Quem esquece está curado

927

Em vez de nos deixar de herança os momentos “pesados” de sua própria existência, minha avó optou por deixar, entre outras coisas, a paineira da foto.

Há simplificação nessa afirmativa acima e na similar que diz: “Um povo feliz não tem história”. Mas as duas nos levam a pensar:

  • O passado não deve ser esquecido, é claro. Mas lembrar a todo momento dos sofrimentos vividos não nos “cura” deles.
  • Temos o dever de ensinar às novas gerações não só os feitos positivos realizados pelos que nos antecederam, mas também as atrocidades, como o holocausto, a escravidão, as ditaduras, as guerras como agora a Rússia invadindo a Ucrânia, a opressão sobre as mulheres, os maus tratos as crianças e tantas outras.
  • Mas esse ensino deve focar naqueles que bravamente lutaram para superar essas atrocidades. E refletir sobre medidas que possam evitar a repetição delas.
  • E para superar nossos sofrimentos individuais precisamos contá-los para alguém que queira nos ouvir com atenção, que respeite nossas dores, que sinta conosco. Às vezes, é necessário contar mais de uma vez. E… pronto! Vamos em frente!
  •  A nossa “cura” depende muita mais do nosso presente do que do nosso passado. Bacon: “Na mente você só consegue apagar o velho escrevendo o novo”. Se passamos a gostar de alguma coisa, o nosso sofrimento diminui proporcionalmente ao nosso novo gostar. Temos de agir. Não fazendo nada é impossível a pessoa gostar de si. Quanto mais o presente se aproxima do que queremos, menos dói o passado.
  •  Portanto, as tristezas já vividas passam a ser um capítulo que continuará no nosso livro. Mas, agora, é a hora de escrever o capítulo do presente.
  •  E por que repassar aos nossos filhos e netos conflitos que ocorreram na família enquanto eles nem eram nascidos ou eram crianças? Por que vergar suas costas com eles?

Minha avó leu Milan Kundera e sua “insustentável leveza do ser”. Viu aí a declaração de que existe na vida leveza, mesmo que não se sustente. E em vez de nos deixar de herança os momentos “pesados” de sua própria existência, optou por deixar, entre outras coisas, a paineira da foto.

A “paineira da vó” nunca parou de crescer e joões-de-barro estão sempre construindo nela suas casinhas.

Autor: Jorge Alberto Salton

Edição: Alexsandro Rosset

1 COMENTÁRIO

  1. Excelente reflexão. Os professores de História, como eu, deveriam refletir sobre estás colocações e mudar o enfoque da narrativa dos fatos passados. Dar relevância nas ações edificantes de luminares da humanidade que deixaram seus nomes na luta pelo bem comum. Grata Jorge Alberto Salto

DEIXE UMA RESPOSTA