Resistir a quê?

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MANAUS - AM 02/06/2020 - MANIFESTAÇÃO CONTRA O FACISMO E O GOVERNO BOLSONARO, REALIZADA NA AVENIDA DJALMA BATISTA. FOTO: EUZIVALDO QUEIROZ/ACRÍTICA

Hoje, não parar é um movimento bastante ousado na luta contra o obscurantismo. Não parar! Não calar quando a tristeza diante da barbárie tenta nos paralisar!

Aceitei o convite do Professor Nei Alberto Pies para escrever neste importante espaço, em um momento de cansaço. Há muito tempo não escrevo. A necessidade de repetir obviedades me cansou. A falta de escuta e empatia me cansaram. A banalização das violências me cansou. Calei.

Me perdoem, mas este primeiro texto que escrevo para este espaço tende a ser triste; vai dizer da minha vida pessoal. Não parem de ler aqui.

A minha vida pessoal diz muito mais sobre coletividade do que sobre os caprichos que tenho, e que não serão abordados aqui porque ainda me resta noção.

Tem uma tristeza que parece gasosa, diluída no ar. Eu encho os pulmões dela, os esvazio, mas ela volta a entrar. Esse sentimento me vem como prova do meu caráter. Afinal, quem não tem se sentido triste ou não tem se angustiado, boa gente não deve de ser. Preciso falar não só da tristeza por mais de 550 mil mortes evitáveis em meio a esta pandemia, mas da tristeza que já tentava me engolir nos últimos anos, e me ensinava o significado da palavra “resistência”.

Escalou, ano após ano, por sobre os degraus que levavam à presidência da república, o homem que simbolizava todo o ódio a quem eu sou. Pior do que isso, seus degraus eram, muitas vezes, a minha cabeça e a de meus semelhantes. Sim, o militar reformado, deputado improdutivo por três décadas, ganhou grande parte da visibilidade que hoje tem às custas do discurso de ódio contra pessoas não heterossexuais e não cisgêneras.

Vidas desprezíveis as nossas, foi o que disseram muitas das nossas famílias ao erguerem a mão em apoio a um projeto de morte como o que está em curso hoje no executivo federal. “Ah, mas vai brigar por política?” – “Nossa! Tu leva política muito a sério!” – “Tudo pra ti é política!”.

É, tudo para mim é política, e que privilégio não perceber isso. Que privilégio não precisar se preocupar com o conteúdo de projetos de lei em tramitação, ou com a orientação política do tio, ou com olhares tortos na rua por exercer afeto, andar de mãos dadas, ou ainda com agressões verbais e físicas apenas por conta da sua performance de gênero. Que privilégio poder se dar ao luxo de não levar a política tão a sério.

Dissidentes não têm essa possibilidade de escolha. Viver e sobreviver é um ato político.

Muito me dói que tantas pessoas que eu considerava até 2018, tenham acreditado, apesar de tudo o que se anunciava, que um voto era apenas um voto. De maio para cá, apesar da pandemia e de todos os riscos, me reencontrei nas ruas com milhares de pessoas dispostas a derrubar o fascismo e todas as ameaças à democracia que temos visto. São milhares de pessoas nas ruas a cada dia de mobilização nacional, gritando contra tudo o que não aguentam mais.

É engraçado dizer que não se aguenta mais, porque dia após dia, a gente segue aguentando. Acho que “resistência” é isso: o sentimento de não aguentar mais tanta barbárie, mas continuar aguentando, se opondo, marcando posição, denunciando. Nunca estamos parados, estamos sempre resistindo e isso é um movimento forte o bastante para não deixar que o fascismo prevaleça.

Produzimos, durante as últimas décadas, bases teóricas sobre gêneros e sexualidades, além de metodologias para levar essas bases teóricas à educação básica e ao ensino superior, acreditando no poder desse movimento como transformação social.

Hoje, a ofensiva antigênero, patrocinada e fomentada pelo executivo federal e por grande parte do legislativo, promove um grande retrocesso de pautas tão importantes.

É muita angústia pensar no que fazer para barrar os retrocessos que nos têm sido impostos, mas acredito que, por hoje, não parar é um movimento bastante ousado na luta contra o obscurantismo. Não parar! Não calar quando a tristeza diante da barbárie tenta nos paralisar! Não parar, não calar, aguentar mesmo quando o grito é de “não aguento mais” – e resistir!

Autor: Oscar de Souza

Edição: Alex Rosset

1 COMENTÁRIO

  1. É um grande prazer tê-lo como Colaborador Convidado no site. Tuas reflexões sobre diversidade farão uma grande diferença, na perspectiva e reconhecimento de um mundo plural, que preze pelo respeito, dignidade e singularidade de cada e de todo ser humano. Obrigado pela confiança no nosso trabalho! Nei Alberto Pies, editor do site

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