Os desafios das tecnologias como suportes da educação

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Maria Augusta D’Arienzo é professora de educação básica que há vários anos atua e trabalha com o uso de tecnologias na educação, dentro da universidade (UPF –Universidade de Passo Fundo) por meio da pesquisa como aluna do Curso de Doutorado em Educação e no Curso de Pedagogia como formadora de educadores, e na coordenação do PRISMA: Estação Cultural da Gare, espaço que trabalhará com a comunidade de Passo Fundo e região, e, especificamente, com  professores e estudantes dos distintos níveis de ensino, promovendo o diálogo entre as distintas áreas do conhecimento, na perspectiva da interdisciplinaridade, ludicidade e do entretenimento, desenvolvendo um conceito amplo de cultura digital sustentado pelo trinômio educação-cultura-tecnologia. 

O Brasil, na última década, vem discutindo a importância das redes de ensino fazer maior uso das tecnologias no processo de aprendizagem dos estudantes. O fato é que nem todas as redes de ensino, nem todos os professores e nem todos os estudantes estão vinculados a estas ferramentas ainda. Por que demoramos tanto? Por que ainda não incorporamos, de forma mais efetiva, as ferramentas tecnológicas nas práticas docentes como aliadas ao aprendizado no século XXI?

Maria Augusta é entusiasta da utilização das tecnologias nas salas de sala, sem desconsiderar o papel essencial de professores e educadores. Entende que as tecnologias são importantes ferramentas para facilitar, engajar e motivar nossos estudantes na construção de conhecimentos; tecnologias não são fim em si mesmas. Pela sua experiência e por suas convicções, esperamos que nos ajude a dar pistas para avançarmos, de forma consistente e qualificada, na utilização de tecnologias digitais no processo de ensino e de aprendizagem nas distintas redes de ensino.

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SITE NEIPIES: O que te realiza na profissão docente? O que te fez seguir a profissão professora?

MARIA AUGUSTA: Essa pergunta em final de semestre, certamente me remete a responder de forma emotiva. Final de semestre e de ano letivo é o momento de realização do educador, pois recebemos por parte de nossos estudantes o reconhecimento pelo compartilhamento de conhecimentos, pelos ensinamentos para além do currículo e pela transformação, a partir de nossa ação, em sujeitos capazes de ver o mundo pelos olhos da ciência, mas, também, com um olhar mais humano.

Quando estava na graduação, pasme, mas não sabia que seria professora, pensei que continuaria fazendo o que eu mais amava – jogando vôlei. Logo que me formei, passei no concurso para a rede municipal de ensino de Passo Fundo. Nesse momento, começa a minha transformação como pessoa e a minha construção como educadora. Foi na convivência com os meus estudantes que constitui a educadora que sou hoje, quantas aprendizagens…

A cada brilho nos olhos dos meus alunos, recebo a energia para continuar seguindo a profissão docente e transformando a experiência individual em uma experiência coletiva. 

SITE NEIPIES: És uma estudiosa e uma entusiasta do uso de ferramentas tecnológicas na educação. Por quê?

MARIA AUGUSTA: Procuro desempenhar o meu papel como educadora a partir do olhar do educando, por isso sempre procurei acompanhar as transformações pelas quais as gerações foram passando. Estamos vivendo o século XXI, se quero preparar o sujeito para os desafios do futuro, preciso compreender que estamos em tempos de conexão permanente, imersos no mundo digital.

Nesse contexto, é função do educador não apenas utilizar equipamentos tecnológicos para tornar a aula mais atrativa e para esclarecer as exposições orais, mas sim, por meio de recursos digitais, tornar a aprendizagem mais significativa, desenvolvendo competências para a contemporaneidade, permitindo a interatividade, o papel ativo do estudante na construção de conhecimento. Dessa forma, não só inovar, mas criar propostas verdadeiramente relevantes para a aprendizagem e, consequentemente, para a melhoria da sociedade.

SITE NEIPIES: Qual é a importância dos jogos cooperativos e dos games para a aprendizagem nos dias atuais?

MARIA AUGUSTA: Para entender que os jogos tanto analógicos como digitais são importantes para a aprendizagem, é preciso reconhecer, primeiramente, que os jogos podem oferecer uma realidade melhor e mais imersiva, assim como possibilitam a solução real para problemas, além de serem fontes de diversão.

Aprender com os desenvolvedores de games acerca da otimização da experiência humana e da organização de comunidades colaborativas, e trazer esses benefícios para o sistema educacional. Para tanto, é imprescindível superar o preconceito cultural contra os jogos. A partir do reconhecimento do potencial dos jogos, tanto para tornar as pessoas mais felizes quanto para promover mudanças na realidade, o educador estará pronto para usufruir do jogo, do bom jogo para fazer da atividade difícil, que é o aprender, algo mais gratificante. 

Os jogos são importantes para a aprendizagem porque aumentam a automotivação, despertam o interesse e a criatividade, trabalham o limite das habilidade, ativa emoções positivas, tornam o trabalho mais gratificante, possibilitam a visão de sucesso, a conectividade social, além de possibilitarem a transformação dos esforços para o aprendizado terem um significado verdadeiro.

SITE NEIPIES: Como explicar a afirmação: “jogos são longos, difíceis e complexos, mas ainda assim divertem”?

MARIA AUGUSTA: Para responder essa questão vou utilizar o que Steven Johnson afirma ao falar sobre o porquê os games cativam. Para compreender essa afirmação é preciso olhar para a cultura dos jogos pela lente da neurociência. Então, o poder dessa assertiva está relacionado à capacidade que os jogos têm de estimular os circuitos naturais do cérebro associados às recompensas. Os jogos oferecem ao jogador uma associação entre recompensa e exploração.

Deve-se observar não o que o jogador está pensando quando joga, mas de que maneira ele pensa. Fazendo um paralelo com a educação, é um engodo pensar que o sujeito aprende alguma coisa em específico em um momento determinado, mais significativo é o aprendizado colateral, isto é, a formação de comportamentos e atitudes constantes, de escolhas e de oposição, que são mais significativas do que um conteúdo de história, geografia, por exemplo. O jogo exige que o sujeito tome decisões, comparar indícios, analisar situações, consultar objetivos de longo prazo e assim decidir.

SITE NEIPIES: Quais são os princípios da aprendizagem que embasam o uso dos jogos e dos games na educação?

MARIA AUGUSTA: O que embasa o uso de jogos na educação é o método científico. Segundo, o pesquisador James Paul Gee, o jogador passa por um ciclo de “sondar, criar hipóteses, sondar de novo, repensar”.  Ao explorar o ambiente e clicar em um comando ou executar determinada ação o jogador faz a sondagem do mundo virtual.

Quando o jogador analisa o significado de um texto, objeto, ação ele cria hipóteses. A partir do resultado obtido o jogador realiza a sondagem novamente considerando as hipóteses. Com base no efeito alcançado, o jogador aceita ou repensa sua hipóteses iniciais. Ao interagir com esses ambientes e executar o ciclo, o jogador estará aprendendo o conjunto de regras para desenvolver uma experiência, com o propósito de construir um novo conhecimento, entrando em contato com elementos básicos do método científico.

SITE NEIPIES: Qual é a diferença entre jogos e gamificação?

MARIA AUGUSTA: Os jogos são objetos lúdicos por natureza. A grande diferença entre jogos e gamificação está no local em que eles acontecem. Enquanto os jogos exigem do jogador o cumprimento de metas no mundo virtual, sem relação com o mundo real, a gamificação surge para estimular o engajamento e a motivação de estudantes em atividades escolares, ou seja, em um contexto de não jogo.

Gamificação significa trazer para a atividade da aprendizagem elementos que fazem parte do jogo, tais como: abstrações de conceitos e da realidade; objetivos; regras; conflito; competição e colaboração; tempo; estrutura de recompensa; feedback; níveis; narrativa. A gamificação surge como apropriação dos elementos do jogo, em contextos de não jogo, mas com o objetivo de promover a motivação e estimular o estudante para a resolução de problemas.

SITE NEIPIES: Na sua opinião, por que este momento da pandemia é propício para implantarmos, de vez, o uso das diferentes ferramentas tecnológicas na educação? Por que demoramos tanto no Brasil a assimilarmos esta ideia?

MARIA AUGUSTA: As discussões acerca da inserção da educação na cultura digital acontecem há mais de uma década, porém necessitou-se de um apagão no modelo tradicional de educação para que os profissionais gestores, professores, e, também, pais e alunos vivenciassem experiências educacionais por meio de tecnologias e ferramentas digitais.

Percebe-se que há um equívoco no pensamento quanto ao uso de tecnologias digitais na educação, pois o professor não será substituído por elas, pelo contrário terá elas como aliadas ao trabalho pedagógico para facilitar o desenvolvimento do processo de ensino e de aprendizagem dos sujeitos do século XXI.

 Que esse momento de descobrimento e experimentação sirva para mostrar a sociedade que a tecnologia digital pode despertar o interesse e prender a atenção dos estudantes, além de auxiliar na percepção e na solução de problemas reais, inserindo crianças e jovens no debate social contribuindo para a formação do pensamento crítico, por meio do uso responsável da internet e dos recursos digitais. Também, democratiza o acesso ao ensino, oferecendo feedback imediato e constante entre educadores, estudantes e responsáveis, e, por fim, permite personalizar o ensino de acordo com as especificidades da turma e de cada sujeito.

SITE NEIPIES: Percebemos dificuldades dos nossos adolescentes e jovens no acesso aplicado das tecnologias para seus estudos. Por quê? Não foram ensinados? São apenas navegadores digitais?

MARIA AUGUSTA: As tecnologias digitais estão presentes nas vidas dos estudantes desde muito cedo. Tablets e smartphones são utilizados por crianças em idade pré-escolar. Porém, a inserção no contexto escolar propicia o estabelecimento de regras de convivência e segurança nos ambientes virtuais. Também é uma ótima oportunidade para mostrar o potencial educativo das ferramentas digitais, tanto para as tarefas educacionais como para o exercício da cidadania.

SITE NEIPIES: Que orientações daria a professores que nunca utilizaram ferramentas tecnológicas em suas aulas? Devem começar como e por onde?

MARIA AUGUSTA: Acredito que o professor vai precisar cada vez mais se reinventar. Não basta apenas colocar o estudante como protagonista do processo de aprendizagem, o papel do professor é mais importante, mas não mais como um transmissor de conteúdo, porque o estudante pode acessar informações de qualquer lugar.

Porém, o professor precisa ser mediador, facilitador para desenvolver no aluno habilidades para estudar, aprender melhor, buscar informação, como realizar pesquisa, desenvolver o pensamento crítico. Neste aspecto, o professor vai precisar ter ferramentas digitais para desempenhar tais funções em sala de aula. Portanto, comece pelo uso para si, para criar as atividades e, posteriormente, para realizar práticas com os alunos. Dessa forma, apropriado das ferramentas digitais terá mais segurança e aproveitamento funcional e educativo das mesmas.

SITE NEIPIES: Você acha que o uso mais massivo da tecnologia na educação básica pode ajudar a melhorar a aprendizagem de nossos estudantes?

MARIA AUGUSTA: Sou profissional de educação física, então compreendo que fazer exercícios físicos de forma massiva é prejudicial para saúde. Tudo que em excesso traz prejuízos às pessoas e aos processos. Então, é inevitável inserir a educação na cultura digital, mas é importante fazer uma análise crítica quanto ao uso das tecnologias digitais de informação e comunicação para saber o que usar, como usar e quando usar.

SITE NEIPIES: Achas que sairemos melhores a partir da crise e pandemia do Covid 19?

MARIA AUGUSTA: Entendo que o Covid é um momento para refletirmos sobre o “ser” humano, e, por isso, sairemos diferentes, espero que para melhor.

Quanto às questões educacionais, entendo que retornaremos educadores diferentes, reinventados, pois descobrimos outras formas de fazer educação. Não estamos juntos, mas estamos presentes. Nosso futuro, bem próximo, será a inserção do que conhecemos com Ensino Híbrido.

Que nosso distanciamento social sirva para repensarmos novas formas de atuação, planejamento e uso integrado de tecnologias digitais na sala de aula. Descobrindo como desenvolver o processo de ensino e de aprendizagem oferecendo mais de algo sem exigir menos de outro.

SITE NEIPIES: Uma motivação aos professores e estudantes que estão lendo esta entrevista.

MARIA AUGUSTA: “Em uma época de mudanças drásticas, são os que têm capacidade de aprender que herdam o futuro. Quanto aos que já aprenderam, estes descobrem-se equipados para viver em um mundo que não existe mais.”( Eric Hoffer).

As instituições de ensino estão chegando num momento crítico, em uma transformação digital que está mudando a forma como o mundo aprende. Se a sua instituição ainda não foi sacudida, logo será.

Maria Augusta D’Arienzo é Profissional de Educação Física. Professora das redes municipal e estadual de Passo Fundo. Professora do Curso de Pedagogia, da Faculdade de Educação da UPF. Doutoranda em Educação – UPF. Mestre em Educação – UPF. Especialista em Desportos Coletivos – UPF. Especialista em Leitura e Animação Cultural – UPF. Especialista em Gestão Escolar – UFRGS. Especialista em Mídias na Educação – IFSul. Especialista em PROEJA – IFSul. Profissional de Educação Física – UPF

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