Dos perigos de confundir idolatria mundana com religiosidade

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Que a crise humanitária que se abateu sobre o Brasil passa ser tomada a sério e que as palavras do Evangelho de Jesus não sejam levianamente distorcidas na direção de uma idolatria que destrói a religiosidade.

Quando vejo “cidadãos de bem”, autointitulados “cristãos conservadores” fazerem marcha para Jesus em apoio a eleição de um governante, tenho a clara compreensão que estão confundindo idolatria mundana com religiosidade.

O Jesus que estão falando não tem nada de semelhante com o Jesus de Nazaré, tão bem descrito pelos quatro Evangelhos do Novo Testamento (Mateus, Lucas, Marcos e João). Digo isso não por opinião, ou por crença, mas por conhecer de forma consistente a tradição religiosa cristão e por ler sistematicamente tudo o que está escrito nos referidos Evangelhos.

Tudo o que certo governante faz é o contrário do que Jesus pregou e ensinou.

Se Jesus estivesse novamente em nosso meio, certamente esses “cidadãos de bem” e “cristãos conservadores”, seriam os primeiros a pregá-lo na cruz. Marcha para Jesus “fazendo arminha”, debochando dos pobres, ameaçando com discurso de ódio os adversários, não tem absolutamente nada de cristão. Ao contrário, é a idolatria do mito em detrimento do sagrado.

Fico me perguntando como certos cristãos conservadores conseguem participar da celebração da missa, comungar, frequentar a Igreja se tudo que apoiam está em contradição com o Evangelho?

Não é de estranhar que alguns destes agora começaram a agredir sacerdotes, bispos e pastores que pregam a boa nova aos pobres e humildes e denunciam a fome como algo que vai contra o Evangelho.

Estas atrocidades não aconteceram no Império Romano nos primórdios da cristandade, onde os cristãos tinham que se esconder para não serem agredidos e condenados a morte. Essas atrocidades acontecem em 2022 em diversas partes do Brasil: na Basílica de Aparecida, no RS, no interior do Mato Grosso, em São Paulo, em Minhas Gerais, no Rio de Janeiro e em várias cidades do Norte.

Distribuição de material com teor político, mentiroso e associado à defesa de um candidato identificado com as cores da bandeira do Brasil, em Romaria, Passo Fundo, RS.

De uma casa de oração, espiritualidade e acolhida comunitária, a Igreja está se tornando casa de agressão (verbal, psicológica e física). A imprensa tem divulgado fotos e relatos de padres agredidos por estarem realizando seu trabalho de evangelização que consiste em ensinar o povo a Boa Nova de Cristo tão bem explicitada no Evangelho de João 10:10 – “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância”.

Não é possível ter vida quando os pobres passam fome num dos países que mais produz alimento; não é possível ter vida em abundância, quando crianças são jogadas na miséria por falta de políticas de habitação; não é possível ter vida digna, se em pleno século XXI recursos da saúde e da educação são desviados para o orçamento secreto que teve como principal finalidade comprar as eleições de deputados e senadores.

Está escrito literalmente nos quatro Evangelhos que Deus é amor, bondade, compaixão, misericórdia. A prática de Jesus narrada nos Evangelhos mostra um Deus que se preocupa e acolhe os pobres, os excluídos, os marginalizados. Os diversos ensinamentos pregados por Jesus espalhadas nas inúmeras parábolas, mostram um Deus que se preocupa com os doentes, com os leprosos, com as mulheres, com os pecadores, com os impuros.

Quando os discípulos pedem quem entrará no Reino dos Céus, Jesus responde em Mateus 19:24 – “É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus”. E quando a multidão fica faminta e os discípulos pedem para que sejam mandados embora, em Mateus 14:15 Jesus diz “Eles não precisam ir. Deem-lhes vocês algo para comer”. E neste momento acontece a multiplicação das pães, pois quando há necessidades urgentes, é necessário partilhar e não abandonar.

Quando vejo “cristãos conservadores” defendendo a eliminação dos pobres, divulgando fake news, promovendo a falsidade e distorcendo os fatos, negando a existência da fome ou dizendo que só tem fome quem é vagabundo, defendendo o armamento, a violência, o discurso de ódio, a proteção de milicianos, a deturpação do Evangelho, a hipocrisia, a falsa liberdade, a desonestidade, o mau caráter e tantas chagas que estão adoecendo coletivamente a sociedade brasileira, aí não tem mais religiosidade e, sim, idolatria, um dos pecados mais perigosos já denunciado pelos profetas do Antigo Testamento.

A idolatria acontece quando um falso deus é adorado: o deus do dinheiro, do poder e da crueldade. Ao fazer isso, atentam contra o segundo mandamento: “Não tomar seu Santo Nome em vão”.

Que a crise humanitária que se abateu sobre o Brasil passa ser tomada a sério e que as palavras do Evangelho de Jesus não sejam levianamente distorcidas na direção de uma idolatria que destrói a religiosidade. Nenhum governante está acima da vida e nenhum governante pode ser idolatrado como deus.

Autor: Dr. Altair Alberto Fávero

1 COMENTÁRIO

  1. Um texto que se reflete em cada minuto que estamos vivendo. Parabéns a quem escreveu, só bastante triste de acreditar que estos vivendo esse mundo em pleno século vinte e um.

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