O poder silencia, cria um clima de
uns contra os outros e materializa
um maniqueísmo autofágico tão
nosso conhecido em nosso país.

 

Está todo mundo cansado de ouvir falar em elites pejorativamente chamadas de “zelites”, pelos que consideram cansativas as generalizações que analistas e alguns políticos repetem sem parar. Mas, quem se aprofunda e vive a atuação do verdadeiro poder no mundo tem autoridade para falar sobre o assunto.

É o caso de Robert Reich, economista e ex-ministro do trabalho do governo Clinton nos Estados Unidos. Ele escreveu um livro intitulado Salvando o Capitalismo, que foi motivo para um documentário com o mesmo nome disponível no Netflix.

Trailer oficial documentário Netflix.

Senti uma luz acendendo-se na minha tão limitada compreensão, do que sejam as verdadeiras elites que regem os meandros da política e da concentração brutal de renda, em países como o nosso.

Recomendo para quem abomina as pessoas que denunciam a prática mais comum do que se pensa a assistir ao documentário, capaz de tornar-nos críticos revoltados e conscientes do que acontece de verdade dentro das bolhas do poder.

Ele não fala dos ricos como você, que tem uma empresa, uma fazenda, uma boa aposentadoria, um cargo importante, dinheiro guardado, mas dos bancos, das multinacionais, da concentração de riquezas por pouquíssimas pessoas, que engordam seu poder cada diz mais.

Ele fala também de lobistas poderosos capazes de influenciar os parlamentos, onde se joga com a vida ou morte de países, cujo povo ignora as manobras macabras, que empobrecem, retiram direitos, matam em filas de hospitais, deixam a cidadania inerte e ignorante do que realmente acontece.

Há uma cena comovente onde o autor do livro conversa com jovens supostamente desesperançados, mas que revelaram ter vontade de mudar as coisas e crentes de que alguma coisa seja capaz de dar-lhes voz.

Na conversa Robert Reich diz que tem a sensação de não ter feito tudo o que podia enquanto ministro do trabalho, mas que, por vezes, ele pensa ter feito o que era possível.

Concluíram que o poder silencia, cria um clima de uns contra os outros e materializa um maniqueísmo autofágico tão nosso conhecido. Segundo ele o que acontece nessa equação é a exacerbação de dualismos do tipo “democratas x republicanos”, “esquerda x direita”, e, no nosso caso, “coxinhas e mortadelas”, numa clara degradação das relações entre as pessoas. A máquina que alimenta a concentração de renda é um plano urdido nos bastidores e é inalcançável em uma sociedade dividida.

Para arrematar, Reich conclui o óbvio. Temos que unir forças, reconhecer o que é o inimigo e, se for necessário, causar tumulto. Nós aqui no Brasil causamos tumulto, mas sempre dois tumultos.

Chegamos ao absurdo de construir muros para separar as “torcidas”, ignorando que não somos dois povos, mas um só. No calor dos tumultos tupiniquins não somos o povo de que a constituição fala, não emanamos o poder, mas comportamo-nos como duas torcidas de futebol.

 

Sociólogo Jessé Souza: classe média pensa que é elite.

Quando compreendermos tudo isso, não limitaremos nosso poder ao voto, mas cobraremos incansavelmente do vereador em quem votamos, do deputado estadual, federal, senador, o comportamento ético que esperamos dele. Deixaremos seus telefones ocupados, suas caixas de email lotadas, seremos presença em audiências públicas, em sessões de câmaras pelo Brasil afora e tomaremos o poder em nossas mãos.

Cobrar das pessoas que elegemos é nossa obrigação. É o futuro dos nossos filhos e netos que está em jogo.

Da próxima vez que falarmos em “zelites”, voltemos ao livro ou ao documentário, para lembrarmos onde realmente as elites estão e qual é o verdadeiro nome da nossa desgraça.

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