A mulher do concerto

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Sabe, a arte é para ser sentida. E quando você troca o seu presente, por uma filmagem para ver, quem sabe, em um futuro, você perde o agora. Se for para ver um concerto por uma tela, você não precisa estar aqui, pode poupar gasolina e reduzir as emissões de dióxido de carbono, assistindo de casa!

Helena estava refletindo o quanto uma letra tem o poder de mudar o sentido de uma frase.

Por exemplo, se você é como eu, e não gravou ainda a diferença entre conserto e concerto, talvez a sua mente tenha viajado para uma oficina mecânica e teorizado a respeito do direito das mulheres serem o que elas quiserem ser, inclusive mecânicas!

Mas, se a sua onda não for tão feminista, ou se você é um indivíduo devidamente aportuguesado, presumo que já tenha associado a ideia do título com o que de fato pretenderia ser: a mulher do concerto, assim, com “c”, que representa aquele conjunto de gente tocando junto, guiados pelo cara que fica dançando de costas para nós!

Enfim, Helena foi a um desses concertos, de graça na catedral. Uma pausa para deixar um parabéns aos organizadores, porque sim, o mundo precisa de mais eventos como esses.

Legenda: Com a regência do maestro Evandro Matté, o concerto da Ospa Teatro São Pedro contou com a participação dos solistas Kauanny Klein e Sérgio Sisto neste útlimo dia 01/11/2023. Créditos: Mateus Leal / Agência RBS

Eles marcaram às 19h, meio cedo para a rotina de Helena e em função disso, ela chegou atrasada. Não, não era porque ela queria tomar banho antes de ir, na verdade ela foi sem tomar banho mesmo! Ultimamente, não dava tempo. Era uma correria dos diabos.

Chegando na catedral, Helena sentou onde tinha espaço (lá atrás, sem poder ver muita coisa). Até que ela foi um pouquinho para o lado, e entre muitas cabeças, Helena encontrou um vão que dava acesso direto as costas do maestro! Ótimo, já estava bom, até que…

A mulher sentada no banco da frente resolveu puxar o seu smartphone e gravar, cobrindo o ângulo de Helena.

Respira, pensou Helena. Ela não vai gravar tudo, é só uma recordação. Aquilo seguiu em alternâncias de baixar o celular e levantar o celular a cada música.

Moça, com licença – sussurrou Helena

Posso lhe fazer uma pergunta?

Com ar de surpresa e indignação, a mulher respondeu: sim!

Depois de gravar, você tem o hábito de rever as filmagens, ou deixa salva até o seu celular alegar que não tem mais memória, e então, exclui tudo?

Sem tempo para retorno, Helena já emendou. Sabe, a arte é para ser sentida. E quando você troca o seu presente, por uma filmagem para ver, quem sabe, em um futuro, você perde o agora. Se for para ver um concerto por uma tela, você não precisa estar aqui, pode poupar gasolina e reduzir as emissões de dióxido de carbono, assistindo de casa!

Depois daquilo, ficou aquele clima de peido no ar.

A mulher se voltou para o concerto, revoltada, e continuou gravando. Até que a reflexão pareceu ter sido processada pela sua consciência e ela foi deixando aos poucos àquele péssimo hábito. Três músicas sem levantar o celular. Vitória! A reflexão tinha surtido efeito.

Um pouco antes do concerto acabar, Helena resolveu levantar e sair de fininho. Vai que a mulher resolvesse querer consertar o estrago que o concerto causara nela no final!

Autora: Ana P. Scheffer, autora da crônica “Não está tudo bem”: https://www.neipies.com/nao-esta-tudo-bem/

Edição: A. R.

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