BURNOUT – uma tortura chamada trabalho

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E no final, continuou Helena, as mudanças que são inevitáveis, tornam-se menos assustadoras, quando planejamos elas em sintonia com o que somos e com o que buscamos para a nossa vida!

A palavra trabalho curiosamente deriva do latim tripalium, um instrumento de tortura usado em escravos, que originou o verbo tripaliare, cujo primeiro significado era torturar. Sabe o que mais me assusta? Que depois de milhares de anos, a palavra ainda carrega o mesmo camuflado significado.

– Mas, Helena! É o trabalho que dignifica o homem.

– Eu diria que é o trabalho digno que dignifica o ser humano, meu caro. E dignidade não tem a ver com dinheiro, tem a ver com valores, diferencia que precisamos deixar muito evidente nos dias atuais.

– Sabe o que eu mais atendo em consultório, disse Helena? São pessoas com a chamada síndrome de Burnout que pode ser traduzida por algo como “ser consumido pelo fogo”, o fogo é o seu trabalho, junto com o inferno. Em outras palavras, essa síndrome trata de um estado de exaustão tamanho, que o próprio ego do indivíduo começa a se voltar contra aquilo que lhe prejudica, ou seja, o trabalho excessivo e abusivo. É curioso observar que, às vezes, a pessoa não tem consciência disso, mas, o seu corpo tem!

Depois daquela conversa, Helena se lembrou de sua sessão com Bruno:

– Estou incomodado. Meu chefe entrou em contato comigo no sábado para pedir que eu retorne um cliente. O cliente não podia esperar. Sábado era meu dia de descanso! O problema é que se eu disser não, ele pode me demitir ou no mínimo, me considerar um vagabundo que não gosta de trabalhar (Bruno conhecia bem o seu chefe).

– O que você fez?

– Respondi contra a minha vontade. Parei de brincar com a minha filha e foi atender o cliente que não podia esperar. Sabe o que anda me matando? Que tudo parece estar pegando fogo. Tudo é urgente, nada pode esperar. Aquele cliente podia sim, até segunda, inclusive. Eu deixei de brincar com a minha filha!!!

Bruno estava agitado. A raiva é uma das primeiras emoções que surgem quando nos damos conta dos danos que um trabalho nocivo causa em nosso corpo, nas nossas relações, na nossa vida.

O mais paradoxal de pensar é que Bruno havia aceitado aquele emprego justamente para poder dar uma condição melhor à filha. Ele mesmo já havia se dado conta, que não poderia existir uma condição melhor sem a sua presença, que nenhum, dinheiro no mundo compraria a sua atenção, os seus exemplos. Isso estava lhe matando!

– Importantes constatações Bruno. Perceba que o que você está me dizendo é que existem questões muito importantes que nem sempre se relacionam diretamente com o seu trabalho.

– Sim

– E você consegue tirar um tempo para você?

– Helena, se não tenho tempo nem para minha filha, imagine para mim!

– Compreendo. Mas, vamos avaliar uma questão. Quando você faz algo para você, como por exemplo, descansar, escolher ficar só na companhia de um bom livro ou algo parecido, como você se sente?

– A última vez que lembro, mas que já faz tempo, eu me sentia incomodado, sentia que não devia estar fazendo o que estou com…

– Tanta coisa pegando fogo (interrompeu Helena).

– É, isso mesmo!

– Sabe, Bruno! Vou lhe contar uma história, sobre Napoleão Bonaparte, já ouviu falar?

Quando ele era general, Napoleão adquiriu o hábito de adiar as respostas as cartas. Seu secretário foi instruído a esperar três semanas, antes de abrir qualquer correspondência. Quando enfim lia o que estava na carta, Napoleão gostava de apontar quantas questões supostamente “importantes” já tinham se resolvido sozinhas, e não mais precisavam de respostas.

Embora fosse um líder excêntrico, Napoleão não era negligente em suas obrigações, ou desconectado de seu governo ou soldados. Porém, para ser ativo e consciente do que realmente importava, ele precisava ser seletivo com relação a quem e a que tipo de informação seria exposto (História retirada do livro “A Quietude é a Chave de Holiday).

– A não ser que você seja um Bombeiro, Bruno. Não é seu papel viver apagando incêndio. Os incêndios deveriam ser eventos, portanto, eventuais, principalmente, porque eles demandam muito de nós e precisamos de um bom tempo para se reestabelecer.

– Mas, Helena! Como vou dizer para o meu chefe um não?

– Bruno, quando você foi contratado, ficou bem claro os seus horários e obrigações?

– Sim

– E nelas, existia algo que falasse que além de seu turno habitual, você deveria responder sempre que solicitado, independente do horário? Estava explicito que deveria trabalhar também no final de semana?

– Bruno ficou pensativo. Ele parecia não ter se dado conta, que responder alguém no whats sobre assunto de trabalho, também era trabalho.

– Pois então, Bruno. O essencial é deixarmos claro os seus limites, inclusive, para o seu chefe, que aparentemente, não parece estar compreendendo eles com clareza.

– Mas, Helena! E se eu for demitido? E se eu tiver que encontrar um emprego pior que esse? E se…? E se…?

Helena conhecia bem aquele medo da mudança.

– Bruno, se você for relevante para a empresa, eles irão lhe ouvir e poderão inclusive se aperfeiçoar com isso, transformando o ambiente de trabalho em um local mais saudável, além de que descansar com qualidade aumenta a produtividade. Existe também a possibilidade de você ser muito relevante, mas, eles só perceberem isso com a sua ausência. E existe a possibilidade de você não ser mesmo tão relevante.

– Como assim, relevante? Questionou Bruno.

– Relevante pode ser compreendido como o quanto de diferencial você tem. O quanto você faz bem feito o que faz. O quanto procura se aperfeiçoar com constância. O quanto a sua falta é sentida.

– Bruno, existem empresas que estão tão aprisionadas ao jogo do lucro, que venderiam a própria mãe, se aquilo garantisse efetividade nos negócios. A essas, não lhe cabe tentar mudar ou fazer ver nada. Cabe-lhe compreender que o seu lugar não é aí. Você está se dando conta de algumas questões importantes, que algumas pessoas preferem inclusive evitar perceber, porque percebe-las é um caminho sem volta.

– A mudança pode parecer assustadora, mas ela não precisa acontecer do nada. Você pode procurar outro emprego, ao mesmo tempo que persiste, tentando verificar se existe a possibilidade de dialogar com o seu chefe. A gente pode trabalhar essas questões de tal modo que você passe a se sentir mais confortável e seguro. Ou você pode escolher não fazer absolutamente nada do que conversamos e se encaminhar para um Burnout.

– Assim você pegará um atestado e passará um bom tempo livre do seu chefe. E mesmo que você quiser responder ele, você não vai conseguir, porque o seu corpo não vai ter energia suficiente nem para isso. A proposta pode parecer tentadora, mas você também não vai ter energia para brincar com a sua filha. Acrescido dos transtornos gerados pelo sentimento de inutilidade e incapacidade. Lembrando que, quando tudo isso passar, se você não for demitido, você vai voltar para o incêndio!

– Sabe, Bruno! Eu ainda acredito que o melhor caminho seja escolher as nossas prioridades. E uma delas, deveria ser você. Perceba, ao se aperfeiçoar, ao ter consciência de si, de seus valores, de seus objetivos, ao investir em si, você investe também em se tornar uma pessoa de valor para outras pessoas, relevante. Às vezes, você pode ganhar até menos dinheiro, em troca de mais tempo com as pessoas que ama, e sentir que o vazio que lhe corrói dia após dia pode ser preenchido. Sabe, por vezes eu considero que ter dinheiro mas não ter tempo, parece ser uma pobreza muito pior.

Bruno só “fazia sim” com a cabeça. Helena sabia que aquele mal-estar demoraria um tempo para ser digerido. Por isso ponderou se devia fazer mais uma observação.

– Há também a outra questão, Bruno. O excesso de informações causa uma pobreza de atenção. E com a falta de atenção os nossos erros tendenciam a se tornar recorrentes, isso aumenta os riscos de desempenharmos um trabalho que não nos cause prazer, além de aumentar os riscos de sermos demitidos. A notícia boa é que a busca por um novo emprego ou até mesmo a proposição de alterações no seu emprego atual, pode nos reportar a rever as nossas habilidades e investir em aprimoramento. Pois, acredite, há sempre algo que possa ser melhorado em nós mesmos.

– E no final, continuou Helena, as mudanças que são inevitáveis, tornam-se menos assustadoras, quando planejamos elas em sintonia com o que somos e com o que buscamos para a nossa vida!

Autora: Ana P. Scheffer. Também publicou no site “A Valentina não irá fazer medicina”: https://www.neipies.com/a-valentina-nao-vai-fazer-medicina/

Edição: A. R.

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