Cursos jurídicos – qualidade ou menor preço?

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O que queremos com os cursos jurídicos – qualidade ou menor preço? Formar juristas e operadores qualificados do direito, para qualificar a justiça e propiciar confiança e segurança jurídica ou só fornecer diplomas?

Dia desses, em momento de reflexão, rascunhei opiniões pessoais que podem identificar ou caracterizar o atual ciclo da minha existência, ou do que percebo dela. Nessa oportunidade, registrei desafios e compromissos na escrita. Sustentei que escrever é um ato de alguma coragem e de singular responsabilidade. 

Explico a assertiva. O que habita no pensamento, o que alimenta as conexões e possibilidades da atividade intelectual e afetiva, mas principalmente o que representa as nossas reações refletidas sobre a realidade vivida e projetada, exige muita cautela quando é traduzido em forma de texto escrito, esse turbilhão de pensamentos, sentimentos e desejos precisam ter forma, conteúdo e sentido (s) coerentes.

Se somos livres para pensar (e acreditamos nisso), impulsivos para falar (não raras vezes pecamos pelo excesso), mas quando escrevemos não podemos deixar de aprimorar e organizar o que pensamos, sentimos e desejamos – o escrito deve ser expressão do pensamento criterioso, refletido e ponderado.

Ao entrar (ao menos desconfio que assim esteja) num ciclo de prevalência da avaliação, da reflexão e ponderação – esse quadro retarda a decisão, prolonga a angústia e gera a sensação contraditória da passagem do tempo. Tarda, não precipita, a produção escrita.

Faço essa peroração para tentar justificar o atraso em disponibilizar, agora em texto, o conteúdo de uma entrevista dada em emissora de rádio local sobre a realidade e os movimentos dos cursos jurídicos do país, o que não tem sido diferente na nossa cidade.

Afirmei, nessa entrevista, que um assunto estava passando sem muito alarde, sem chamar muita a atenção da sociedade e da comunidade – até mesmo porque a maioria de nós está fazendo um esforço enorme para enfrentar os efeitos danosos da pandemia, procurando trabalhar para sobreviver e retomar suas atividades profissionais e empresariais, mas que há séria repercussão sobre os cursos jurídicos e nos seus desdobramentos culturais, jurídicos e sociais.

E que assunto é esse?  As iniciativas de muitas instituições de ensino superior de oferecer cursos jurídicos 100% EAD – Ensino à distância.  

Destaquei a necessidade de uma especial atenção a tais decisões.  Para isso, uma indagação que precisa ser feita: ter-se-á mais qualidade na formação jurídica ou simplesmente haverá a oferta de cursos mais baratos, pois a estimativa é de que os cursos poderão ser oferecidos com mensalidades de R$300,00 (trezentos reais).  Haverá uma competição para quem cobrará menos e não quem prestará o melhor curso e preparará melhor os egressos para as carreiras jurídicas?

Estude direito, estude sem sair de casa, por 300 “pilas” ou até por menos, já que a competição será marcada pelo menor preço.

O Brasil já é o país com maior número de cursos jurídicos, já são mais de 1.800 faculdades de direito e que oferecem em torno de 350.000 vagas anuais.  O país também é o que tem o maior número de advogados por habitantes, são um milhão e oitocentos mil advogados inscritos na OAB, um advogado para cada 174 habitantes.

Mas tem outros dados que precisam ser conhecidos e analisados.  Com esse número de cursos jurídicos e da oferta de vagas em faculdades de direito, tem-se dois milhões e quinhentos mil bacharéis, formados por estas faculdades, mas que não conseguem aprovação nas provas da OAB.  Isso é impressionante, mas já se disse que nada do está ruim não possa piorar. Nas provas da OAB que se encerraram em janeiro de 2021 houve aproximadamente 130.000 inscritos e foram aprovados pouco mais de vinte e dois mil candidatos – índice de 17,41% de aprovados, uma reprovação de 82,59%.  Será que a reprovação não foi dos cursos jurídicos, das Faculdades de Direito?

Pode-se afirmar que isso também tem como causa a pandemia, que exigiu a realização de aulas remotas nos cursos jurídicos, pela excepcionalidade da situação. Mas pode-se imaginar o que irá ocorrer com a oferta de cursos de graduação em sistema 100% à distância?

Se o que move as instituições é a preocupação com o menor preço, qual a preocupação e o compromisso com a qualidade?

Aula presencial na formação jurídica é insubstituível, pela interação do professor com o aluno – deste com os seus colegas – pois não devemos esquecer que o Direito é ciência social e não pode ser transformado em fragmentos ou pílulas de conhecimentos e oferecido sem qualquer interação direta entre alunos, professores e comunidade. 

Em obra escrita pelo ex-reitor da Universidade de Passo Fundo, no livro Universidade Comunitária, destacava que os cursos superiores em Passo Fundo dando origem à UPF, “não foi ato da generosidade de algum governante. Não caiu de paraquedas num determinado lugar. Ela foi pensada e desejada. Nasceu do sonho e da vontade de visionários.” Deve ser destacado que o Curso de Direito foi o pioneiro na nossa região.

Se há mais de 65 anos a comunidade local se mobilizou para que o ensino jurídico pudesse vir para a região norte do Estado, pois só tinha cursos jurídicos na capital e na região sul – movimento que lutava pelo direito de acesso ao ensino jurídico … pelo direito de apreender – logo, muito logo, teremos que mobilizar para que a oferta de cursos jurídicos não tenha como único e predominante critério o valor das mensalidades, mas a qualidade necessária para formar e preparar bons profissionais, pensadores, juristas. Será necessário, talvez, pedir licença para que especialistas do “mercado do direito” dêem lugar a visionários, novamente.

Com a oferta da graduação em direito como ensino à distância – EAD, unicamente para estabelecer uma concorrência como se a educação fosse uma simples relação de mercado, uma mercadoria, pelo menor preço, sem compromisso e preocupação com a qualidade, os prejuízos individual, familiar, social e jurídico serão irreversíveis.

Acredito que pautas e temas com estas repercussões precisam ser conhecidas, discutidas e analisadas pela comunidade e não somente pelas instituições de ensino, desde que se tenha compromisso comunitário e responsabilidade social, política e jurídica.

O que queremos com os cursos jurídicos – qualidade ou menor preço? Formar juristas e operadores qualificados do direito, para qualificar a justiça e propiciar confiança e segurança jurídica ou só fornecer diplomas?

Liberdade de pensamento, de expressão e de opinião são valores que precisam ser alimentados, nutridos e estimulados com bons e qualificados referenciais… lembrando uma frase do ex-presidente americano Barack Obama: “na vida, na política, a ignorância não é uma virtude…”. Leia mais: https://www.neipies.com/a-ignorancia-nao-e-uma-virtude/

Autor: Alcindo Batista da Silva Roque

Edição: Alex Rosset

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