Sobre vivos e mortos

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Nenhum argumento justifica a violência,
pois ela inviabiliza qualquer possibilidade
de reavaliação dos rumos escolhidos.
A guerra me causa indignação.
A paz me apaixona.


Sou daqueles que acreditam que são as forças opostas que impulsionam a roda d’água do universo. Para mim, continuar vivo é manter verde a árvore do apaixonar-se e ter sempre uma brasa de indignação faiscando. Em outras palavras, cultivar o amor e a repulsa, para não usar a palavra ódio, forte demais para nosso imaginário.

Quem não se apaixona nem sente indignação está morto, ou é medíocre, que é uma forma de estar morto sem passar pelos ritos necessários. O medíocre, fingindo conformidade com o curso das coisas, engana a si mesmo e aos outros. É fácil descobri-lo. É aquela pessoa que, mesmo ante a guerra, proclama o inconsistente mote “faz parte”. Como se fôssemos condenados a um destino inexorável, ditado por algum exótico poder a-histórico.

Além do medíocre, existe também outro tipo de morto-vivo. Chamarei de alienado. É aquele que, embora tenha paixão e indignação, é por causa ou personagem alheios, tomados como seus por falta de coragem, ou para comungar da aparente grandeza dos arautos. O tipo alienado sustenta seu discurso no discurso dos outros.

“Você viu o que o fulano falou?”; “A Revista X defende…”; “A moça do telejornal anunciou…”. Como se o nome de alguém ou de algo, por si só, avalizasse verdades absolutas para todos os cérebros.

Pergunte a alguém sua opinião sobre a violência. Será muito fácil distinguir as pessoas vivas. Há muitas por aí apaixonadas e outras tantas indignadas. Há, também, as medíocres, embora em menor número. A violência é uma situação-limite. Nela, o amor e a indignação podem ser admirados na transparência de suas contraditórias forças. 

Na guerra, a vida é a juíza da história, pois fundadora de todas as escolhas, condição sine qua non para todo argumento. Sob seu olhar, como quando ingerimos um líquido contrastivo para radiografias viscerais, podemos enxergar as pessoas de grandes causas e diferenciá-las das medíocres e das alienadas. 

Nenhum argumento justifica a violência, pois ela inviabiliza qualquer possibilidade de reavaliação dos rumos escolhidos. A guerra me causa indignação. A paz me apaixona.

Não digam que fiz uma opção por algum povo, por alguma personagem ou por um sistema político-econômico.

Minha declaração também não é mostra de altruísmo nem de grandeza de espírito. Sou é muito egoísta. Só estou defendendo aqui minha vida, com ideias, unhas e dentes, sendo “unhas e dentes” apenas força de expressão.

Quero amanhã de manhã, e nas manhãs que se seguirem, poder estar vivo para apaixonar-me pelas estrelas e indignar-me com as péssimas músicas que fazem sucesso, coisas triviais. Como sei que vou morrer de qualquer jeito, pretendo que seja por causa natural. Causa natural eu chamo aquela que nos incendeia em profunda indignação, contra a qual não há nada a ser feito pelos seres humanos. O que não é, absolutamente, o caso da violência, ou da guerra, sua forma mais infame.

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