Por onde passa o futuro das Cidades Educadoras?

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Dedicamos esta crônica a educadores brasileiros como Darcy Ribeiro e Paulo Freire. Dedicamos também esta crônica à estudiosa Jaqueline Moll e ao professor Márcio Taschetto, que não medem esforços para disseminar as ideias das Cidades Educadoras no RS e no Brasil.

Participamos da Abertura do Evento Encontro das Cidades Educadoras região Norte do RS neste último dia 19 de maio de 2022, na cidade de Marau, RS. Foi uma noite de muitas aprendizagens e de muitas trocas entre os participantes e os Convidados.

Esta crônica pretende sistematizar algumas ideias apresentadas no evento, cuja intenção é de colaborar nas discussões e na apropriação dos conceitos de cidades educadoras, seja de professores ou professoras, seja da comunidade em geral.

Chama-nos atenção que Cidades Educadoras fazem parte de um movimento, de uma metodologia, de um horizonte de concepção de uma boa cidade: participativa, solidária, inclusivas, democrática.Como uma cidade pode dar errado se ela tem tantos talentos, tantas possibilidades de vivenciar a cidadania, tantas pessoas querendo ajudar para que ela se torne um bom lugar para se viver?

A cidade que se pretende Educadora deveria responder a questão: Por que queremos ser Cidade Educadora? Antes de ser slogan ou prêmio, é um compromisso que envolve toda a comunidade, que participa das proposições e das realizações que se farão na cidade.

Para que uma Cidade Educadora se concretize precisa de 04 aspectos:

*decisão da gestão;

* políticas públicas;

* continuidade dos processos e

* pessoas comprometidas.

Valendo-se de suas experiências e vivências em diversos processos e territórios (inclusive em solo africano), o professor Alexsandro dos Santos Machado, convidado especial do Evento em Marau, RS, está coordenando a retomada dos processos da cidade de Porto Alegre como Cidade Educadora e pontuou a importância do pertencimento e do reconhecimento dos talentos como parte fundamental.

Citando Marcel Mauss em Ensaio sobre a dádiva, reflete sobre o dom, sobra a graça. A partir do DAR, do RECEBER e do RETRIBUIR, ocorre o reconhecimento dos dons de cada um. A partilha de saberes oportuniza da gente se dar, se dar no dom: receber e retribuir. Observa-se a necessidade de potencializar territórios e favorecer o pertencimento,sobretudo das crianças e dos mais velhos.

Que cidades criamos onde esquecemos as origens e as conexões com os territórios, com os lugares onde vivemos e habitamos? Sem reconhecer as pessoas, as suas histórias, os seus desejos, não vale a pena.

Como as Cidades Educadoras trabalham com as contradições e com as diferenças de pensamento?

Pelo observado e apontado nas falas do evento, “um dos desafios da Cidade Educadora é promover o equilíbrio e a harmonia entre a identidade e a diversidade, tendo em conta os diversos contributos das comunidades que a constituem e o direito de todas as pessoas que nela vivem a sentirem-se reconhecidas pela sua identidade cultural própria. Para tal, é imperativo lutar contra o racismo e todas as formas de exclusão. O desafio atual é reconhecer o direito às singularidades sem colocar em risco a construção do que é comum. As Cidades Educadoras sentem-se portadoras do ideal de inclusão, acolhendo cada pessoa como ela é e convidando-a a participar num projeto comum de cidade”. (fragmento Carta das Cidades Educadoras)

Neste sentido, a pedagogia do diálogo fará aumentar as potências, a tração para novas perspectivas e soluções das cidades. É necessário conviver com o outro e não destituí-lo de seu legítimo espaço e lugar de fala.

A potência de uma cidade educadora está no fato de valorizar todas as pessoas, quando as mesmas ressignificam as suas vivências e histórias, quando são acolhidas em seu trabalho e suas habilidades e talentos, quando o poder público realiza diálogos com seus entes e articula políticas públicas a partir da percepção e da necessidade das pessoas. Uma cidade educadora não pode ser um conjunto esporádico de empregos, mas quando se transforma numa política de estado, com perspectivas de continuidade nas ações.

Cidade educadora não assume somente protagonismo disfarçados de cidadania como “Ação Global”, mas reconhece os diferentes protagonismos dos sujeitos da cidade, promove permanentemente eventos e oportunidades de cidadania e vivência de direitos. Todo espaço da cidade é um espaço educador.

Cidades Educadoras sob a ótica dos professores e professoras

Como afirma o provérbio africano, “é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”. Os professores e professoras darão sua contribuição para que suas cidades sejam verdadeiramente Educadoras, mas precisam do reconhecimento com aquilo que os conecta, que os envolve no trabalho pedagógico dentro das salas de aula e nas comunidades em que nossas escolas estão inseridas.

Como Cidade Educadora não é, de longe, uma ação específica da Secretaria Municipal de Educação, os professores/as e as suas escolas, a partir das respectivas comunidades escolares, podem fazer importantes ligações e interfaces com as demandas e as necessidades das comunidades locais. A escola pode se tornar um centro irradiador de estudos, de articulações e de realização de atividades que reúnam os diferentes sujeitos sociais das comunidades.

Os professores e professoras de uma Cidade Educadora precisam ser valorizados, reconhecidos e convidamos para serem também os protagonistas da mudança das realidades, a partir dos territórios que circundam as comunidades escolares.

Os princípios da Carta das Cidades Educadoras

Consultamos a Carta das Cidades Educadoras e destacamos, para conhecimento de todos que:

“Na Cidade Educadora, a educação transcende as paredes da escola para impregnar toda a cidade. Uma educação para a cidadania, na qual todas as administrações assumem a sua responsabilidade na educação e na transformação da cidade num espaço de respeito pela vida e pela diversidade.

A Cidade Educadora vive um processo permanente que tem como finalidade a construção da comunidade e de uma cidadania livre, responsável e solidária, capaz de conviver na diferença, de solucionar pacificamente os seus conflitos e de trabalhar “pelo bem comum”. Uma cidadania consciente dos desafios que a humanidade enfrenta atualmente, com conhecimentos e competências que lhes permitam tornar-se corresponsáveis pela procura de soluções exigidas pelo momento histórico que vivemos”. (Preâmbulo da Carta das Cidades Educadoras)

São princípios de uma cidade Educadora:

O DIREITO À CIDADE EDUCADORA

 Educação inclusiva ao longo da vida Política educativa ampla;

Diversidade e não discriminação;

Acesso à cultura Diálogo intergeracional.

O COMPROMISSO DA CIDADE

Conhecimento do território;

Acesso à informação;

Governança e participação dos cidadãos;

Acompanhamento e melhoria contínua;

Identidade da cidade;

Espaço público habitável;

Adequação dos equipamentos e serviços municipais;

Sustentabilidade.

O SERVIÇO INTEGRAL DAS PESSOAS

Promoção da saúde;

Formação de agentes educativos;

Orientação e inserção laboral inclusiva Inclusão e coesão social;

Corresponsabilidade contra as desigualdades;

Promoção do associativismo e do voluntariado;

Educação para uma cidadania democrática e global.

Como podemos observar, os princípios da Carta que são assinados e assumidos pelas cidades educadoras apontam para uma exigência cada vez maior de cidadania e de reconhecimento dos direitos de todos os cidadãos e cidadãs da cidade. Quem imaginar que Cidade educadora é apenas um prêmio ou um slogan logo perceberá que haverá cobranças e exigências legítimas da população sobre a qualidade dos serviços e as oportunidades de cidadania para todos.

E que futuro nos reservas, Cidade Educadora?

Como lembrado na abertura dos trabalhos em Marau, pelo Professor Márcio Taschetto, fazendo referência a Millôr Fernandes: “há muito passado no futuro do Brasil”. Então como poderemos, a partir de um legado histórico assentado em valores pouco nobres, como escravidão, desigualdade social, violência impregnada em nossa sociedade, sucessivos golpes de estado, falta de saneamento básico… fazermos essa ruptura?

Temos certeza que não é uma tarefa fácil, afinal, problemas complexos e estruturantes demandam da mesma forma, respostas complexas e estruturantes. Em algum momento teremos de dar o primeiro passo em direção a sociedade que almejamos.

Séculos vivenciando as infelizes experiências citadas acima, servem ao menos para ilustrar que tipo de sociedade não queremos? E isso já é muito.

Sabedores do horizonte que buscamos, nossas cidades devem intensificar seu papel de acolhimento e de reconhecimento das habilidades de cada cidadão que a habita.

Que nossas cidades sejam espaços de oportunidade, onde todos possam nela se desenvolver e, da mesma forma, contribuir para outros se desenvolvam e assim, se tornem seres humanos felizes.

Que possamos conviver com o contraditório, onde o calor do debate seja acolhido e não suprimido, pois um dos princípios básicos da democracia é a divergência. Temos certeza que assim nos tornaremos uma sociedade mais solidária e fraterna.

Como referido anteriormente, não se trata de uma tarefa fácil, mas como dizia Eduardo Galeano, as utopias são necessárias para continuarmos indo em frente: “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”

Imagens do evento: Créditos Divulgação Iura Kurtz, Prefeito Municipal de Marau, RS.

Se interessar, acesse evento gravado e disponibilizado neste link: https://fb.watch/d7eRX2oULV/

Autor: Tiago Machado

Edição: Alexsandro Rosset

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