Por que (não) contar histórias!?

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As bibliotecas, antes de serem estas infinitas estantes, com as vozes presas dentro dos livros, foram vivas e humanas, rumorosas, com gestos, canções e danças entremeadas às narrativas (Cecília Meireles).

Nesse breve texto, vamos nos concentrar aos que se dedicam a contar histórias, à viva voz, a uma pessoa e/ou a um grupo, buscando estimular a fantasia criativa, a emoção e o conhecimento. A partir dos livros, os contadores e as contadeiras de histórias dão vida sonora aos textos narrativos e poéticos, introduzindo, de forma sutil, os ouvintes ao maravilhoso mundo da leitura.

A arte de contar histórias é uma das mais antigas, assim como a dança e a música. Os primeiros cenários lembram as civilizações que viviam nas cavernas. Era comum crianças, jovens, adultos e idosos participarem de rituais noturnos em torno de fogueiras, onde todos ouviam histórias contadas por sábios e comunicativos feiticeiros da palavra falada.

Os dramas narrados possuíam geralmente a marca do mítico, tendo-se em vista que buscavam dar sentido aos mistérios insondáveis da natureza, como a criação do universo e dos humanos, o casamento entre o céu e a terra, o surgimento do dia e da noite, o aparecimento e o desaparecimento do sol e da lua, dentre tantos outros enigmas até então. Esses antigos contadores de histórias, chamados Aedos, arrastavam multidões, pois elas tinham suas expectativas atendidas, dando sentido à vida que levavam. Pelo menos havia uma explicação razoável ao mundo das trevas daqueles tempos.

No entanto, o tempo agora é outro. Temos aviões a jato, foguetes interplanetários, computadores, celulares, NET, Internet, IA, dentre outros recursos tecnológicos. Mesmo assim, as histórias narradas e os poemas recitados pelos Aedos modernos ainda continuam encantando crianças, jovens e adultos e idosos, quer no berço das famílias, nas escolas, nas enfermarias dos hospitais, nas Academias de Letras, nos clubes de serviços, nas fábricas, dentre tantos outros espaços culturais.

Na verdade, tais cenários de encantamento constituem as portas de entradas ao maravilhoso mundo das fábulas, das histórias de quadrinhos, dos contos, das crônicas, das lendas e poemas, das parlendas e dos trava-línguas. Nesta perspectiva, os Aedos modernos comunicam, de forma prazerosa, três fontes de histórias: as vivenciadas, as ouvidas e as lidas a partir dos textos literários.

Para a Profa. Eliana Nunes, as histórias chamam outras histórias e nos marcam existencialmente:

As histórias, as de ficção mais que outras, quando passam de boca aos ouvidos, vão deixando em nós o gosto por mais histórias. Histórias dos homens, histórias da vida e história do mundo. Por isso, há milênios de anos, quando não havia a escrita impressa e os códigos alfabéticos estavam nas mãos de poucos, a experiência e a reflexão ganharam caminhos nas vozes dos contadores de histórias. Foi assim que não perdemos a memória e, até hoje, o que entra pelo coração não se perde mais. (São Paulo: Scipione, 2000, p.47.)

Crianças, jovens, adultos e idosos, quando ouvem histórias, tendem a se introduzir no enredo, incorporando a figura do herói, do vilão, da princesa, da fada e da bruxa feiticeira, dentre outros. Assim, usando a imaginação, os Aedos tornam-se agentes da ação e passam a interpretar mentalmente o que ouvem.

Nessa ótica, cada história narrada passa a oferecer a possibilidade de trocas de vivências e saberes de forma lúdica, transformando num jogo que, no fundo, constitui aprendizado, visto que a arte de contar histórias leva os ouvintes a encararem seus erros, a lidarem com a experiência antecipada da traição, do amor, dos sofrimentos e das realizações. Por isso é que se diz: – o Então viveram felizes para sempre!

Para BETTELHEIM, na tradicional obra A Psicanálise do Conto de Fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980, p. 191, revela:

Os contos de fada constituem experiências antecipadas dos fatos da vida real, cujos sujeitos leitores/ouvintes aprendem bem, com segurança e auto-respeito.

Além de resgatar a memória e estimular o imaginário, a contação de histórias exige poucos recursos materiais para sua aplicação: leitura literária, indo-se às fontes, voz, boa memória, domínios faciais e corporais.

Há que se reconhecer também que as ações de contar histórias, quer memorizadas, quer lidas, estimulam o senso de humanização entre o narrador, os receptores e o universo labiríntico dos textos literários. No entanto, não se pode minimizar a força dos modernos meios de comunicação de como suportes importantes no processo de transmissão de prazer, emoção e sabedoria.

A exemplo da princesa e contadeira de histórias Sherazade, das Mil e Uma Noites, que se salvou da fúria assassina do Rei Sharyar por contar histórias a ponto dele ficar tão encantado com a moça e não matar mais ninguém, os pais, professores e animadores também podem salvar-se e salvar seus interlocutores, contando histórias que os conduzam ao bom caminho da leitura, do discernimento e da sabedoria.

Assim, haverá um encantamento recíproco a favor da comunicação humanitária. Ademais, os novos e atualizados Aedos, ao contarem histórias e recitarem poemas, continuarão encantando multidões com frases mágicas do tipo “Abre-te, Sésamo”! E a porta se abre. E a bruxa continuará a recitar abracadices do tipo “Abracadua no meio da lua, transforma a bruxa numa perua”! Contarão a história do Reizinho Mandão e do Pirilampo, “aquele que entrou por uma porta, saiu pela outra, quem quiser que conte outra”.

Então, senhores e senhores e estimável público! Por que (não) contar histórias e recitar poemas se foram escritas para serem ditas, benditas e repetidas mil e uma vezes com absoluto encantamento?

– Conta outra vez, pedem crianças, jovens e idosos.

A seguir, algumas dicas para ser um bom contador ou boa contadeira de histórias:

1- O ato de contar histórias pressupõe amor a quem se conta;

2- o contador e/ou contadeira de histórias e poemas é antes de tudo um(a) leitor;

3- para memorizar uma história, ou um poema, é necessário que passem pelo caminho dos olhos e ouvidos para guardá-las na porta do coração;

4- selecionar as histórias do seu gosto, acreditando agradar também os ouvintes;

5- isolado(a) da agitação das pessoas, repetir as histórias e os poemas muitas vezes, falando ao espelho e às paredes;

6- durante os ensaios convidar alguém para ouvir e avaliar seu desempenho;

7- quando contar a história, ou recitar um poema, buscar o máximo de naturalidade, tal como se estivesse contando um caso que aconteceu de verdade;

8- ao contar uma história, dar entonação à voz de acordo com o clima da narrativa: se for alegre, tonalidade alegre; se for triste, tonalidade tristonha; se for suspense, faça suspense;

9- olhar sempre para os olhos dos ouvintes. Assim, a história sairá dos lábios e entrará pelos olhos, ouvidos e pele, buscando sempre concentrar os ouvintes interessados no tempo da contação ou recitação;

10- como panelas velhas, quanto mais contarmos histórias e recitarmos poemas, mais melhoradas ficarão.

Era uma vez… Naquele tempo…

Autor: Eládio V. Weschenfelder. Também publicou crônica Lenda São Sepé Tiaraju: https://www.neipies.com/lenda-de-sao-sepe-tiaraju/

Edição: A. R.

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