O C a s c ã o   d e   A l h o

773

Morre, aos 95 anos, o homem mais sujo do mundo. Acreditava que a limpeza era a causa fundamental das doenças. Por isso, não tomou banho durante 75 anos.

A notícia acima pode não ser verdadeira, mas serve de pretexto para contar outra história similar e verídica, tanto que a vi com meus próprios quatro olhos. Conto tudo o que vi e ouvi dos vizinhos, que preferem o silêncio. O que não ouvi, inventei para ajudar a Literatura. Assim, movido pelo impulso de não me calar diante de criaturas tão singulares, encorajo-me a contar quase tudo o que cheirei, vi, ouvi e imaginei. Assim contribuo com Shakespeare para revelar que há mais coisas entre o céu e a terra do eu sonha nossa limitada filosofia.  

Tudo começou com a terrível guerra da fragmentação da grande Iugoslávia em seis pequenos países: Bósnia, Croácia, Macedônia, Eslovênia, Sérvia e Montenegro. Na ocasião, o Presidente russo Mikhail Gorbachev (1985- 1991) instituiu a famosa Perestroika, que significava reestruturação econômica.  

Além da ideia, ele tinha um mapa (mancha) na parte frontal da cabeça calva. Assim, como quase tudo tem um fim, a União Soviética começou a se desmanchar pelas beiradas. Foi daí que alguns voos chegaram à mãe gentil, que abriu as portas para acolher milhares de famílias de boa qualidade técnica.

Elásticus Nu Alius, que era um membro do exército sérvio, veio ao Brasil para se livrar das bombas lançadas pelos aviões da OTAN. Poderia morrer, pois era um espião a serviço do poderoso exército soviético.  Vendeu tudo o que tinha e pousou discretamente onde conterrâneos já tinham abertas algumas fronteiras profissionais.

Mais tarde, rumando mais ao Sul do Brasil, foi acolhido em uma grande empresa de eletrificação rural, onde ainda presta serviço de manutenção. E assim, como terceirizado, acredite quem quiser, aqui cravou o pé até quando der. Como uma discreta coruja, só trabalha à noite, nos finais de semana e nos feriados, preferindo andar pelas veredas escuras, enquanto a maioria da população dorme.  

Vindo de uma região muito fria, sempre gostou da Wodka feita com ameixas. Quando ébrio, na presença de certas pessoas, abre o lero, para defender fervorosamente a tese de que os humanos provêm da terra e da água. Depois de um certo tempo, a elas retornarão devagarinho, quer queiram ou não. Mas sempre carregadas de impurezas grandes ou pequenas.

Crê que a sujeira e a limpeza são muito relativas e que as causas de muitas doenças residem no fato do excesso de limpeza. Se viemos do lodo, lodo devemos carregar, não nos sujeitando aos enganosos produtos químicos que contaminam corpos, rios e mares. Sabão, sabonete, xampu, cremes, perfumes contêm elementos prejudiciais à saúde. Por isso as alergias e as endemias.       

Assim, há mais de duas décadas, prefere banhos de chuva, fontes naturais e cachoeiras, quer seja verão ou inverno para tornar o corpo resistente. Gosta dos extremos, tanto que no verão usa casacos grossos; no inverno, bermudas, camisetas para desafiar o corpo, tornando-se resistente a quaisquer oscilações climáticas.

– É, pois é! Suspiram alguns admiradores de Elásticus Nu Alius.

Somado à coerência de seus princípios e atitudes, usa um emplastro que o protege de todos os males do corpo e da alma. Alho in natura e em cápsulas. In natura, tipo dentes de alho nos bolsos, bolsinhos e no porta-luvas. Em cápsulas, nas viagens, fugindo do controle sanitário. Confessa que jamais ficou doente e que nunca se vacinou contra Covid, Dengue, Malária, Chikungunya e outras males.

Dependendo das pessoas com que se depara e prega seus princípios, recebe severas críticas, com exceção de poucos e raros simpatizantes que perderam o faro por força da Covid. Sempre que pode, indica a leitura do livro As Academias dos Sábios de Sião, que trata sobre a Teoria da Conspiração. Nega que é um livro Fake. Mas que existe, existe. Sugere consultar o Dr. Google para obter algumas informações adicionais.    

Gaba-se por estar livre dos mosquitos, abelhas, carrapatos, pulgas, moscas, vermes, vírus e bactérias. Não higieniza a casa, não lava o carro e não usa quaisquer produtos de higiene e limpeza. Para não viciar o corpo com vários tipos de alimento, consome apenas um por semana, tipo só melancia, só peixe cru, só sopão de verduras. E assim vai.  Aos sem-leitura, recomenda Os Miseráveis, Macunaíma, O Tatu, Dom Quixote, Urupês e Memórias Póstumas de Brás Cubas. Adora o antigo personagem Cascão, da Turma da Mônica. No entanto, não fala do seu cheiro.

Elásticus Nu Alius já programou como e onde dará fim a sua vida regular para entrar conscientemente noutra sem sair do planeta Terra. Poupa-se de uma longa viagem ao céu ou ao inferno. Não será incinerado, nem enterrado na terra e nem jogado nas águas. Quando sentir que deverá decidir onde ficará seu cascão de alho, irá até os confins da Sibéria. Lá cavará sua sepultura no gelo, bebendo Vodka até atingir um profundo e longo sono. Não haverá choro, dores e nem ranger de dentes. Os vermes não o consumirão, podendo, no futuro, ser encontrado por cientistas e, quem sabe, recomeçar uma vida nova.

Então será o herói de um novo tempo, pois no antigo foi incompreendido. Será um Deus, pois terá superado a morte, um problema insolúvel até então. Usará a Inteligência Artificial para criar um emplastro à base de alho para livrar a humanidade do problema da melancolia. Se Brás Cubas não chegou a finalizar o plano, Elásticus Nu Alius terá resolvido dois grandes problemas dos terráqueos: a morte e a tristeza. Por onde passará, será louvado.

– Elásticus: Nosso Rei Nu Alius!

Autor: Eládio V. Weschenfelder. Também publicou no site a crônica “Por que (não) contar histórias: https://www.neipies.com/por-que-nao-contar-historias/

Edição: A. R.

DEIXE UMA RESPOSTA