Escrever para quê (em)?

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Não me basta escrever porque nesse momento eu quero perder a polidez e escancarar a hipocrisia que a gente vive, essa falsa solidariedade uns com os outros.

Já faz algum tempo que não sei direito o que colocar no papel (ou na tela do computador ou do celular). Digo que na minha cabeça dormem e acordam infinitas frases, poemas e palavras que vão problematizando tudo que me atravessa. Mas silenciam quando encosto em qualquer algo que pressuponha registrá-las.

Tenho pensado se é importante dizê-las. Ou, melhor, tem martelado em minha cabeça uma pergunta que fizeram dia desses. Assim, despretensiosamente, chega assolando meu peito e me jogando num mar de dúvidas: Helena, para quem você escreve?

Emudeço.

Não sei. Às vezes é como se existisse um outro eu que precisa de narração. Necessita que eu diga repetida e incansavelmente, as coisas que vejo e pouco fazem sentido. E, explicando, tento compreender tudo aquilo de não tão novo que acontece mas que não passou pelo meu corpo.

Outras vezes, preciso dizer só pra reafirmar. Pra não esquecer que estou viva nesse mundo que ainda me arrepia seja pela delicadeza dos pássaros cantando num fim de tarde, seja pela indiferença pela morte de tantos.

Tô viva, ainda.

Escrevo também pra me fazer nesse mundo. Pra marcar e reler minhas palavras na minha mente ou em qualquer papel e, mais uma vez, me ver. Me ver porque nem sempre fui vista como queria. E isso é algo incômodo ainda pra mim: tentar compreender esse espelho com que insistem em ver aqueles que não queremos que pareçam com a gente.

Me ver porque podia ser vista mas não considerada.

Escrever deve ser o duro exercício de trazer à tona o menos visível de nossas escolhas, decisões, convicções e desejos. Forçar quem lê (e, automaticamente quem escreveu) a se confrontar com o que preferiria não reconhecer no espelho – seja para sair correndo, espatifar o vidro ou levantar-se e refazer estradas. (Maurem Kayna) Leia mais: http://mauremkayna.com/escrever-para-que/

Escrevo por isso, pra me fazer.

Pra correr atrás das palavras que enchem minha boca e explodem minha cabeça com tantos sentidos e significados.

Me assusta, no entanto, aquilo que a gente pode fazer de destrutivo nesse enfileiramento de letras.

E, entre uma mensagem e outra, ou no diz que diz de quintal, a gente vai matando lenta ou subitamente os outros.

E, tristemente, já vi gente cheia de vida preenchida de muita morte devido a ferimento de palavras.

Saliento, isso é bastante comum de onde vim.

Talvez também seja por isso que insista em escrever, pra dizer que a gente pode fazer bom uso das letras (e da língua).

Hoje, um menino de 16 anos tirou a própria vida pelos comentários que leu. Palavras essas escritas pela gente, por essa nossa ânsia em achar que podemos falar sobre tudo e sobre o outro de um modo pouco cuidadoso e bastante maldoso.

Não é a primeira vez que vi isso.

Já perdi amigos e conhecidos desse mesmo modo. E, não me basta escrever porque nesse momento eu quero perder a polidez e escancarar a hipocrisia que a gente vive, essa falsa solidariedade uns com os outros.

Essa mania da gente achar que precisa opinar sobre algo que não nos diz respeito. E, na ingenuidade do “é só minha opinião”, ir matando aos poucos.

Assim, a pergunta que faço é também um pouco um questionamento interno: quantas mortes já causamos?

Todos escrevem (ou quase todos), sobre muitos temas e muitos o fazem de qualquer jeito. Não que isso não seja um direito, talvez até uma necessidade. Afinal de contas, todos têm o que dizer, mesmo que seja só repetir o que os outros falam, apenas pela necessidade de mostrar que existem. Porém, há escritas que ferem de morte as regras básicas da língua. E mais do que isso: atentam contra o bom senso, o respeito ao diferente e ao divergente.(Dirceu Benincá) https://www.neipies.com/para-que-escrever/

Autora: Helena Schimitz

Edição: Alex Rosset

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