Os 40 anos da morte de Jango

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Jango, na verdade, construiu uma intimidade com o povo, de estar ao seu lado, não querendo se confundir com o povo, mas como um companheiro maior, o irmão mais velho que ali estava.

Foi no dia 6 de dezembro de 1976, aos 57 anos, que faleceu João Goulart, o único presidente da República a morrer no exílio, impedido pela força e pela intolerância, de rever seu país. Foi seu esquife lacrado que veio para ser sepultado em São Borja, às pressas, tamanho era o temor e o medo que Jango, embora morto, incutia no regime militar.

Afinal, ele havia tentado fazer reformas básicas para que o Brasil se tornasse mais justo, era popular e bom de voto. Amir Labik, traça o perfil do ex-presidente: “Há uma definição de seu posicionamento ideológico que o classificou como um latifundiário com saudável preocupação social”.

Estes foram os seus crimes. Jango como Getúlio eram homens da tradição sul-rio-grandense mais profunda, da região missioneira tão sofrida, em que 300 mil índios foram assassinados ou vendidos no Nordeste como escravos, o que criou naquela população missioneira algumas características que se difundiram no sul-rio-grandense.

Características que tinham Jango e Getúlio: a capacidade de convívio, ainda que assimétrico, com as classes subordinadas, de tomar o chimarrão juntos, de viver conversando, de amanhecer e passar a manhã juntos, conversando. Jango tinha uma capacidade extraordinária de falar com o operário, com o lavrador.

Era um homem que gostava de ouvir. Hugo de Faria, no livro “João Goulart, uma biografia”, de Jorge Ferreira, afirma: “Foi um dos homens que eu vi ter mais paciência no mundo. Eu nunca vi um homem que tivesse tamanha capacidade e paciência para escutar e conversar dez horas sem ficar irritado”.

Jango, na verdade, construiu uma intimidade com o povo, de estar ao seu lado, não querendo se confundir com o povo, mas como um companheiro maior, o irmão mais velho que ali estava. Jango se fez sucessor de Vargas por méritos próprios.

Era um jovem estancieiro muito rico; engordava 20 mil cabeças de gado por ano. Suas terras se especializaram na “invernada”. Entre a compra do gado e o despacho por trem, tudo era muito rápido, na mesma velocidade dos lucros.

Podia continuar sua vida venturosa e bem-sucedida, mas o convívio com Getúlio o foi chamando para outras tarefas, uma tarefa que, segundo Darcy Ribeiro, “era o Brasil, era o trabalhismo, era os trabalhadores”. Jango agarrou a bandeira do trabalhismo e a levantou com dignidade, com honestidade a vida inteira.

Combinou com Getúlio dobrar o salário mínimo, que desde o Governo Dutra não tinha se alterado. Isso provocou raiva muito grande. Alguns coronéis se irritaram, como se ofendesse a eles o fato de um operário ganhar mais.

Jango nessa época ganhou uma grande bandeira de luta, mas ganhou, igualmente, uma odiosidade feroz, terrível, das velhas classes dominantes. Como Getúlio, Jango teve sua carreira política marcada por essas duas dimensões: o amor do povo e o ódio das classes dirigentes. Também coube a Jango estruturar o movimento operário, o movimento trabalhista brasileiro, uma vez que a liderança do movimento estava sendo disputado por comunistas, anarquistas e por Getúlio.

Hoje, quando o governo ameaça as conquistas históricas dos trabalhadores, Jango deve ser lembrado e servir de inspiração, como um dos maiores defensores dos direitos trabalhistas ao lado de Vargas.

Ao lembrar Jango, lembramos também do senso de democracia e de criatividade cultural. Foi no seu período que surge o movimento da bossa-nova, o movimento do cinema-novo, o movimento das canções de protesto, o movimento do teatro de opinião, que empolgavam toda a juventude.

 Em 1964 Jango achou que era possível enfrentar o latifúndio e a direita latifundiária. Suas Reformas de Base foram derrubadas pela aliança da direita com os norte-americanos obcecados com a Guerra Fria.

A mídia da época preparou o caminho para a sua queda desqualificando-o de toda a forma, de bêbado à comunista. O Globo, Jornal do Brasil, Folha de São Paulo e o Estado de São Paulo trabalharam arduamente para derrubá-lo do poder. Agora, em 2016, vimos que continuam os mesmos.

Jango foi um reformista com grande sensibilidade social. Um pacifista – em duas ocasiões evitou a guerra civil – e nas duas foi incompreendido. Foi, como disse Darcy Ribeiro, “derrubado por seus méritos e não por seus erros”.

Sua morte é cercada de mistério. Para o historiador Juremir Machado, no livro “ Jango, a vida e a morte no exílio” a hipótese de ele ter sido vítima da Operação Condor não procede. Jango morreu em função de um ataque cardíaco fulminante.

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