Nem azul, nem rosa: criança veste qualquer cor

2009

Parece que vivemos um retrocesso no que diz respeito a educação das nossas crianças. Por mais que as sociedades mudem, sempre permanecerá o machismo dando as suas ordens e mostrando que ainda é forte nas sociedades contemporâneas.

Trago hoje o poeta português Fernando Pessoa com os versos do seu lindo poema “Eros e Psique” que nos diz “Conta a lenda que dormia / Uma Princesa encantada / A quem só despertaria / Um Infante, que viria / Do além do muro da estrada.”

Não importa se a princesa encantada se veste de azul o seu infante vai de qualquer jeito a salvar e não porque é a sua obrigação como homem salvar uma mocinha, mas porque ele a ama.

Ainda se cultiva a prática de comprar roupinhas para o bebê da cor rosa ou azul entre alguns pais brasileiros. Quanto mais a sociedade se desenvolve tecnologicamente, politicamente, culturalmente e economicamente parece que mais andamos para trás iguais a caranguejos.

Parece mentira que, em tempos de tanta tecnologia e diversidade, alguns pais ainda vibrem ao saberem o sexo da criança que está para nascer mostrando os seus lados machistas e patriarcais. Eu às vezes não quero acreditar que ainda vivo em uma sociedade tão machista e ignorante.

Outro dia vi as fotografias da festa de uma criança do sexo masculino que está para nascer e tudo era decorado de azul. O azul que é a cor de menino, professora. Assim me disseram e eu tive que concordar que sim, que estava bonita a decoração com azul em tudo quanto era canto. Por que não usaram outras cores? Por que criticamos tanto as coisas antigas e continuamos agindo como se estivéssemos em pleno século vinte?

Eu vejo tanta coisa no meu dia a dia que discordo em relação às crianças. Só para citar um exemplo: quem disse que é bonito uma menina de apenas três anos de idade ter as suas unhas pintadas? É apenas uma criança, gente. Deve agir e se comportar igual a uma criança que está descobrindo o mundo. Não deve se comportar como adulto.

Vou voltar para as cores das roupas no próximo parágrafo. É que fico indignada com essas coisas que alguns pais fazem com seus filhos. Querem adultizar as crianças cedo demais.

Antigamente, o enxoval do bebê só era feito depois que as mães ficavam sabendo do seu sexo. Se fosse menina tudo seria da cor rosa e se fosse um menino seria da cor azul. A criança por muito tempo só vestiria uma dessas duas cores. Ai de quem chegasse com um presente de outra cor. Existem costumes que não se acabam e esse das cores das roupas dos bebês é um deles.

Por mais que as sociedades mudem, sempre permanecerá o machismo dando as suas ordens e mostrando que ainda é forte nas sociedades contemporâneas.

Vivemos tempos em que a diversidade está tão presente em nossas vidas seja no trabalho, na escola, na igreja ou no futebol. Tempos em que as pessoas escolhem um nome social conforme se identificam com o seu gênero, tempos em que mais cedo as pessoas estão saindo do “armário” e dizendo as suas orientações sexuais sem se preocupar com opiniões alheias. São esses tempos que derrubam o patriarcado e o machismo e acabam com esse costume de menina veste rosa e menino veste azul.

Crianças ficam lindas vestidas em qualquer cor desde que se sinta bem e estejam confortáveis dentro das mais diversas roupinhas que as mamães cuidadosamente escolhem para elas. É preciso ter cuidado com as roupinhas das crianças para não ficarem apertadas demais em seus corpinhos ou grandes demais. Tudo tem que ser no tamanho certo. Uma roupinha colorida vai chamar a atenção da criança.

Quanto mais cores, mais bonitas são para os seus olhinhos cheios de brilho e encantamento que ainda estão em processo de conhecimento das coisas ao seu redor.

Não quero esquecer-me das crianças com deficiência visual. Para elas, não importa a cor da roupa, mas se é confortável ou não. Se consegue colocar o bracinho rapidamente na manga da camisa e a perna rapidamente no calção. Essa coisa de escolher cor de roupa para a criança conforme o seu gênero não era para existir mais. Porém, o patriarcado é quem dita as normas nas nossas sociedades que querem mostrar avanços culturais e vivem presas ao passado.

Parece que vivemos um retrocesso no que diz respeito a educação das nossas crianças. Querem que as meninas voltem a usar a cor rosa e os meninos a cor azul, querem que as crianças voltem a estudar em casa e não querem que elas aprendam sobre sexualidade nas salas de aulas que é tão necessário para evitarmos que vivam certas situações constrangedoras e violentas com os seus corpos.

Digo às mamães e aos papais que as suas crianças não serão mais mulheres ou menos homens se deixarem de vestir a cor rosa ou a cor azul. A questão da homossexualidade não é uma doença ou algo que se aprende através dos tempos. Nascemos assim. Não vai ser cor de roupa que vai mudar a orientação sexual do seu filho, papai. O menino que só veste azul e não pode brincar de boneca e muito menos falar fino não quer dizer que ele será um homossexual quando tornar-se adulto.

A nossa filósofa e escritora francesa também feminista Simone de Beauvoir nos deixou uma frase bonita que diz “não se nasce mulher, tornar-se mulher”. Esta é uma frase para quebrar com o machismo e acabar de uma vez por todas com o patriarcado nas famílias brasileiras. Não é que seu menino vá tornar-se uma mulher pelo simples fato de vestir roupas da cor rosa. Ele pode tornar-se uma mulher porque está na sua essência, no seu ser, naquilo que o constitui como pessoa humana.

Sem contar que o tornar-se mulher de Simone de Beauvoir é o agir conforme a delicadeza e sensibilidade de uma mulher, é se colocar no lugar da mulher e procurar viver os seus desafios e lutas junto com elas e nunca se deixar ser tomado por atos e palavras machistas que ameaçam os direitos de igualdades de gênero. Tornar-se mulher é uma inspiração para os homens sentirem no peito e na alma as verdadeiras batalhas feministas.

Na verdade, há uma explicação até mesmo não machista para o fato da menina vestir rosa e o menino vestir azul que eu acho bonita. Sim, esse era o padrão indicado pelos especialistas em roupas infantis em 1939. Uma revista para pais, também dos Estados Unidos da América, argumentava que o rosa remete ao vermelho, cor do deus da guerra, Ares/Marte, enquanto o azul estaria associado a Afrodite/Vênus e à Virgem Maria.

Algumas vezes na escola pode ocorrer do menino que estiver vestido de rosa sofrer bullying por parte dos amigos, mas cabe a escola chamar a atenção das outras crianças conversando com elas, explicando, mostrando exemplos e fazendo questionamentos sobre as suas vidas fora da escola para descobrir de onde elas tiraram esse conhecimento errado.

Os meninos sofrem mais bullying do que as meninas com as cores das roupas, isso porque o machismo ainda é grande nas nossas sociedades e os pais começam a ensiná-lo cedo aos seus filhos porque não é possível que crianças de seis ou sete anos já saibam que a cor rosa é de menina e menino que a veste pode tornar-se um afeminado.

Se as crianças que fazem bullying com os meninos que vestem a cor rosa trazem esse conhecimento de casa é porque algum adulto as ensinou. E isso deve ser combatido pela escola porque nela só há lugar para um mundo diverso onde as crianças possam se apresentar do jeito que quiserem e serem livres para mostrarem as suas orientações sexuais desde cedo.

Temos muitas histórias de adultos transexuais e travestis que sofreram bullying na escola, quando crianças, por se apresentarem como se sentiam por dentro. Esta é uma questão muito complexa, eu sei. Questão difícil de ser abordada, mas o que eu quero alertar aos pais e professores é sobre a cor da roupa das crianças. A escola deve estar preparada para enfrentar esses comportamentos e aprendizagens errados e preconceituosos que as crianças trazem de casa e mostrar-lhes o correto, por isso é tão importante o ensino da sexualidade.

Alguns pais pensam que as aulas sobre sexualidade é ensinar as crianças a fazerem sexo ou se tornarem homossexuais. Que vão mexer na piroca do seu filho ou no piu-piu das suas meninas, mas não é isso, pais! Nunca será isso! O ensino da sexualidade em sala de aula vai muito além do que ensinar a como fazer sexo, ele alerta para os cuidados que a criança deve ter com o corpo e quebra muitos tabus que não podem ser mais aceitos como este do menino não poder vestir a cor rosa porque pode virar um homossexual.

Vivemos em uma sociedade em que se uma mulher está grávida de uma menina, automaticamente, ela recebe presentes de cor rosa e, se for menino, de cor azul. 

Quando o bebê nasce e é uma menina, lhes dão de presente bonecas e “coisas de menina” e se for menino, carrinhos e “coisas de menino”.

Parece que os bebês chegam rotulados a este mundo, e as cores começam a adquirir importância na vida deles. Porém, o que importa na vida das crianças não são as cores que lhes digam que são mais apropriadas a eles, mas sim que se sintam bem e que saibam que sua integridade é o principal em qualquer momento da vida deles. Talvez uma menina goste de azul e um menino de rosa, e isso é normal.

Não devemos rotular as nossas crianças por gostarem mais de uma cor do que de outra, como também não podemos rotulá-las por gostarem de brincadeiras que são ditas apenas de meninos como o futebol. Muitas meninas adoram jogar futebol e hoje temos grandes jogadoras profissionais de futebol que não deixaram de ser mães, esposas e donas de casa! 

Não foi o futebol que fez com que elas mudassem as suas orientações sexuais. Do mesmo jeito ocorre com os meninos que brincam de bonecas. Existem muitos estilistas que são casados, pais e donos de casa. Nem por isso deixaram de exercer as suas masculinidades.

Os pais não devem se deixar levar pelas cores, mas sim deverão, ao longo do crescimento da criança, respeitar os gostos dos filhos, sejam quais forem. Por exemplo, para não cair na tentação de decorar o quarto de uma menina de rosa ou de um menino de azul, então, o ideal seria pensar em cores neutras que não enquadrem a criança dentro de um gênero ou outro. Ou simplesmente pensar em uma cor que as crianças gostem. Sem importar se ela for a cor rosa, azul ou qualquer outra cor.

Na verdade, a criança não está preocupada com as cores das suas roupas ou das paredes dos seus quartos, o que elas querem é serem bem tratadas conforme são verdadeiramente, sem precisarem esconder o que sentem, o que pensam, as suas dúvidas e medos em relação aos seus corpos e as suas orientações sexuais.

As crianças precisam ter em quem confiar essas coisas da sexualidade que são tão difíceis de serem compreendidas, por isso que a escola deve estar preparada para falar sobre isso já que em casa os pais, muitas vezes, evitam essas conversas ou desconversam por não saberem como começar explicando às crianças o que elas tanto costumam perguntar.

Quando um menino ou uma menina está brincando, acaba sendo apropriado oferecer-lhes toda a oportunidade de brincar com todo tipo de brinquedos. Por exemplo, se for uma menina, você pode oferecer carrinhos ou aviões e se for um menino pode oferecer bonecas e ursinhos de pelúcias e se estão brincando juntos os meninos e as meninas, oferecer todo tipo de brinquedo para que sejam eles que escolham com qual brinquedo preferem se divertir.

Se a menina quer vestir a cor azul ou outra cor e não gosta da cor rosa não é uma questão de impor para que ela venha a gostar dessa cor e passe a usá-la nas suas vestimentas. Na verdade, trata-se de uma questão que os pais devem respeitar os gostos e afinidades dos seus filhos.

Se o menino gosta da cor rosa e pede roupas e outras coisas dessa cor, os pais têm como cuidado e respeito aceitar e lhes oferecerem aquilo que vai fazer-lhes bem.

Afinal, ser criança é algo tão difícil e complicado que não devemos complicar ainda mais impondo as nossas vontades como se fôssemos verdadeiros tiranos e elas as nossas súditas.

É fundamental respeitar os filhos pelo que são e não pelo que desejamos que eles sejam, não podemos sufocá-los com as nossas ansiedades e expectativas em relação aos seus comportamentos, pois os seus espíritos ainda em formação podem se sentir sufocados ou asfixiados e acabarem sendo prejudicados. O ideal é que deixemos as crianças escolherem sempre o que desejam desde que aquilo seja bom para elas.

Para finalizar, eu deixo vocês com o poema de Cecília Meireles intitulado “O menino azul” que nos diz nos seus lindos versos “O menino quer um burrinho / que saiba inventar histórias bonitas / com pessoas e bichos / e com barquinhos no mar. […] (Quem souber de um burrinho desses, / pode escrever / para a Ruas das Casas, / Número das Portas, / ao Menino Azul que não sabe ler.)”

Que apareçam meninos rosa, verde, amarelo ou vermelho que também queiram um burrinho para com ele passear.

Reforçando papéis construídos socialmente, lá na infância, fazemos com que os adultos naturalizem que o trabalho doméstico e ensinamos que cuidar dos filhosé uma função da mulher, que o homem deve ser agressivo,correr de carro, demonstrar masculinidade portando armas… (Ingra Costa e Silva) Leia mais: https://www.neipies.com/coisa-de-menino-e-coisa-de-menina/

Autora: Rosângela Trajano

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