Rio morto

1617

(Dedicado ao Rio Passo Fundo)

Marulhas

mas não enganas:

estás morto!

Rio de todas as águas,

profundidade comezinha

de quem atulhado

mal consegue ver o caminho,

através das águas turvas

nas curvas que faz.

Juntas todo o rebotalho

que o trabalho

– a faina inútil de todos os dias –

acumula e faz de ti lixeira.

Tuas pedras

se confundem com latas;

tuas margens incertas

têm capim

– até demais.

Sobre as quais

às vezes avança,

ponta de lança,

a alcançar quem o maltrata

o malbarata

com túneis, canais e desvios

enquanto o que há de bom nos rios

– peixes e água limpa –

ninguém consegue ver.

Pescar de tuas margens,

namorar molhando os pés,

lavar em ti a roupa

que de tão pouca

não consiga te poluir,

antes nos faça cheirar a natureza,

das profundezas de onde vens,

cantando desde as fontes

“habitando a distância de ermos montes

onde os momentos

são a Deus chegados.

E como criança avança

cidade adentro.

Vais de todos recebendo o que há de pior

– incurável desamor de quem até os filhos

sabe desamar.

Nos longes da cidade

por onde sais e te vejo passar

já não vais mais cantando

nem marulhando.

Vais embora a chorar.

(do poema Meu pensamento é um rio subterrâneo, de Fernando Pessoa)

Sobre as fotos: as imagens que ilustram esta poesia foram gentilmente cedidas pelo fotógrafo de nossa cidade, Diogo Zanatta. Foram captadas por suas lentes em setembro de 2011, revelando a situação dramática que o Rio Passo Fundo estava passando, sobretudo pelo acúmulo de toneladas de lixo nele depositados ao longo de seu percurso pela cidade. À época, esta triste realidade foi retratada por diferentes formas e meios de comunicação, através de reportagens, o que gerou grande comoção e engajamento para a retirada deste lixo acumulado. O Rio Passo Fundo, hoje, continua recebendo resíduos e esgoto em seu leito, gerando preocupações ambientais e sociais. Muito longe ainda de ser um rio que é bem tratado e conservado pela população passofundense.

Autor: Júlio Perez. Autor da poesia “Eu e os da minha geração”: https://www.neipies.com/eu-e-os-da-minha-geracao/

4 COMENTÁRIOS

  1. Belo poema Júlio! Meus parabéns por chamar a atenção sobre um tema tão recorrente e importante: a degradação de rios, córregos e nascentes nas cidades! A água, um bem tão precioso e vital, deveria receber atenção maior, não só do Poder Público, mas da sociedade com um todo!

  2. Como admirador do Júlio, não estranho a beleza e oportunidade da obra. Como velho amante da Poesia, fico feliz que ela esteja em tão boas mãos, inclusive em imagens.
    Alcy Cheuiche

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