O resgate da educação como prática humana: desdobramentos das relações de “uberização no trabalho”

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Erguer a cabeça acima do rebanho é um risco que alguns insolentes correm. Mais fácil e costumeiro seria olhar para as gramíneas como a habitudinária manada. Mas alguns erguem a cabeça olham em torno e percebem de onde vem o lobo. O rebanho depende de um olhar”. (Afonso Romano de Sant’anna)

Este texto, formulado em virtude de minha participação no VIII Congresso dos Professores Municipais de Passo Fundo, organizado pelo CMP Sindicato de Passo Fundo, com a temática propositiva MAGISTÉRIO: uma carreira em extinção?, ocorrido em agosto de 2023, tem o propósito de apresentar uma reflexão prospectiva da educação como prática humana: desdobramentos das relações de uberização[1] no trabalho.

Parto das palavras principais trazidas pelo palestrante de um dos momentos do congresso, Psicanalista Dr. Francisco dos Santos Filho, cuja fala me impactou, permitindo escrever este texto.

Reconheço a complexidade desse tema: a densa (contra) argumentação, os inúmeros desdobramentos configuram ideias cujas consequências ainda não conseguimos mensurar com exatidão. Se assumi o risco de abordar esse assunto complexo, é porque considero peça fundamental para que possamos ampliar horizontes ainda não refletidos.

Pensar sobre como o sistema de desmonte educacional está sendo pensado, implica vislumbrar o futuro da carreira do magistério. “A crise da educação no Brasil não é uma crise; é projeto” (RIBEIRO, 2017)[2]. Menciono, Ribeiro, (2017) para ajudar na reflexão do que quero dizer.

Abordar esse aspecto – que refiro como entendimento de esfacelamento humanitário da educação. – não é uma novidade para nós que, constantemente, estamos sofrendo ataques intensamente no ofício de ser professor. No entanto, para muitos menos atentos à amplitude e gravidade de que este projeto atinge, ainda é visto apenas como “inovações necessárias” para a “evolução” da educação.

Feita essa contextualização, que situa o recorte da reflexão trazida pelo psicanalista, referenciado no início, passemos, então, a ponderação que nos ajuda entender a conjuntura da carreira do magistério. Reitero que essas linhas, que agora escrevo, dizem respeito a leitura que fiz, mediante a fala do Psicanalista Dr. Francisco no Congresso. Esclareço que, metodologicamente, optei por explorar algumas das ideias que me impactaram.

A educação como prática humanizadora

Se analisarmos a estrutura educacional atual, ela esbarra em dois níveis críticos: o limite da “uberização” das relações de trabalho imposta pelo modelo Neoliberal, que vende a ideia enganosa de que “sem patrão”, sem limite de horário, efetiva-se a liberdade.

Essa perversão passa a ser adotada pelos poderes que gestam a educação, como um modelo que melhorará os índices educacionais. Assim, se sobrecarrega o professor dando a ele a culpa por não dar conta de tamanha exigência perversa que, na verdade não se chega a lugar nenhum e precariza a educação, causando o sofrimento do profissional da educação. Frente a isso, a “solução” não vem porque neste sistema busca-se uma visão simplista da educação.

Segundo nível, segundo a fala do psicanalista, não há um adoecimento do professor, mas um sofrimento por ser ele que observa uma contradição entre a essência do ser professor e o que reflete a prática atual. Os pais exigem os limites que não dão em casa aos filhos e a as mantenedoras exigem trabalhos além da carga horária, num mundo burocrático que não ajuda em nada no chão da escola, com tudo isso, vem o sofrimento.

A “patologização” da vida vem com o embate travado pelos hábitos cultivados em casa frente o que a escola tenta resgatar. Por que esse embate é travado?  Em casa, a criança assiste TV até a hora que quer, come a hora que quer. Quando a criança vai à escola, o embate está travado porque escola é lugar, sim, de se se aprender o respeito coletivo e a professora não pode fazer as vontades deste ser. Assim, a escola destrói uma sequência do chamado “reizinho mandão”.

Acha-se que se pode resolver tudo com a medicalização. A ideia de que tudo na vida se pode resolver com medicamento é falsa. O limite se ensina a criança com um não e não com medicamento. A educação está no caminho oposto desta ideia é aí que começa o sofrimento social do psíquico.

Diante do exposto nos parágrafos anteriores, percebe-se que há uma perda da força simbólica do professor na sociedade. Há uma tendência, por parte dos governantes, de precarização e acúmulo de trabalho para impor um culpa de que a educação não dá resultado esperado por culpa de quem está à frente da escola. Pelo contrário do que se pensa, aquele que ensina indica o caminho no tesouro do conhecimento acumulado pela humanidade e, por isso, uma simples conta de matemática é um tesouro, porque um dia esse conhecimento não existi.

Do mesmo modo, o papel da educação é imprescindível para que tenhamos uma sociedade mais humanizada e não existe tecnologia capaz de substituir este processo, por mais que se criou uma falsa ideia de que o tesouro está ali e basta abrir o computador ou um telefone e o aluno aprende. Quem pensa assim, permeia a ignorância e abdica a relação humana no processo educacional.

O professor não entrega a informação, ele dá o significado. E essa dívida não se pode pagar com dinheiro, somente com honra, respeito e promoção de dignidade da profissão docente.

O Professor Francisco (2023) sugere alguns princípios a serem resgatados para que o professor mereça a digna valorização para que a carreira não seja extinta. O professor tem uma representação simbólica na sociedade e, isso, deve ser considerado.

Ele divide em três passos primordiais: a) – recuperar a dignidade do professor na formação humana como condição de trabalho. b) – restituir valor simbólico que cabe ao professor como política pública, não de governante (o papel do professor está na humanização, além do conteúdo); isso, não é da noite para o dia. c)  – restaurar o valor da escola – a educação está sendo invadida pelo Neoliberalismo (encarada como gasto e não investimento humano) – a educação é tida, como se com a tecnologia na educação é a salvação de tudo, tamanho engano.

A visão tem de mudar para que o professor assume um lugar simbólico; essa ideia de que o professor é animador de plateia precisa ser banida e combatida, pois contradiz a essência da educação e a finalidade da profissão docente.

Considerações finais

Ao ponto de partida “A educação como prática humana: desdobramentos das relações de uberização no trabalho”, almejei abordar sinais de que se tratarmos a educação desvinculada da humanização corremos o risco de “uberizar”. 

O pequeno percurso interpretativo aqui empreendido foi para demostrar que o valor simbólico do professor está associado às evidências de que a humanização e a socialização estão em primeiro lugar na escola. Muito mais do que minar tecnologia, é preciso dar a honra a figura simbólica do professor e não denegrir sua imagem com falácias e notícias falsas para, assim, justificar os ataques da sua moralidade e inclusive de sua digna carreira.

A educação tem como essência a prática humana e não é uma questão mercadológica. O Professor Dr. Francisco ajudou a entender isso.

REFERÊNCIAS:

  1. https://www.neipies.com/escola-pandemia-e-capacidade-de-pensar/
  2. https://www.neipies.com/magisterio-uma-carreira-em-extincao/

Fotos: CMP SINDICATO – João Lucas da Silva

Autor: Laércio Fernandes dos Santos

Edição: A. R.


[1] Termo trazido durante o congresso para denominar as relações de trabalho na contemporaneidade, pelo Psicanalista Dr. Francisco dos Santos Filho

[2] Leia mais em https://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-crise-da-educacao-no-brasil-nao-e-uma-crise-e-projeto/ RIBEIRO, Darcy, por cartacapital | 05.09.2017 14h53

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