever de tratar a humanidade com respeito nos exige tratar aos estrangeiros em nossa terra com honra e hospitalidade”. Cicero também defende que nunca deveríamos nos envolver em guerras agressivas, que a justiça deveria se sobrepor às conveniências políticas e que “formamos uma comunidade universal da raça humana cujos fins correspondem aos fins morais de justiça e bem estar humano”.

Ser cidadão do mundo não significa ignorar ou renunciar certas filiações locais, mas sim dar-se conta de que estamos rodeados por círculos concêntricos: o primeiro é a própria identidade; o segundo, a família imediata e o restante da família; depois, os vizinhos ou os grupos locais; na sequência, os grupos étnicos, religiosos, linguísticos, profissionais e de gênero. Mas além de todos esses está o círculo da humanidade.

“Nossa tarefa como cidadãos do mundo e como educadores que prepara as pessoas para que sejam cidadãos do mundo”, ressalta Nussbaum (2005, p.88, grifos da autora), “será ‘levar os círculos de alguma forma até o centro’, fazendo a todos os seres humanos semelhantes a nosso concidadãos”, ou seja, trabalharmos intensamente para que todos os seres humanos formem parte de nossa comunidade de diálogo e de preocupações, mostrando respeito pelo humano, independentemente de credo, raça ou religião.

Nussbaum (2005) acredita que a educação tem uma imensa responsabilidade para avançar na direção de uma formação cosmopolita. Aprender as culturas, ser um intérprete sensível e empático dos costumes distintos do familiar, cultivar atitudes de respeito, atenção e escuta são algumas indicações vindas da longa tradição estoica e que podem ser indicativos importantes para estruturar programas educacionais contemporâneos. Não seria defensável apresentar programas antissemitas, ou leituras preconceituosas nos processos formativos. Mas seria plenamente indicado que houvesse programas que fomentassem a sensibilidade em prol da cidadania universal.

Conforme ressalta Nussbaum (2005, p.94), “a proposta estoica é que deveríamos selecionar programas de estudo que fomente o respeito e a solidariedade mutua para evitar a ignorância que se apoia no ódio”. Trata-se de um desafio educacional imenso nos tempos atuais em que os particularismos, a xenofobia, o racismo, a misoginia e tantas outras práticas anti-cidadãs estão presentes no cotidiano das pessoas. Para além de um turismo estritamente mercadológico, cuja finalidade principal seria enriquecer grupos econômicos que querem transformar tudo em dinheiro, a cidadania universal poderia se tornar um intenso e promissor processo formativo de interculturalidade que promove o respeito ao outro e às diferenças em prol de uma sociedade inclusiva, digna e democrática.

O texto apresentado aqui constitui parte de uma trabalho mais amplo desenvolvido no Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação Superior (Gepes/Ppgedu/UPF) coordenado por mim e que congrega diversos orientandos de mestrado, doutorado e pós-doutorado, egressos do PPGEdu, bolsistas de Iniciação científica e diversos pesquisadores de diversas instituições de Ensino Superior espalhadas pelo Brasil.

Uma discussão mais ampliada desta temática pode ser localizado na Coletânea Leituras sobre Marta Nussbaum e a Educação (Fávero; Tonieto; Consaltér; Centenaro, 2021), de modo especial no capítulo 8, intitulado “Interculturalidade e cidadania Universal: o papel imprescindível das humanidades na perspectiva de Nussbaum” que escrevi em parceria com a Dra. Flávia Stefanello e a Me. Fracieli Nunes da Rosa (2021). Segue o link para os que tiverem interesse em ler o texto completo:

https://www.researchgate.net/publication/355037187_8_-_Interculturalidade_e_cidadania_universal_-_o_papel_imprescindivel_das_humanidades_na_perspeciva_de_Nussbaum

Referências:

FÁVERO, Altair Alberto; STEFANELLO, Flávia; ROSA, Francieli Nunes da. Interculturalidade e cidadania Universal: o papel imprescindível das humanidades na perspectiva de Nussbaum. In: In: FÁVERO, Altair Alberto; TONIETO, Carina; CONSALTÉR, Evandro; CENTENARO, Junior Bufon (orgs.). Leituras sobre Martha Nussbaum e a educação. Curitiba/PR: CRV Editora, 2021, p.143-158.

FÁVERO, Altair Alberto; TONIETO, Carina; CONSALTÉR, Evandro; CENTENARO, Juniro Bufon (orgs.). Leituras sobre Martha Nussbaum e a educação. Curitiba/PR: CRV Editora, 2021.

NUSSBAUM, M. Sem fins lucrativos: por que a democracia precisa das humanidades. São Paulo: Martins Fontes, 2015.

NUSSBAUM, M. El cultivo de la humanidade:  una defensa clásica de la reforma em la educación liberal. Barcelona: Paidós, 2005.

Autor: Dr. Altair Alberto Fáveroaltairfavero@gmail.com Professor e Pesquisador do Mestrado e Doutorado do PPGEDU/UPF. Também escreveu e publicou reflexão “A construção de uma pedagogia da autonomia”: https://www.neipies.com/a-construcao-de-uma-pedagogia-da-autonomia/

Edição: A. R.

Um diagnóstico limitante

Eis o problema de vestir um rótulo e ser depressivo, ao invés de se relacionar com a depressão como uma parte de você que precisa de atenção e apoio. Ou melhor, eis a diferença entre um diagnóstico limitante, e impor um limite para o seu diagnóstico.

Sabe, eu sempre achei interessante a necessidade humana de procurar saber mais sobre si mesmo, e mais interessante ainda é a necessidade de compartilhar isso com as outras pessoas, quase que como um processo de validação. Exemplo clássico daquela pesquisa fajuta do facebook que “revela” mais sobre você e você faz questão de compartilhar a resposta.

O segredo está em falar para as pessoas o que elas querem ouvir, com termos genéricos presentes em ampla escala na idealização do comportamento humano: amável, generosa, carinhosa, esforçada, perseverante… e a lista de exemplos é ampla. Falar mais de uma característica também é importante e mais assertiva, porque tendemos a relevar o que não faz sentido, e potencializar o que faz, o que nos identificamos.

As previsões astrológicas, especificamente os nossos horóscopos, fazem algo parecido. Tanto que, se a gente embaralhar a descrição dos signos e mostrar para uma pessoa que não possuir associação prévia entre a personalidade de cada signo, falando que aquilo revela mais sobre você, possivelmente ela vai se identificar, em algum nível, com a descrição.

E no final, somos nós tomando medicamentos para resolver o nosso problema que tem mais a ver com o nosso estilo de vida do que qualquer outra coisa (cadê a coesão textual, dona autora?).

Espera, já vamos entender. Digo isso pois, o que percebo que recorrentemente fazemos, é buscar respostas sobre si mesmos fora, enquanto que deveríamos busca aí.

– Aí aonde?

– Aí dentro!

É muito mais fácil procurar saber quem você é fazendo uma pesquisa de 3 minutos, ou recebendo o seu mapa astral, do que se perguntar: quem é você? O que você gosta de fazer? O que você não gosta? Quais aspectos do seu comportamento você reconhece que deveria mudar? E o que te impede de mudar?

Perguntas muitas vezes incômodas, com respostas nada exatas, que podem demorar um tempo considerável a surgir. Algo completamente contrário ao nosso fastmundo, alimentado com hambúrguer carne e queijo que de nutrição não tem nada.  

Eu não vejo nenhum problema em você fazer os questionários do facebook, muito menos o seu mapa astral detalhadíssimo. Acredito que, quando observados de forma consciente e sincera, reconhecendo o que verdadeiramente faz parte em nós e o que não faz, é um movimento que pode até mesmo contribuir em nosso autoconhecimento.

Qual é o problema então, dona autora? O problema é quando usamos esses elementos para financiar o nosso comodismo. É mais fácil tomar remédio para a sua diabete tipo II do que alterar os seus hábitos alimentares. Também é infinitamente mais fácil você usar o seu signo para justificar, e muitas vezes financiar, o seu mau comportamento, do que o mudar!

“aí meu signo é dinossauro, e é por isso que eu sou agressiva”, “aí, você está falando com uma unicorniana, e é difícil que eu consiga chegar na hora”.

Por vezes, eu tenho a impressão que o período moderno ainda vive em nós, e aquela mentalidade a lá Gabriela, persiste!

“Eu nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim…”

Minha tristeza aumenta quando eu percebo que esse mesmo movimento se intensifica na fase que intitulei como a fase “TAG”. Um tag é uma espécie de rótulo, mas o nome é bom porque nos lembra do transtorno de ansiedade generalizada, que também pode ser um diagnóstico rotulante, ou até mesmo pode ser um tag bônus pelo seu outro tag.

Você, querido leitor, já tem o seu? É depressivo, ansioso? bipolar?

Em verdade, observo que esse movimento vem crescendo em proporções significativas, ao acompanhar as mídias. Não é incomum encontrar vídeos com milhares de visualizações com um check-list de sintomas. E o detalhe, descrições muitas vezes genéricas e comuns a grande parte de nós, humanos. Por exemplo…

Recordo-me do último vídeo que eu assisti. Era de uma pessoa com determinado diagnóstico que começava assim “pode não parecer, mas, eu aprendi a mascarar” (1). Essa pessoa expunha o quanto para ela era difícil ser uma “adulta normal e funcional” (2). E o quanto ela possuía uma linguagem própria, mas que ela não conseguia traduzir (3). E com isso, alegava a sua dificuldade de se expressar, mas, se expressando muito bem no vídeo (4).

Vamos avaliar isso melhor:

Argumento 1: “pode não parecer mas, eu aprendi a mascarar”

Esse argumento pode revelar uma pessoa que parou para se conhecer melhor e constatar que suas escolhas de vida e seu jeito ser se orientavam mais pelo o que os outros iriam pensar do que por si mesmo. E como somos seres suscetíveis ao meio, não é incomum encontrar pessoas assim. Inclusive tem uma fábula linda que trata sobre isso e se intitula “O cavaleiro preso em uma armadura”, vale a leitura!

Argumento 2: sobre a dificuldade de ser uma “adulta normal e funcional”

Essa fala pode revelar o quanto somos iludidos pela ideia de que existe uma pessoa normal e funcional. Tipo aquela Barbie do mundo real igual a da caixinha. Meus queridos: de perto ninguém é normal (inclusive, tem um livro que trata sobre essa questão e se intitula “o mito da normalidade”) e o tempo todo, ninguém é funcional. É claro que em uma sociedade do desempenho, funcionalidade é um atributo muito valorizado, mas, às custas do que? De nossa saúde? Do tempo com as pessoas que amamos? Acredito que nesses casos, é essencial compreender o que verdadeiramente buscamos com isso. Porque muito além de status e dinheiro, está a nossa necessidade de conexão que se relaciona ao reconhecimento e a atenção que recebemos das pessoas. E podemos conseguir isso de formas muito mais leves.

Eu por exemplo, remodelei toda a minha rotina de trabalho, porque passei a aceitar a minha sensibilidade e reconhecer que está tudo bem não estar tudo bem o tempo todo. Foi um alívio. E assim, ao invés de insistir em me encaixar em uma caixa em que eu não cabia, eu criei coragem suficiente para despadronizar a minha rotina de trabalho. Olhando assim parece fácil, mas, tenta sair da caixa para você ver como dá medo. 

Argumento 3: “eu possuo uma linguagem própria que muitas vezes não consigo traduzir”

Bem, pode-se aqui revelar uma certa dificuldade de se abrir com o outro e se conectar. Isso envolve questões importantes como por exemplo, o quanto suas referências na primeira fase da vida foram relacionamentos seguros ou o contrário disso. Além de que, todos temos uma linguagem própria, e materializar com palavras o que estamos pensando ou imaginando nem sempre é uma coisa fácil, ainda mais dependendo da complexidade do seu pensamento.

Argumento 4: “a dificuldade de se expressar” ao meu ver, se expressando muito bem.

Aqui para mim ficou evidente o seu nível de cobrança ou perfeccionismo. Eu por exemplo, por vezes chego a cancelar várias vezes os meus áudios no WhatsApp porque alguma palavra não saiu como desejado (é por essas que eu amo escrever, porque me dá tempo para refletir mais). Mas, eu entendo que se trata de um nível de cobrança exagerado que quando bem calibrado, pode surtir efeitos positivos em nós! (Inclusive, se o perfeccionismo anda lhe causando prejuízos, convido você a me acompanhar no Instagram em @dialogosdaana, porque em breve pretendo lançar um curso sobre a arte de lidar com o perfeccionismo!).

Com essas considerações eu não quero passar a ideia de que o que essa pessoa está retratando é irrelevante, muito pelo contrário, é muito relevante, e dependendo das escolhas que ela fizer a partir dessas informações, ela poderá se tornar uma adulta mais segura de si, resiliente e preparada para encarar as adversidades da vida.

Isso porque, quando tiramos a ênfase nos sintomas e seu respectivo diagnóstico, passamos a compreender aquele ser humano em sua subjetividade. Elencamos com clareza seus pontos de fragilidade e isso abre espaço para que possamos investir em aprimoramento. Ou seja, não é uma condição imutável, mas uma condição ponderável.

O problema vem agora: quando esse discurso é colocado tendo como principal pano de fundo um diagnóstico, a conversa passa a ser outra. E na fala daquela pessoa, o que ficou mais claro foi o quanto ela mesma estava se limitando em função dos sintomas. É como se os fatores genéticos fossem a causa única daquela condição e ela nada tem a fazer a não ser aceitar.

Por exemplo, se você tem dificuldade de se relacionar com as pessoas, e atribui a causa dessa dificuldade para um diagnóstico, isso pode repercutir de tal modo que você nunca olhe para questões importantes de sua vida que vão muito além dele. Por uma questão de linguagem e otimização de energia, a sua mente não vai investir em um novo olhar para o problema, se você alimenta a ideia que para esse problema a causa é única e definitiva. 

Mas o que deveríamos fazer, então? Fingir que o diagnóstico não existe? Nada disso. Um diagnóstico, quando bem feito, pode nos trazer informações importantes sobre nós mesmos e auxiliar na identificação de nossos pontos, digamos, sensíveis. É com base nessa definição que somos possibilitados a procurar alternativas saudáveis de lidar melhor com nós mesmos. 

Mas cuidado. Quando a gente recebe um diagnóstico e apenas toma uma medicação, meio que renegando que parte da responsabilidade por essa condição também parte do que aconteceu com a gente, além das atitudes que escolhemos ter, ao invés da cura, a tendência é que isso cause mais dor, desconexão e incompreensão.

É o caso, por exemplo, de uma depressão crônica, tratada unicamente a base de medicamentos, com uma mísera resposta de melhora. As coisas complicam ainda mais quando a explicação se direciona unicamente para uma tendência genética e a pessoa passa aceitar aquela condição como um fardo que ela tem que carregar, ou de ser iludida pela ideia de que é o medicamento que não está fazendo efeito, quase como quem diz, o problema nem é comigo. 

Alimentação saudável, atividade física, rotina, meditação, conexão humana, terapia, filosofia, altruísmo… nada disso nem sequer chega a ser uma possibilidade que pode culminar no ciclo interminável da falta de vontade. Quando, por exemplo, a gente passa a misturar as coisas e adota a depressão como justificativa para algo que você deveria fazer para melhorar, mas, é incômoda e muitas vezes chata, e portanto, não faz. Eis o problema de vestir um rótulo e ser depressivo, ao invés de se relacionar com a depressão como uma parte de você que precisa de atenção e apoio. Ou melhor, eis a diferença entre um diagnóstico limitante, e impor um limite para o seu diagnóstico.

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Autora: Ana P. Scheffer. Também escreveu e publicou reflexão “Não está tudo bem”: https://www.neipies.com/nao-esta-tudo-bem/

Edição: A. R.

Como a sua reação afeta a criança

Eu luto por um mundo mais justo para as crianças há mais de vinte e cinco anos. Até agora ninguém me ouviu, mas não vou desistir. Sei que é uma batalha difícil de se ganhar.

Ah, os contos de fadas com Cinderela recebendo críticas e ordens da sua madrasta o tempo todo e se recolhendo num canto da cozinha até o dia em que se rebelou contra tudo e contra todos e descumprindo uma ordem foi ao baile do príncipe! Você já ouviu este conto de fadas? Cinderela pode ser esta criança que está ao seu lado agora.

Muitas vezes temos uma reação brusca quando as crianças fazem alguma coisa que não gostamos, e não agimos assim porque queremos, mas porque estamos tomados pelo estresse do dia a dia, os problemas do cotidiano, as contas atrasadas, o chefe que vive nos criticando e tantas outras coisas que nos afligem e nem nos damos conta.

A forma como reagimos com as nossas crianças vai definir os seus comportamentos diante de nós e das pessoas ao seu redor até mesmo diante de estranhos. É preciso que tenhamos cuidados com as nossas reações. Uma coisa que faz sentido e é bom sempre exercitar é a paciência. Respirar fundo, contar até três para não explodir, rir de tudo até mesmo das coisas mais difíceis da vida e depois agir com cautela.

As crianças tendem a assimilar as nossas reações e passam com o tempo a imitá-las. Sim, mesmo sem saber por que estão fazendo aquilo as crianças começam a nos imitar como se fosse certo o que fizemos com elas. Se o papai ou a mamãe faz isso comigo, eu também posso fazer com o meu amigo ou com a minha professora.

É mais ou menos uma resposta do inconsciente aquilo que foi recebido e processado para um dia ser colocado para fora da mente. Acho que Freud chamaria isso de repressão, eu não sei bem. Estudo Freud há bem pouco tempo. O que está em questão são as nossas reações que devem ser ponderadas, usadas com eficiência, pensadas mesmo que estejamos ocupados.

As crianças tendem a imitar os adultos porque eles são os seus heróis e sabem de tudo, são aquelas pessoas que têm respostas para tudo sempre e por isso as suas reações para com elas certamente estarão sempre corretas. Os adultos nunca erram para as crianças. Somos perfeitos para elas assim como é Deus para nós. Já imaginou se Deus reagisse com você bruscamente? Pois é assim que se sentem as crianças quando reagimos de forma grosseira com elas.

Uma vez eu devia ter uns cinco ou sete anos e meu pai rasgou um desenho que fiz dizendo que estava muito feio porque o coelho estava sem orelhas e sem os dentes. Alguns dias depois na escola eu rasguei o desenho do meu coleguinha porque a casa que ele fez estava sem portas e não tinha um sol.

Eu tive uma reação igual ao do meu pai. Agi da mesma forma que ele agiu comigo. Só que fui para direção e ainda tive que pedir desculpas ao meu amiguinho por algo que eu tinha plena certeza que não estava errada até que a minha professora conversou comigo e eu lhe disse que o papai sempre fazia aquilo com os meus desenhos feios. Sem querer entreguei o papai.

Quando temos reações de raiva com as nossas crianças elas saem de perto de nós e ficam a se perguntar por que mudamos tanto de uma hora para outra, de repente estamos brincando com elas e num segundo por causa de uma tolice delas reagimos de forma grosseira e ridícula para um adulto considerado um herói.

Tantas vezes as crianças trocaram os pais heróis pelos seus avós companheiros que fazem de tudo para não as machucarem. E fizeram certo porque os avós são os que mais sabem dar amor e nunca reagem de forma agressiva ou descabida.

Creio que devido a experiência e o cuidado que adquiriram ao longo dos anos cuidando dos filhos e de si próprios os avós tenham aprendido que reagir com afeto sempre, mesmo que a criança esteja agressiva é a forma correta de corrigi-la e esperar que se acalme.

Eu não tive amor de avós, logo meus heróis sempre foram meus pais e quando eles reagiam de forma agressiva comigo quem passava a ser meus heróis eram os meus ursinhos de pelúcia. Lembro-me de que passava horas conversando com meus ursinhos antes de adormecer sobre a reação agressiva dos meus pais por uma raiva que tive.

Toda criança tem o direito de ter raiva e os pais deviam saber disso. As crianças não são miniaturas de adultos, elas são crianças e nada mais. Estão em fase de aprendizagem e precisam de cuidados e de compreensão. Tudo o que fizermos diante delas será assimilado como certo. Logo, as nossas reações devem ser com precaução e não com violência ou agressividade.

Eu luto por um mundo mais justo para as crianças há mais de vinte e cinco anos. Até agora ninguém me ouviu, mas não vou desistir. Sei que é uma batalha difícil de se ganhar.

Ainda mais quando nunca se foi mãe e as pessoas tendem a nos dizer isso a todo tempo. Até a forma como você reage com os seus amigos ou pessoas próximas e a criança presencia sempre pode ser imitado por ela.

Temos muitos vícios e tendemos a mostrá-los sem querer para as nossas crianças. Assim, muitas vezes as nossas reações são em parte viciosas, ou seja, agimos daquele jeito porque já se tornaram um vício em nossas vidas e sempre que alguém fizer algo que não gostemos agiremos assim. As crianças pequeninas são as que mais sofrem com as nossas reações abruptas porque elas não conseguem entender o motivo de grosserias e violências quando na maioria das vezes somos amáveis e costumamos dizê-las que as amamos.

Imaginemos um girassol bonito no meio do caminho e chegarmos repentinamente, o arrancarmos do chão e o despetalarmos por completo só porque ele estava no meio do caminho. É assim com as nossas reações, elas tendem a criar vida depois de certo tempo de vícios.

Você já imaginou a cena em que acaba de dizer que ama a criança e ela deixa cair o copo de suco no sofá, você reage com raiva pega no braço dela e a manda limpar aquilo rapidamente aos gritos e palmadas? O que será que este ser pequenino vai pensar do amor? O amor é uma coisa que muda o tempo todo ou ele permanece para sempre uma coisa bonita de se viver, responda para mim.

Devemos cuidar das nossas reações diante das crianças para que elas sejam sinceras e verdadeiras, mas cheias de cuidados e afeto para que não criemos traumas ou pequenos malcriados. Sim, as crianças podem fazer coisas erradas porque não conseguem nos compreender e daí passam a querer nos chamar atenção sendo malcriadas o tempo todo.

A criança vive mais no mundo da fantasia do que no real, e quando são tratadas com afeto e cuidados elas levam isso para os seus mundos e se criam comportamentos que as levarão a ser boazinhas ou não dependendo da forma como são educadas. Lembrando que toda criança é boazinha, quem faz dela um ser malcriado somos nós.

O enunciado da Terceira Lei de Newton (Princípio da Ação e Reação) é descrito da seguinte forma: “A toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade: as ações mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas em sentidos opostos.” Seguindo esta teoria os pais devem pensar que estão certos, pois já que as crianças criaram uma ação de descuido, de malcriação ou de birra merecem uma reação brusca e severa para que não cometam mais o mesmo erro.

Os pais sempre pensam que reagindo de maneira brusca e violenta com gritos e palmadas ensinarão as crianças a não repetirem mais aquela ação que os fizeram ficar com muita raiva ou com vergonha das pessoas ali presentes.

Ah, se os pais soubessem que as crianças são como Cinderela: elas só querem um motivo para desobedecerem às reações dos pais e fugirem para onde há alegria e festa! Penso que um dia através dos meus ensaios, das minhas palavras de afeto e carinho para com as crianças eu poderei salvar uma delas das reações bruscas e inesperadas dos seus pais. Neste dia eu serei a pessoa mais feliz do mundo!

Para finalizar este pequeno ensaio deixo vocês com o nosso querido poeta português Fernando Pessoa que nos diz:

“Grande é a poesia, a bondade e as danças. Mas o melhor que há no mundo são as crianças.”

Todas as vezes que alguém reage com violência contra uma criança é como se o mundo ficasse de cabeça para baixo e tudo, tudo mesmo tivesse medo de perder o sentido da infância.

Autora: Rosângela Trajano. Também escreveu e publicou no site a crônica “As crianças das guerras”: https://www.neipies.com/as-criancas-das-guerras/

Edição: A. R.

Memórias de um menino Sem Terra

Este livro não é a história de um único menino, mas é a de milhares de meninos e meninas que vivenciaram, sofreram e alegram-se com a vida em acampamentos e assentamentos do MST. Eles e elas, aprenderam com o espaço organizativo do acampamento, forjaram-se em movimento; o ambiente da coletividade os educou.

O livro Memórias de um menino Sem Terra, trata sobre a vida de crianças e adolescentes, que viveram em um acampamento e assentamento do MST, no Rio Grande do Sul, nas décadas de 80 e 90. Tendo como protagonista – o menino Igor.

Escrito para o público infanto-juvenil (e adulto também), o livro é dividido em três capítulos: o menino e infância; o menino e a adolescência; o menino e a juventude.

Baseado em fatos reais, o livro descreve o cotidiano de um acampamento/assentamento Sem Terra – a organização, a coletividade, os modos de produção, a escola, a educação; e principalmente, diz sobre formação humana.

O livro pode ser adquirido no site da Amazon, ou diretamente com o autor Munir Lauer pelo watsapp (54 98424-8724) ou através de seus contatos nas redes sociais.

Visão geral do livro

Este livro nada mais é do que uma história de criança, contada para outras crianças, adolescentes e jovens, mas, também, contada para adultos. E por ser verdadeira, não é a história de um único menino, mas é a história de milhares de meninos e meninas, que vivenciaram, sofreram e alegram-se com a vida em acampamentos e assentamentos do MST. Eles e elas, aprenderam com o espaço organizativo do acampamento, forjaram-se em movimento; o ambiente da coletividade os educou.

Leia mais nesta matéria: https://www.brasildefators.com.br/2024/01/26/munir-lauer-lanca-o-livro-memorias-de-um-menino-sem-terra?

Edição: A. R.

Ziraldo era o próprio Menino Maluquinho

Ele participou de três Jornadas Literárias em Passo Fundo quando esparramou lindos traços e muita simpatia.

Em 06 de abril, Ziraldo Alves Pinto morreu aos 91 anos de idade. Cartunista e ilustrador de traço inconfundível, foi além da charge e caricatura para ingressar na literatura. Da Turma do Pererê ao Menino Maluquinho, o mineiro de Caratinga abriu portas atrativas para novos leitores. Militante do velho PCB, enfrentou a ditadura na trincheira de “O Pasquim”, quando a intolerância ideológica o conduziu três vezes à prisão.

Com mais de 130 livros publicados, também esteve em Passo Fundo para participar de três edições da Jornada Nacional de Literatura. O evento, que colocou Passo Fundo no mapa cultural, foi idealizado em 1981 pela professora Tânia Rösing, que define Ziraldo como “um gênio, pois ele era a própria genialidade”. Aqui, além de lindas caricaturas, ele espalhou simpatia e deixou gostosas lembranças.

Tânia e a foto da neta Lavínia no colo de Ziraldo – Foto – LC Schneider-ON

Multiplicidade

A professora Tânia desenha a trajetória de Ziraldo como um caminho à leitura, um encaixe com a proposta das jornadas: a formação de novos leitores. “Ele começou a usar o desenho com texto, deu movimento e com isso veio o vídeo. Assim, ele traz a criatividade evolutiva no humor. E, o mais importante, a diversidade, pois ele não trata só da pessoa, usa animais e seres mitológicos sem perder o olhar nos nossos indígenas”. A interpretação da professora detecta a vanguarda de Ziraldo. “Quando começaram a ilustrar ele já era um ilustrador. Trabalhava com múltiplos suportes e múltiplos públicos. Desenhos, quadrinhos, charge, caricatura, cinema, escritor, fazia cartazes…”

Um moleque

Do traço às letras, o talento de Ziraldo entusiasma Tânia Rösing. “Ele se apresenta no texto como sapeca, divertido e prodígio que é o Menino Maluquinho. E o Menino Maluquinho é o próprio, pois ele sempre foi assim”. Um menino que, mesmo chateado com a idade avançada, continuou um moleque. “Ele convidou os amigos para a festa dos seus 80 anos em um restaurante do Rio. Sem a presença do aniversariante, criou-se um clima ruim. Lá pelas tantas acendem as luzes sobre Ziraldo que ninguém havia reconhecido, pois estava num canto com o cabelo pintado de preto. Lavou o cabelo e voltou. Foi uma grande festa”.

O apoio da Editora Melhoramentos foi fundamental para trazer Ziraldo a Passo Fundo em três oportunidades. Participou das Jornadas de Literatura em 1985, 1997 e 2007. “O Jaime Lerner (CEO da Editora) foi importante para isso. Até porque o cara (Ziraldo) já tinha vendido mais de 15 milhões de livros”, conta a professora. Logo, Ziraldo foi um grande parceiro das jornadas e até fez um cartaz para a Jornadinha.

Mas não faltam relatos de pequenos contratempos. “Em 2007, ligou de última hora dizendo que estava em Curitiba e não viria. Então, disse para ele falar com o Lerner e resolver. Deu certo, pegaram um jatinho e ele veio pois estava na programação do dia seguinte. Outra vez, na hora de falar, ele foi irredutível e disse que não iniciava a fala: ‘só ouço e respondo’. Então provoquei a plateia para perguntar e, enfim, começou a palestra”.

Um sorriso, um traço

E como se portou Ziraldo nas andanças pelo Planalto Médio? “Simpático, uma simpatia! Um artista. Atencioso com todos dava um sorriso, a mão vinha junto, fazia um risco que se transformava num desenho. Aliás, uma obra”.

Tânia diz que era um cara divertido e atencioso sem perder o característico estilo galanteador. “Exalava arte e falava muito sobre o irmão Zélio (pintor e artista plástico). Foi um entusiasta da Jornada, e dizia que ‘aquilo deveria ser reproduzido em todo o Brasil’. Leitor começa criança e esse era o público dele.” E o carinho pelas crianças está nas paredes do apartamento da professora, em ilustrações e fotos de Ziraldo com os maluquinhos da família Rösing de todas as idades.

Um encontro de moleques

A Família Repilica: os Rösing na versão de Ziraldo – Reprodução – ON

Em suas primeiras edições, o almoço e o jantar dos escritores eram oferecidos na residência de Acioly e Tânia, então numa casa da Paissandu em frente ao HC. “No almoço era churrasco ou comida campeira preparada pelos amigos do Acioly. À noite o jantar era da Dona Olívia, então chef do Clube Comercial”. Comes e bebes no velho estilo copa franca. Uma festa!

O esposo de Tânia, o também professor Acioly, recentemente falecido, era um moleque de carteirinha. Brincalhão, quebrava o gelo com tapinhas nas costas e dizia poucas e boas. Ora, o encontro com outro moleque resultou em uma fraterna amizade entre os meninos maluquinhos já bem crescidos. “Simpatia e bom-humor, logo Ziraldo estava em casa”. Uma amizade que prosseguiu no fluxo inverso, Passo Fundo-Rio. E, aqui, na caricatura de Ziraldo, retratando Tânia, Acioly e os filhos Cassiano e Ilana, que batizou de “Família Repilica”.

Ziraldo se foi. E a Jornada? “A Jornada foi destruída por não-leitores. A cidade perdeu o charme que era ser a Capital Nacional da Literatura”, finalizou Tânia Rösing.

FONTE: https://www.onacional.com.br/cultura,7/2024/04/19/ziraldo-era-o-proprio-menino-mal,128198

Autor: Luiz Carlos Schneider, colunista. Escreveu e publicou também no site a crônica “O silêncio das vilas”: https://www.neipies.com/o-silencio-das-vilas/

Edição: A. R.

É verdade que menina cresce mais rápido do que menino?

Deixem que as nossas meninas e meninos cresçam por igual e lhes deem as mesmas oportunidades de estudo e trabalho. Mesmo que o patriarcado e o conservadorismo estejam fortemente voltando aos nossos lares, as mulheres já sabem quais são os seus lugares e meninas, apesar de pequenas, já pensam em seguirem carreiras profissionais que antes eram impossíveis de sonharem.

O patriarcado é uma coisa cruel que machuca as mulheres do mundo inteiro ditando as suas normas, tradições e costumes. De uns tempos para cá tem diminuído um pouco com o empoderamento de algumas mulheres, mas no interior do Brasil e em bairros de periferias ainda vemos muito fortemente a sua presença nas casas de famílias mais pobres.

E começo pelas mulheres das cidades do campo quando os pais não aceitavam que elas estudassem para não aprenderem a escrever bilhetes de amor aos seus namorados, uma das formas do patriarcado maltratar as mulheres e deixá-las de fora da escola.

Eu sou uma feminista e acredito que a mulher é a dona do seu corpo e pode fazer dele o que quiser respeitando as leis de uma sociedade mesquinha e cruel que só dá direitos aos homens. Vamos sair por aí sem esse horrível sutiã, meninas, que machuca nossos seios?

As diversas ondas feministas ao redor do mundo ainda precisam ser consideradas como escolhas das mulheres para não mais serem subestimadas ou criadas para serem donas de casas.

Assim é que Simone de Beauvoir com a sua famosa frase “Ninguém nasce mulher, mas se torna mulher” ela quer nos dizer que nascemos numa sociedade pronta para nos ditar as suas normas, nos impor limites, nos colocar em lugares inferiores aos homens e nos subestimar dizendo que não somos capazes de quase nada a não ser cuidar de casas e de crianças.

Entrando no “paraíso” da infância vemos meninos e meninas da mesma idade morando na mesma casa e sendo filhos dos mesmos pais muitas vezes estudando coisas diferentes e sendo educadas de formas diferentes também. Meninos são educados para jogarem futebol nos fins de semana e meninas para passearem nas praças com os seus bichinhos de estimação.

Como história de mentirinha ainda enganam as mulheres dizendo que as meninas crescem mais rapidamente do que os meninos, o que é mentira e invenção do patriarcado para que as mulheres comecem desde cedo a serem tratadas como senhoras que serão para submissas aos seus maridos. Meninas e meninos crescem no mesmo ritmo. É mentira dizer que a menina cresce assustadoramente mais rápido do que o menino.

Muitas meninas podem ser mais experientes do que os meninos porque foram educadas para isso e sabem cozinhar, lavar, passar e cuidar de uma casa aos dez anos de idade enquanto os meninos com a mesma idade só sabem jogar bola ou assistir televisão.

Meninos são preguiçosos e não querem aprender tarefas domésticas porque desde cedo o patriarcado lhes disse que aquilo é coisa para meninas. E lá se vão as meninas para a cozinha fazer junto com a mãe um bolo de chocolate quando ela queria mesmo era estar no telescópio observando as estrelas.

Se fizermos uma pesquisa de quantas meninas são educadas para serem donas de casa e meninos para trabalharem e manterem uma família financeiramente ficaremos assustados com os resultados porque é isso que acontece ainda. Quase ninguém educa a sua filha para ser uma cientista, médica, juíza ou outra profissão qualquer.

Até um dia desses existia na minha cidade uma escola que ensinava as boas maneiras as meninas, a como cuidar de uma casa e fazer belos pratos para os seus maridos. Homens não podiam estudar nesta escola. Ainda bem que depois das ondas feministas repararam esse erro absurdo na educação.

Nunca vi uma mãe ensinando o seu filho menino a colocar roupas nos varais, a varrer uma casa, a passar roupas, mas sempre vejo a mãe reclamar da menina que passa o tempo todo brincando de médica com as suas bonecas. E se ela não quiser ser uma dona de casa? E se a sua escolha desde a infância sobre a sua vida adulta já estiver traçada?

Meninas e meninos crescem por igual. Os meninos deviam ser educados com os mesmos direitos das meninas. Não vejo pais levarem suas filhas pequenas aos estádios de futebol, mas vejo muitos meninos vestidos com as camisas dos seus times sentados nas arquibancadas. Dizem que o mundo está mudando e que as mulheres estão ficando chatas, será mesmo que estamos chatas ou é porque estamos reivindicando os nossos direitos e como dizia Simone de Beauvoir não existem sexos diferentes.

Para esta mesma pensadora acima enquanto o mito da maternidade e da família não for destruído a mulher será sempre oprimida. Dão bonecas as crianças para lhes dizerem que um dia elas serão mães e precisarão aprender a cuidar dos seus filhos enquanto para os meninos dão carrinhos, bolas, trens.

Nunca vi um menino ganhar uma boneca de presente de aniversário, pois o patriarcado não permite que isso aconteça. Pais machistas que se dizem modernos não os são na verdade. Eles dizem para os seus filhos que devem fazer xixi de pé porque é assim que homem de verdade faz.

Os tempos mudaram, contudo as meninas continuam ganhando bonecas de presente com casinhas e fogões para cozinharem comidas de mentiras e já irem treinando os seus dotes femininos para idade adulta. Continua do mesmo jeito no casamento religioso, pois ainda é o pai quem entrega a filha para o noivo e não a mãe.

Leia também crônica: Coisa de menino/coisa de menina: https://www.neipies.com/coisa-de-menino-e-coisa-de-menina/

São as meninas de dez ou doze anos de idade que devem cuidar dos irmãos menores quando as suas mães solos saem para trabalhar e não têm com quem deixá-los. Os meninos ficam brincando no pátio da casa sem sequer ajudarem as suas irmãzinhas a dobrarem uma roupa, a varrerem uma casa ou olhar o irmão menor. Claro, eles não foram educados para isso. As mães lhes ensinaram que devem brincar de carrinhos e correrem nas ruas. Que devem depois de grandinhos ajudar financeiramente no sustento da casa.

O menino ainda pequenino se sente mais poderoso segundo Freud por ter um pênis e o da menina deve ter sido cortado. Ele fica o tempo todo se perguntando onde está o pênis da menina e com isso vai se formando um amor pela mãe que também não tem pênis mais profundo do que pelo pai que não o interessa, pois ele sabe que o pai tem um pênis. É a mãe quem vai precisar de proteção, de cuidados, de zelo e afeto.

A menina vai menstruar aos onze ou doze anos de idade e vai se tornar uma mocinha pronta para ter filhos, como dizem os machistas e as mães criadas com base no patriarcado. Elas não sabem que aquilo é o começo de um novo ciclo onde as meninas precisam de cuidados para não se submeterem mais ainda aos deveres que os homens vão lhes impor quando souberem que já menstruaram e estão prontas para serem mães.

Houve um avanço na maternidade e as mulheres já não são mais como as nossas avós parindo quinze ou vinte filhos. Agora elas só querem um ou dois filhos. Talvez estejamos no caminho certo e educando as nossas meninas como deveriam ter sido educadas há muito tempo, ou seja, elas nasceram para serem o que quiserem e não para servirem machos ridículos que acham que mulheres são seus objetos de decoração.

Temos visto as meninas brincarem mais de bonecas, só que com um detalhe: elas agora também jogam online, usam tablets, têm smartphones e nas escolas sentam-se ao lado dos meninos e disputam na mesma igualdade as melhores notas. Ainda são os meninos os que se saem melhor nas Olimpíadas de Matemática, mas é porque em casa e na escola lhes são dadas oportunidades que não são oferecidas às meninas como tempo para estudos somente de uma disciplina. Ainda há desigualdades nas escolas e em casa. Os professores de matemática ainda dão mais suportes aos meninos, isso é fato.

Ter mulheres nas ciências é comemorado como algo maravilhoso, o que deveria ser garantido a elas por direitos a escolha das suas profissões. Igualdades salariais do mesmo jeito. As mulheres comemoraram até outro dia este direito aqui no Brasil.

Deixem que as nossas meninas e meninos cresçam por igual e lhes deem as mesmas oportunidades de estudo e trabalho. Sabemos que o patriarcado ainda vai continuar e não tem como acabar, com uma bancada política na Câmara e no Senado conservadora.

As meninas têm medo de falar dos seus sonhos porque os acham difíceis de conquistarem e quando são interpeladas pelo que querem ser quando crescerem titubeiam para não ouvirem risinhos de machistas, preferem inventar uma mentirinha de casamento e mãe de família.

Ainda vamos ter muitas meninas nas ciências e na política. Mesmo que o patriarcado e o conservadorismo estejam fortemente voltando aos nossos lares, as mulheres já sabem quais são os seus lugares e meninas, apesar de pequenas, já pensam em seguirem carreiras profissionais que antes eram impossíveis de sonharem.

Meninos e meninas crescem por igual, somente na sua cabeça é que eles crescem mais rapidamente um do que o outro, se você é um machista desavisado que estamos em pleno século vinte e um.

E para terminar deixo vocês com a grande filósofa americana Judith Butler que nos diz

“Sempre fui feminista. Isso significa que eu me oponho à discriminação das mulheres, a todas as formas de desigualdade baseadas no gênero, mas também significa que exijo uma política que leve em conta as restrições impostas pelo gênero ao desenvolvimento humano.”

O humano é a presença real nas políticas públicas que devem ser tratadas pelas autoridades governamentais dos países desenvolvidos e em desenvolvimento para que as nossas meninas possam ir tão longe o quanto se vai uma estrela cadente.

Autora: Rosângela Trajano

Edição: A. R.

Sobre regulamentação das redes sociais

A regulamentação das redes sociais pode ajudar a promover a diversidade e a pluralidade de vozes na esfera pública digital. Muitas vezes, as plataformas tendem a privilegiar conteúdos populares ou controversos em detrimento de perspectivas mais equilibradas e menos sensacionalistas.

Diante dos desafios cada vez mais evidentes apresentados pelas redes sociais, é imperativo que consideremos seriamente a necessidade de uma regulamentação mais robusta dessas plataformas digitais. A disseminação descontrolada de desinformação, ódio e intolerância tem causado danos significativos à coesão social e ao debate público saudável, exigindo uma resposta firme e coordenada por parte das autoridades reguladoras.

Em primeiro lugar, a regulamentação das redes sociais se faz necessária para proteger os usuários contra os danos causados pela disseminação de conteúdo prejudicial e enganoso. A desinformação pode ter consequências graves, desde minar a confiança nas instituições democráticas até incitar à violência.

É fundamental que as plataformas sejam responsabilizadas por implementar medidas eficazes para combater a propagação de informações falsas e prejudiciais.

Além disso, a regulamentação das redes sociais é essencial para promover a transparência e a prestação de contas nessas plataformas. Muitas vezes, as decisões sobre o que é permitido ou não nas redes sociais são tomadas de forma opaca e arbitrária, levantando preocupações sobre censura e discriminação. Uma regulamentação clara e transparente ajudaria a garantir que as políticas de moderação de conteúdo sejam aplicadas de forma justa e consistente.

Leia também: https://www.neipies.com/somos-manipulados-nas-redes-sociais/

Outro aspecto importante da regulamentação das redes sociais é a proteção da privacidade e dos dados dos usuários. O modelo de negócios das redes sociais muitas vezes depende da coleta e exploração dos dados pessoais dos usuários, levantando questões éticas e de segurança. Regulamentações mais rigorosas poderiam estabelecer limites claros sobre como as informações dos usuários podem ser coletadas, armazenadas e compartilhadas, garantindo assim que sua privacidade seja protegida.

Além disso, a regulamentação das redes sociais pode ajudar a promover a diversidade e a pluralidade de vozes na esfera pública digital. Muitas vezes, as plataformas tendem a privilegiar conteúdos populares ou controversos em detrimento de perspectivas mais equilibradas e menos sensacionalistas.

Uma regulamentação que promova a equidade na distribuição de conteúdo poderia ajudar a garantir que uma variedade de pontos de vista seja representada nas redes sociais.

Em suma, diante dos desafios cada vez mais evidentes apresentados pelas redes sociais, a regulamentação é uma medida necessária para proteger os usuários, promover a transparência e a prestação de contas, proteger a privacidade dos dados e promover a diversidade de vozes na esfera pública digital.

É hora de as autoridades reguladoras assumirem um papel mais ativo na definição das regras do jogo no mundo das redes sociais, garantindo assim um ambiente online mais seguro, justo e inclusivo para todos.

Autor: Hermes C. Fernandes. Também escreveu e publicou no site a crônica “Quem deve ter a última palavra: a mente ou o coração”?: https://www.neipies.com/quem-deve-ter-a-ultima-palavra-a-mente-ou-o-coracao/

Edição: A. R.

Livro físico ou digital? Uma breve discussão sobre a leitura…

A leitura é uma forma de acesso ao mundo, talvez a mais importante e implicada, mas deve se inscrever dentro de um repertório de reiterada humanização, como compromisso inarredável pela vida, pela formação, pelo esforço que constrange a violência, a estupidez e as garras dos que colonizam nossas geografias afetivas.

Particularmente acredito que nada substitui a relação direta com o livro físico, com o fato de podermos manipular, folhear, riscar, sentir o cheiro e a espessura, o “peso” dessa experiência. Por outro lado, não se pode negar que as tecnologias viabilizaram o acesso a livros, artigos e materiais que era inimaginável na virada do século XXI.

Podemos perguntar se se trata da mesma experiência, se a leitura do livro físico é diversa da leitura do (no) livro digital, por exemplo. Também podemos perguntar se é assim tão comumente dizer que as tecnologias ampliaram o acesso, pois temos plena consciência que há uma discrepância absurda nas realidades brasileiras, e mesmo os que têm acesso, não frequentam a “mesma” época da invenção.

Estamos vivendo e experimentando temporalidades distintas desde quando se inventou a primeira tecnologia, exponencialmente ampliadas no nosso tempo.

Creio que respondo melhor a pergunta dizendo que as experiências são distintas e que há um tipo de relação diversa quando se lê uma obra que pegamos com as mãos e uma obra que visualizamos. Há uma demora própria em cada uma das experiências e que a sociedade contemporânea tem optado pela pressa. Corremos, descartamos, destruímos.

O livro inscreve uma métrica de lentidão, é como um convite a um reolhar, reler, cuidar, estender sentidos e horizontes. Quem não se demora, sonha menos, enxerga menos, sente menos.

O mundo da técnica é o mundo da pressa, da produtividade, do empreendedorismo de si mesmo. Somos continuamente interpelados e atravessados por valores e sentidos que nos afastam do “alargamento” de nós mesmos. Tudo é subsumido ao ritmo do cálculo, da racionalidade e deste desespero por se reinventar.

Afloram pessoas que querem nos ensinar como fazer “tudo melhor”, em menos tempo, esforço e poesia. Há um coach de plantão em cada resto dessa maquinaria neoliberal que nos engole.

Portanto, não se trata apenas de bons professores, famílias comprometidas, alunos interessados, realização de eventos e projetos, depende de escolhas de horizontes para que o mundo se oriente por outros caminhos e que sejam de fato mais humanos e gentis às diferentes formas de vidas, sonhos e existências. Mas há um “enquanto”, ou seja, precisamos continuar fazendo, promovendo e sonhando da altura do mundo em que vivemos, sendo indispensável o cultivo da leitura e das demoras que ocasionam e ocasionarão seres humanos sentidos de outros.

Nada substitui os tantos mundos que se dão pelas páginas dos livros acolhidas das melhores esperanças.

Não creio que podemos afirmar que existe uma relação direta entre ler e amplidão humana, aqui entendida no sentido ético, de nos tornarmos pessoas melhores porque lemos. A história está carregada de exemplos de pessoas que eram (são) grandes leitores, com formação invejável, mas posicionadas do lado da barbárie. Por outro lado, é pouco provável que nossos melhores sonhadores não sejam grandes leitores.

O que quero dizer é que a leitura é uma forma de acesso ao mundo, talvez a mais importante e implicada, mas deve se inscrever dentro de um repertório de reiterada humanização, como compromisso inarredável pela vida, pela formação, pelo esforço que constrange a violência, a estupidez e as garras dos que colonizam nossas geografias afetivas.

A leitura precisa necessariamente vir acompanhada de implicação ética, como um esforço contínuo e coletivo para que a estupidez não seja reconhecida como posição, mas como negação de um mundo melhor. Ler um livro, ler o mundo, ler a vida. A leitura é um ato solitário, mas que se inscreve como um gesto infinitamente alargado, capaz de constituir indicações que podem ser experimentadas por cada um e todos nós.

Ler talvez seja a maneira mais poética e humana de se imaginar melhor.

Autora: Marli Silveira. Poeta e escritora. Acadêmica da Academia Rio-grandense de Letras. Também escreveu crônica “O tempo”, publicada no site: https://www.neipies.com/o-tempo/

Edição: A. R.

Políticas públicas e acesso à universidade: oportunidades necessárias

O Programa Professor do Amanhã mostrou que há, sim, interesse em estudar — e políticas públicas que apoiem essa decisão são cruciais para o ingresso nas universidades.

O programa Professor do Amanhã, lançado pelo governo do Estado ao final de 2023 e implementado em parceria com o Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung) neste primeiro semestre letivo de 2024, trouxe à tona uma reflexão importante sobre a entrada no ensino superior.

A Universidade de Passo Fundo (UPF) ofereceu cem vagas para ingresso nas quatro licenciaturas envolvidas no processo e teve mais de 1.000 inscritos. O número expressivo de candidatos desejando participar do programa evidenciou que há interesse em estudar na universidade, desde que se ofereçam condições e oportunidades para tanto. 

A existência de uma política pública no Rio Grande do Sul voltada para este fim provou ser uma alternativa efetiva para incentivar a formação pessoal e profissional, combater a desigualdade social, fomentar o desenvolvimento humano e econômico e, neste caso específico, qualificar a formação de professores para atuar na rede estadual de ensino.

O Censo da Educação Superior 2022, divulgado em 2023 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), trouxe dados que demonstram a importância de ações como essa. O levantamento apontou que apenas 24,2% dos jovens de 18 a 24 anos no Brasil alcançam o ensino superior, o que significa que, em média, três em cada quatro jovens brasileiros nessa faixa etária não têm acesso a uma graduação

Somado a este aspecto, há de se considerar, ainda, o momento pós-pandemia e os desafios sociais e econômicos enfrentados pelo país. Tais fatores potencializam um cenário complexo às famílias e à juventude na construção de seu projeto de vida. O enfrentamento a esta realidade ultrapassa o esforço individual e requer ações compartilhados da sociedade como um todo.

Afinal, o jovem não quer mais estudar? Sim, ele quer. Mas para isso precisa de apoio.

Importante ressaltar que a questão do acesso à universidade vai além do escopo de uma formação profissional. A graduação abre portas, amplia a bagagem cultural, descortina horizontes, e oferece, pelo conhecimento, melhores condições de discernimento acerca das questões essenciais à vida e às relações humanas.

Neste contexto, e diante de uma procura sem precedentes já no primeiro dia de lançamento do edital do Professor do Amanhã, fica ainda mais evidente o poder transformador da educação, quando respaldado como um direito, a partir de uma política pública coletivamente construída e implementada.

Esta movimentação não apenas mostrou que é possível encontrar soluções, como também respondeu à pergunta que, por vezes, ronda a sociedadeafinal, o jovem não quer mais estudar? Sim, ele quer. Mas para isso, precisa de apoio.

O Programa Professor do Amanhã também ressaltou a importância das instituições comunitárias no Rio Grande do Sul e como elas podem ser parceiras potentes para solucionar problemas reais enfrentados não somente pelo Estado, mas pelo país. Ao atender ao chamado do governo do Estado para a formação de professores, demanda cada vez mais crescente em todos os níveis de ensino, as universidades comunitárias deixam claro que a educação só será um problema quando não for prioridade.

Fonte: GZH

FOTO: Assessoria de Comunicação UPF

Autora: Bernadete Maria Dalmolin, doutora em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP) e reitora da Universidade de Passo Fundo (UPF) desde 2018. 

Edição: A. R

Bruno estava “infectado” pelo maniqueísmo

Seu pensamento infantil o fez generalizar: se não era considerado gente pelo pai, muito menos seria considerado gente pelos estranhos. Essa falsa crença foi assimilada como uma verdade incontestável, um dogma.

Um homem adulto jovem, vou chamá-lo de Bruno, evita conviver socialmente porque tem a certeza de que as pessoas não vão se interessar por ele, não vão “dar bola” para ele, vão ignorá-lo. Por que procurar encontros sociais, tentar fazer amigos, se ele já sabe que sofrerá essa horrível sensação de não ser considerado gente, de não existir?

Há essa crença arraigada dentro dele: é ela uma verdade incontestável, um dogma.

De onde vem essa crença?

Ocorre que seu pai era um homem distímico, ou seja, tinha uma depressão leve, crônica. Possuía ele uma família grande, seis filhos. Sua escassa energia era gasta fora de casa, no trabalho. Ao voltar para junto da família, não lhe sobravam forças para dar atenção aos filhos. No máximo, envolvia-se para reprimir o filho que estivesse a perturbar o ambiente.

Bruno era obediente, não incomodava. O pai, portanto, não sentia necessidade de se voltar para ele. E Bruno passou a evitá-lo. Pois, se o procurasse, acreditava que sofreria ao perceber o desinteresse do pai por ele.

Bruno não formulava esses pensamentos. Apenas tinha a sensação que, se colocada em palavras, refletiria a crença de “não ser considerado gente”. Essa sensação ruim voltava automaticamente na sua cabeça frente a qualquer pequena desatenção dos outros para com ele em um, como veremos mais adiante, salto para a conclusão.

Seu pensamento infantil o fez generalizar: se não era considerado gente pelo pai, muito menos seria considerado gente pelos estranhos. Essa falsa crença foi assimilada como uma verdade incontestável, um dogma. Nesse sentido, as pessoas não eram suas amigas, ao contrário. Tinha de evitá-las, elas o fariam sofrer. Não teriam, assim como o pai, empatia por ele.

Só muito mais tarde na vida, com a capacidade de pensar de forma madura, pôde compreender o que realmente aconteceu.

O pai não lhe dava atenção devido às suas próprias dificuldades, já referidas. E não havia por que reduzir a avaliação de si mesmo a esse fato. Até então, Bruno aproximara-se dos grupos sociais com a atenção autofocada. Preocupado consigo, não observava os demais e não exercitava a sua capacidade de empatia por eles. Ou seja, não fazia nada para conquistá-los.

Bruno, observando-se à luz da realidade, reconheceu suas qualidades e habilidades.

Com elas, seria capaz de despertar o reconhecimento e o interesse das outras pessoas por ele. Mas teria de repetir esse novo pensar. Repetir e repetir. E teria de agir e agir. Só assim conseguimos deixar para o passado o pensamento primitivo, infantil que costumamos chamar de maniqueísmo composto por: reducionismo, generalização, salto para a conclusão, dogma, ausência de autocrítica, ausência de empatia afetiva, tendência a acreditar que eu e os meus “somos bons”, os outros “são maus, são inimigos”.

Autor: Jorge Alberto Salton. Também escreveu e publicou no site a crônica: “A culpa não serve para nada”: https://www.neipies.com/a-culpa-nao-serve-para-nada/

Edição: A. R.

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