Saci-Pererê & Halloween: contrapontos e consensos

1951

As lendas do Saci-Pererê e do Halloween constituem, respectivamente, parte do folclore
brasileiro e, de outra do folclore irlandês e norte-americano. Ultimamente a festa do
Halloween é celebrada mundo afora, especialmente nos EUA, bem como no Brasil.

As lendas compõem partes fundamentais do folclore linguístico e literário dos povos.
Comemorá-las e estudá-las em suas múltiplas significações é fundamental ao
entendimento da História e da identidade das nações. Por coincidência ou não, a data
das duas lendas é comemorada no mesmo dia e mês, isto é, 31 de outubro.

Estudiosos sugerem que uma constitui contrapontos e o consensos de outra. O mais
certo é que os mitos têm dimensão universal e a lenda regional. Sob essa ótica, ambas
são lendas (legendas) e mitos (mentiras bem contadas). Dizem que a mentira é a
verdade disfarçada, espraiando-se mais rápida da frágil verdade. As Fake News estão aí
como provas contundentes.

O escritor Monteiro Lobato, em 1917 fez uma consulta popular através de cartas,
solicitando aos leitores do jornal O Estado de São Paulo, relatos e experiências
relativas ao simpático, travesso e moleque menino de uma só perna. Assim, diante
da riqueza das informações recebidas, publicou a obra O Saci-Pererê: Resultado de
um Inquérito.

Pronto! Lá consta o registro escrito do que circulava oralmente nos quadrantes do rico
folclore brasileiro. Há que se observar que a história do Saci remonta ao tempo da
escravidão negra havida no Brasil em seus primórdios.

Fisicamente, o menino Saci é um genuíno tipo que reúne as características dos
afrodescendentes, europeus e de brasileiros típicos. Vê-se nele que só tem uma perna,
uma carapuça vermelha, um cachimbo na boca e um furo na mão. Psicologicamente,
percebe-se que é um ente livre que vive fazendo artes: azeda o leite, quebra a ponta das
agulhas, embaraça os carretéis de linhas, esconde as tesouras, gora os ovos, coloca
sujeirinhas na comida, atropela as galinhas, vira os pregos para cima, espanta os cavalos
e tantas outras peraltices de menino travesso. Segundo o que testemunha o Tio Barnabé:
“O Saci não faz maldade grande, mas não há maldade que não faça”

O menino Saci, agora livre da escravidão, para chamar atenção, apronta, como todo
garoto, as artes dos guris. É especial, pois resultado da maldade escravagista, perdeu
uma perna, mostrando que a escravidão foi terrível também com as crianças. Seu
cachimbo incorpora dos povos originários do Brasil, lembrando que os caciques
selavam acordos de guerra ao fumarem o cachimbo da paz. Usa a carapuça vermelha,
revelando que assimilou a cultura europeia. Enfim, carrega o gorro adotado pelos
camponeses ibéricos e republicanos após a Revolução Francesa em 1789. Saci tem um
furo na mão para fazer mágicas com as brasinhas acesas, que servem também para acender o cachimbo da paz. Originário de três povos, Saci-Pererê representa muito bem
a folclórica e controvertida História do Brasil.
Por outro lado, há a lenda da Halloween. Cada vez mais adotada pelos diferentes povos
ocidentais, crianças e jovens celebram o Dia das Bruxas, vestindo máscaras espantosas e
roupas extravagantes, ao que se pode designar como carnavalização, pois de forma
lúdica, fazem alegorias ao feio mais bonito e interessante, ao mundo das sombras, dos
espíritos, da morte e das almas.

O festival da lenda Halloween é originário da Irlanda, tendo inicialmente o nome
Samhain. Surgida no Século VIII, comemorava as colheitas, o fim do verão e o
início do novo ano celta.

A celebração do Dia das Bruxas (Halloween) é observada no dia 31 de outubro, isto é,
na noite anterior (véspera) do Dia de Todos os Santos. Nela estão presentes bruxas,
fogueiras, caveiras, túmulos, dráculas, vampiros…Enfim, tudo ligado à escuridão e à
morte. No fundo, uma leve fusão das tradições pagãs com as tradições católicas, ou
vice-versa.

Portanto, a lenda do Saci-Pererê, representa o espírito de liberdade, paz, respeito à
natureza e espontaneidade do povo brasileiro. A personagem simboliza a fantasia e o
bom espírito da criançada brasileira. Por outro lado, Halloween celebra a eterna
dualidade contraditória da alma humana: alma & corpo; vida & morte; dia & noite;
bonito & feio; o sagrado & profano; tradições cristãs & tradições pagãs, dentro outras
antíteses.

Parafraseando Machado de Assis, pode-se deduzir que nem tudo têm os cristãos e nem
tudo têm os pagãos. Com os haveres de uns e de outros há de se estabelecer mais
consensos do que contrapontos.


Autor: Eládio Vilmar Weschenfelder

Edição: A. R.

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