O que significa ter uma vida bem-sucedida?

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Destruímos aquilo que não nos pertence e temos dificuldade de compreender: nossa própria existência, pois realizamos uma enorme confusão entre viver, sobreviver, ter êxito e ter uma vida boa.

A pergunta que dá o título deste escrito pode parecer óbvia demais num tempo em que, frequentemente, vemos estampado nos jornais, nas revistas de grande circulação, nos noticiários, nos reality shows, nas diversas mídias o realce a certas personalidades consideradas pessoas bem-sucedidas.

Seja no mundo empresarial, da moda, no meio artístico, no âmbito político ou científico, tais pessoas são exaltadas por terem tido sucesso financeiro, por serem famosas, por obterem “reconhecimento” do público, por ganharem uma competição ou eleição ou, ainda, por terem descoberto algo inédito.

Neste contexto, ter uma vida bem-sucedida é confundida como sinônimo de “êxito social”. Lamentavelmente, essa confusão faz com que o “imperativo do êxito” seja posto como projeto de vida. Para muitos, ter um minuto de fama, ter nas mãos o poder, ganhar muito dinheiro, ser idolatrado, conquistar um título, ser visto nos jornais ou na mídia está acima de qualquer outro objetivo de vida.

O estilo de vida contemporâneo ficou tão ofuscado com essa estreita concepção de sucesso que perdeu o horizonte da própria existência humana. Os holofotes do êxito produziram a banalização e a “barbarização” da vida: em nome do sucesso jovens modelos são capazes de sacrificar a saúde, submetendo-se as terríveis dietas para ter um “um corpo ideal”; em vista do lucro empresários são capazes de submeter centenas ou até milhares de trabalhadores em condições precárias de trabalho com salários aviltados; em vista do poder candidatos são capazes de fazer de tudo para ganhar eleições (comprar votos, fazer acordos suspeitos, articular alianças absurdas, renegar princípios, enterrar a ética etc); atletas são capazes de se submeter as mais perversas técnicas de exaustão do corpo para conquistar um título inédito; em vista do enriquecimento, traficantes são capazes de ceifar milhares de vidas colocando nas mãos de adolescentes e jovens os instrumentos da auto-destruição.

Será que ainda sabemos o que significa uma vida bem-sucedida? 

Alguém pode dizer que tem uma vida bem-sucedida quando seu “êxito individual” é diretamente responsável direto ou indiretamente pela eliminação ou destruição de outros?

Alguém pode sentir orgulho de ter vencido uma eleição e se sentir o “legítimo representante do povo” quando os votos foram comprados ou está comprometido com grupos suspeitos que financiaram sua eleição ou mesmo por meio de fakes news?

Se olharmos com atenção os acontecimentos que nos rodeiam, chegamos à conclusão que o curso do mundo nos escapa. Na expressão do filósofo francês Luc Ferry, o mundo parece, por assim dizer, um giroscópio que deve simplesmente girar para não cair, independentemente de qualquer projeto.

Induzidos mecanicamente, jogados numa rotina frenética, acelerada, dinâmica, exigente, mas sobretudo fora de qualquer finalidade visível, somos limitados a conquistar escassas migalhas que sobram duma lógica perversa que se autodestrói. Por isso, nosso tempo é marcado pelo desejo inautêntico do consumo onde “ter uma vida bem-sucedida” significa, para muitos, poder consumir tudo aquilo que está a nossa frente. E assim, destruímos aquilo que não nos pertence e temos dificuldade de compreender: nossa própria existência, pois realizamos uma enorme confusão entre viver, sobreviver, ter êxito e ter uma vida boa.

Autor: Dr. Altair Alberto Fávero

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