Redescobrindo a alegria de ensinar: os sons emitidos tem de ser percebidos

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Esse momento de pandemia
tem sido de sofrimento, nós precisamos
acolher tudo isso, mas não hospedar
dentro de nós.


Estamos vivendo momentos que a sala de aula sede espaço para novos sons que precisam ser percebidos, talvez, precisamos reinventar a nossa audição, ressignificar os sons que nos movem e direcionar nossos olhos para sentir novas paisagens na profissão de educar.

Essa minha fala, pertinente neste momento, procura trazer uma atmosfera carregada de sensibilidade e emoção do reinventar o sentido da vida educacional atual, para que de fato não se perca essa chama que a escola nos traz.

Participei de um Seminário virtual “REDESCOBRINDO A ALEGRIA DE SER DOCENTE EM TEMPOS DE PANDEMIA”, onde falei sobre o tema desta reflexão (minutos 38 a 60).

Reinvenção é a palavra e a atitude que todos nós, educadores, estamos vivendo. O verbo reinventar é fabuloso, pois esse verbo é bem forte para nós, enquanto sujeitos de um processo de renovação dolorido e ainda mais neste momento, que precisamos descobrir a alegria de ensinar em tempos remotos.

Alegria, nossa companheira na missão de Educar.  Alegria de perceber o brilho no olhar do nosso aluno.  Da Alegria de ver a nossa escola cheia. Alegria de ver o nosso aluno aprendendo.  Alegria de ver os nossos alunos sorrindo no pátio e conversando.

A nossa alegria, na verdade, sempre esteve o tempo todo em nossas vidas ao longo de nossa profissão, se não fosse por ela jamais estaríamos e resistiríamos a tantos impropérios que nos são apresentados. Porém, a alegria esmoreceu no início da pandemia, estávamos perdidos. Ela andou um pouco distante das nossas vidas, principalmente, porque não sabíamos o rumo do recomeço.

Neste processo de reinvenção começamos a mandar atividades “às escuras” para nossos alunos. Ficamos desolados porque não recebíamos o eco esperado, pairava o silêncio. Estou falando da minha experiência de educador há mais de 26 anos e que sou apaixonado por educar. Não ouvir o som de retorno, nos deixa muito desolados, inquietos, desesperados e tristes.

Trago, para exemplificar melhor minha fala, as sábias palavras de Rubem Alves: “Os olhos tem de ser educados para que nossa alegria aumente”.  Os olhos precisam ser direcionados em outros horizontes, para que nós não sejamos privados de ver a beleza, de ver o retorno.

Tivemos que buscar novos olhares, os olhos tiveram que ser educados para um novo recomeço, talvez dolorido, como faz a águia velha, que mesmo sentindo muita dor, vai até uma montanha, bem alta, e no mais triste silêncio e solidão, bate com o bico numa pedra até cair, para se renovar, parafraseando, o autor da famosa Lenda da Águia. Esta automutilação é necessária, para que nasçam novas penas, novo bico e novas unhas.

Estamos batendo com o bico, ele dói, estamos descobrindo a plataforma Classroom, que agora permite que a gente se aproxime, na distância. Reinventamos o jeito de dar aula, “o bico precisava cair para nascer um novo bico”. Essa renovação permitiu que a gente pudesse retomar a interação do aluno. Que a gente pudesse viver um pouco mais e ter uma alegria reinventada.  

Neste processo de automutilação dolorosa, diria que não só os nossos olhos precisam ser educados, mas os nossos ouvidos também porque nós enquanto professores, somos movidos pelo som, mas os sons que evocamos, e sentir a percepção até onde eles chegam, pois é isso que nos move a alma. Quando não percebemos os nossos sons, ficamos perdidos, não soubemos prosseguir.

Estou desenvolvendo na dissertação do Mestrado um estudo do Linguista Francês Émile Benveiste (1989, p.82) que estuda a linguagem, ele diz que para existir a efetivação da linguagem humana, necessita se estabelecer uma relação de um eu e um tu, caso contrário não há enunciação. Pois na linguagem os sons emitidos devem ser percebidos, ou seja, os sons emitidos eles têm de ser percebidos e para nós isso é essência da nossa profissão.  

Nós não sabemos fazer educação de outra forma. E todos passamos por alguns momentos tristes e a alegria deu espaço ao silêncio, pois enquanto educador gosto de ouvir o e perceber que o meu som é percebido, ouvir o som.

Portanto, essa é nossa vida real, essa nossa angústia de aprender e perceber novos sons. Mesmo na distância, separados pela tela, sentimos o feedback. Você precisa do que te alimenta, que é a percepção do teu som. Aprender ao ouvido a perceber outros ruídos, talvez daqueles que não tem acesso a uma internet de qualidade, que possibilita ouvir o eco do professor, o som da internet que cai. Daqueles que “perdem o fio da meada”.

Aprender a escutar novos sons. Essa semana tinha um aluno andando de bicicleta acompanhando a minha aula, o outro estava indo no mercado para vó, a outra estava tomando banho para ir trabalhar, ouvia-se o barulho do chuveiro, mas esses também são os sons do momento, sons que refletem esse descobrir dessa alegria e, dessa forma, nós vamos nos descobrindo enquanto educadores.

Com dor no “bico”, mas continuamos batendo, pois isso é necessário.  Em tempos difíceis, há sofrimento que nós não podemos evitar. Esse momento tem sido de sofrimento, nós precisamos acolher tudo isso, mas não hospedar dentro de nós. Isso faz parte da resiliência que é a capacidade que alguns seres humanos têm de se reinventar frente às dificuldades.

“Afinal, amor rima com flor e com professor. Francês só rima com freguês, do capitalismo e do consumismo utópico. Agora vou me perfumar para a minha primeira aula do dia. Bom dia a todos! Boas aulas!” (Rosângela Trajano) Veja mais aqui.

5 COMENTÁRIOS

  1. Serei literal enquanto foste poético. Temos muita enxaqueca mesmo, pois tivemos que ativar diferentes circuitos cerebrais para conseguirmos utilizar tanto nossa visão numa tela de computador, num celular. Nada se iguala ao contato físico, presença… poder explicar não só com a voz e o olhar, tudo em nós fala, explica, interage… Confesso que já pequei ao encontrar um aluninho e dar um grande abraço

    • Realmente temos que ser resilientes para superarmos isso e ainda acreditarmos no poeta quando diz: “Tudo, tudo vale a pena quando a alma não é pequena.
      Bravo, amigo Laércio!

  2. Amigo, que texto!
    É com dor no bico que te digo que não tem sido fácil, mas tens toda razão: prosseguir é preciso, e educar nossos ouvidos para que eles ouçam novos sons talvez seja a luz no fim do túnel! A dificuldade não é só minha, nem só tua, e de toda essas gentes que fazem parte do contexto ensinar/aprender. Dar as mãos certamente será a melhor forma de.prosseguir, sem desistir!

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