Renascer das cinzas

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A tristeza tem cheiro de cinza, mas é possível reiniciar um novo momento de vida. Recomeçar o fogo que há dentro do nosso coração e reavivar a alma com o impulso de pessoas que amamos, convivemos e nos querem bem.

A combustão da queima da madeira, usada para muitos fins que se resulta a energia, para aquecer, para gerar movimento, para obter o calor, para cozinhar. Sem esse processo, não há produto.

Nesse processo de produção energética o principal fator é o fogo. É ele que permite a realização do processo. Disso tudo, sobra a cinza. A cinza não é fogo. Ela é passado. A cinza não dá energia, não aquece, não ilumina, tampouco move.

O fogo é movido pelo oxigênio que permite a combustão, já a cinza é um concentrado de gás carbônico, produto morto. Nela não há vida, a morte supera a vida.

Metaforizando o dito, percebemos que, quando encontramos cinza em nossas vidas, ela atrapalha, pois atinge o psicológico. O ser humano começa a morrer.

A pandemia levou muita gente às cinzas. Por quê? Porque a pressão psicológica, o medo de se contaminar, o encarceramento humano, a privação da sociabilidade, a limitação do trabalho foram apagando o fogo que existe em nós e necessita diariamente ser alimentado.

Eu mesmo passei por uma situação cinzenta que, em meus anos de vida, nunca tinha experimentado. Sempre fui muito resolvido naquilo que sonhava, acreditava e persisti até conseguir. Porém, experimentar o gosto da cinza me deixou pensativo em várias questões, nunca antes pensadas. O que fiz de minha vida? As escolhas que fiz foram as melhores? Não tive filhos. Quem irá me cuidar? Quem sou eu? Muitas pessoas próximas me diziam: – Mas você é muito querido e admirado por todos. Mas o que isso me importa?

A cinza não é o que aquece. A cinza é apenas o que sobra do fogo. Não serve pra nada. Tem gosto de morte. A vida fica com um tom cinzento. Nada motiva.

A frase de Camões perde o sentido: “amor é fogo que arde sem se ver”. Não existe amor, muito menos, motivo e alegria. Não nos reconhecemos mais.

É preciso ressurgir das cinzas. O que nos faz ressurgir? Na verdade não existe renascer, ressurgir das cinzas. Cinzas são cinzas, amontoado de carbono. Resíduo de vida. Delas não saem mais nada. Precisamos iniciar novamente o fogo. Colocar lenha, encontrar motivo no oxigênio a respirar.

No meu caso, as pessoas próximas ofereceram combustão e eu, como apaixonado que sou pelo trabalho de mestre educativo, aos poucos fui ressurgindo nesse início de ano letivo, mesmo remoto, a partir de indícios da convivência com os alunos, com os jovens nos permitem iniciar um novo fogo, novas motivações.

Nesta semana, trabalhando com linguagem, muitos alunos me deram motivos para considerar que a vida pode ser bela, sempre, e que são as pessoas que nos ajudam no recomeçar.

Em especial, gostaria de compartilhar com vocês uma reflexão de um aluno, com ênfase na figuração linguística. Ele me alegrou. Uma bela reflexão sobre tristeza, porque a cinza pode ser associada a tristeza em nossa vida, no momento em que ela permeia a maior parte dos dias.

João Lucas Asman de Carvalho, trouxe uma reflexão de um poeta. E ele ainda estava preocupado se o poema estava a altura do solicitado. “Olá professor. Ao invés de usar a temática do amor, usei a temática da tristeza. Tentei usar a maior quantidade possível de figuras de linguagem. Professor, o senhor pode de algum jeito confirmar a veracidade do meu poema? Eu queria que o senhor tivesse certeza de que eu o escrevi”.

 Tristeza
  
 Tristeza é algo passageiro?
 Sim, mas pode não ser.
 Ela pode ser como uma doença
 que nos consome, sem que possamos perceber.
 Seria possível morrer de chorar?
 Talvez algo assim possa existir
 Por que as pessoas não morreriam de tristeza
 Se as pessoas podem “morrer de rir”?
 A tristeza nos faz descer ainda mais para baixo?
 Possivelmente, mas isso é uma incógnita
 Mas chega de fazer perguntas
 Pois sobre a tristeza também tenho respostas.
 Por tristeza eu mataria
 Apenas para preencher um vazio
 Por tristeza eu levaria a você
 O mais gélido frio.
 Assim como a escuridão
 A tristeza me deixa cego
 e nesse momento me pergunto:
 Como farei o certo se tudo parece incerto?
 Em meio a tantos questionamentos
 Tristeza e alegria andam lado a lado
 Uma hora me levanto em alegria
 Na outra me abaixo desolado.
 Talvez seja inútil tentar compreender
 Esses sentimentos, a felicidade e a dor
 Mas penso, sou humano
 e contra isso não posso me opor.
 O que é a tristeza?
 é melhor apenas sentir
 Chorar quando quiser chorar
 e rir quando quiser rir.
 Pois, ser humano é isso, não é?
 rir, chorar, morrer
 no fim é bem simples
 A nós, cabe apenas viver. 

Podemos perceber que a tristeza tem cheiro de cinza, mas é possível reiniciar um novo momento de vida. Recomeçar o fogo que há dentro do nosso coração e reavivar a alma com o impulso de pessoas que amamos, convivemos e nos querem bem. Renascer das cinzas não é possível, mas é possível iniciar um novo fogo, um novo motivo, um novo momento de vida.

Leia também um das reflexões mais acessadas em minha coluna no site: “Um dia me disseram que as nuvens não eram de algodão…” Quando vi médicos que tem a profissão neste mundo para cuidar da saúde dos outros seres humanos. Perguntava-me: Como estão com o cigarro na mão? Que ensinamento pelo exemplo pode dar? Porque não venham me dizer que o exemplo não educa, educa sim. Mais do que as palavras”.

Autor: Laércio Fernandes dos Santos

Edição:Alex Rosset

4 COMENTÁRIOS

  1. Que crônica, Laércio! Escrita a base de emoção vinda do fundo do coração. Vou abrir um parênteses (Filhos são teus sobrinhos, os quais ajuda a criar como se fosse mais que um pai..)

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