Tempos de Utopias

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Utopia é um conceito complexo e cheio de significados que atravessa o campo do conhecimento das ciências sociais, da filosofia política, da literatura e também da educação.

Conforme ressalta o sociólogo Michael Löwy, utopias são ideias, representações e teorias que aspiram uma outra realidade, ainda não existente. Sendo assim, as utopias tem uma dimensão crítica e até de negação da ordem social existente, pois são subversivas, podem assumir uma função revolucionária e são imprescindíveis para esperançar os tempos de crise.

Na história renascentista, um dos autores ligados ao conceito de utopia foi o inglês Thomas More (1478-1535). Filho do juiz John More, foi político, filósofo, humanista, diplomata, membro do parlamento inglês e chanceler no reinado de Henrique VIII. Decidido a seguir os passos do pai, formou-se em Direito na Universidade de Oxford e ingressou na vida política. Apesar de seus deveres públicos, foi um escritor influente. Além da Obra Utopia escreveu diversas outras obras dentre elas História de Ricardo III, considerada a primeira obra-prima de historiografia inglesa.

Thomas More pode ser considerado o grande representante inglês do renascimento e foi profundamente influenciado pelo pensamento de Erasmo de Rotterdam. Pode-se dizer que toda a obra de More inseriu-se dentro dos quadros do pensamento renascentista, mais particularmente dentro das coordenadas do Humanismo. Os humanistas se dispunham a repensar os filósofos antigos, de maneira a integrá-los na concepção cristã da vida.

(Sugiro leitura de crônica escrita a partir de obra Elogio da Loucura, de Erasmo de Rotterdam (1469-1536)): https://www.neipies.com/as-loucuras-de-nosso-tempo/

Descontente com a estrutura econômica vigente na Inglaterra, More escreve a obra Utopia, nome de uma ilha fictícia, na qual é apresentada uma sociedade ideal, sem desemprego, fome, doenças, guerras e intolerância religiosa. No centro de cada quarteirão destas cidades da ilha encontram-se um mercado de coisas necessárias a subsistência, onde são depositados os diferentes produtos necessários para as famílias.

Cada pai de família busca nestes mercados tudo o que necessita para os seus e por isso na Utopia de More não há famintos, indigentes, criminosos.

Quanto a organização política, a Utopia regula-se por um regime democrático, com um sistema completo de eleição dos magistrados de forma a não permitir o abuso de autoridade. As leis são discutidas amplamente a fim de evitar que sejam injustas e possam dar privilégios a qualquer cidadão. As instituições têm por finalidade impedir, por todos os meios, a possibilidade de os governantes conspirarem contra a liberdade, oprimirem o povo com leis tirânicas ou mudar a forma de governo.

No que tange a questão religiosa, os habitantes de Utopia professam várias religiões, desde os mais primitivos cultos astrológicos, como a adoração do Sol, até a crença num Deus único, eterno, imenso, desconhecido, inexplicável, onipotente e onisciente.

Apesar dessa diversidade, os adeptos das diferentes crenças e seitas não entram em conflito, pois todos se respeitam mutuamente. O Estado, por sua vez, não impõe nenhum credo e assegura a tolerância religiosa.

Thomas More se indispôs com o rei Henrique VIII por não concordar com a separação da Inglaterra da Igreja Católica e por isso foi destituído do cargo de chanceler. E ao negar-se a assinar o Ato de Sucessão que declarava nulo o casamento do monarca, foi preso e posteriormente condenado à morte por decapitação.

Mais de quinhentos anos nos separam dos escritos de Thomas More.

Seu pensamento e suas ideias influenciaram as democracias contemporâneas e continuam inspirando as novas gerações. Talvez seja urgente e necessário revisitar seus escritos, principalmente para perceber que ainda estamos longe de vivenciar a Utopia que ele tão bem descreveu.

Em certo sentido, do ponto de vista político, religioso e econômico estamos distantes das formulações que inspirou Thomas More a escrever sua Utopia da Inglaterra do século de XVI. Talvez devemos aprender com seus escritos o básico para a construção de uma sociedade democrática, a vivência da tolerância religiosa, o respeito pela diversidade e a solidariedade como valor econômico fundamental para a promoção da dignidade humana.

Autor: Dr. Altair Alberto Fávero

altairfavero@gmail.com Professor e Pesquisador do Mestrado e Doutorado em Educação – UPF

1 COMENTÁRIO

  1. Vivemos em um mundo de santos e demônios tudo dentro de uma só pessoa, uma sociedade preocupada com o ter e não com o ser. É utópico tentar juntar as duas infelizmente é esse mundo que temos hoje 🤔🙏

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