O luto e o contexto sócio-político brasileiro

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O psicólogo Paulo Cesar dos Santos Braga faz uma interessante análise sobre as diferentes maneiras de cada pessoa encarar o luto, sobretudo, ao passar por diferentes fases. Aborda, também, como a direita e a esquerda brasileira lidam com o luto em função de perdas eleitorais.

“Os estudiosos do luto no mundo nomeiam cinco fases que as pessoas passam ao vivenciar o luto. São elas: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação.

Ao contrário do que se acredita popularmente, o luto é vivenciado em várias situações da vida das pessoas, não apenas ao perder uma pessoa próxima ou um animal de estimação, por exemplo.

O luto pode ser vivenciado ao encerrar um relacionamento, ao receber um diagnóstico de uma doença incurável e potencialmente mortal, como câncer, ao perder um emprego, ao perder uma condição econômica/social (status), e até mesmo em situações que aparentemente são menos complexas, como por exemplo, ao não passar em um vestibular, quando seu time do coração é rebaixado para divisão inferior ou quando disputa uma final de campeonato e perde.

Um exemplo disso também é quando ocorre uma eleição, onde os apoiadores de candidato X ou Y disputam voto a voto. Então, sim, as fotos de luto nos perfis de redes sociais dos apoiadores do candidato Jair não estão erradas, pois sim, muitos dos seus eleitores podem estar passando também por um luto a partir da derrota eleitoral.

A fase da negação do luto é vivenciada geralmente após a notícia. As pessoas se isolam, negam o ocorrido, mesmo que de fato vejam seu ente querido sem vida, ou percebam em si este adoecimento.

O silêncio do atual presidente por exemplo, pode também ser justificada por esta negação, afinal, existia uma expectativa muito alta de se reeleger. O choque da derrota é enorme, e isso também é visto em times de futebol, por exemplo, que ao perder um campeonato ninguém da entrevista.

A fase da raiva é quando extrapolamos o nosso luto para fora de nós mesmos. A dor é tão grande que é impossível deixá-la somente do lado de dentro. É quando recebemos um diagnóstico difícil de lidar ou a notícia da morte de alguém e “explodimos”, chutamos a lixeira do hospital, damos soco na parede, chingando o médico, etc. É um exemplo também quando as pessoas bloqueiam as estradas queimando pneus, deixando a raiva extravasar os limites.

A fase da barganha é quando negociamos com uma divindade ou um “ser superior”. Ao receber um diagnóstico de câncer em estado terminal, a barganha ocorre quando o paciente tenta negociar com o médico ou deus por um pouco mais de tempo de vida. Mas e seu eu me alimentar bem e parar de beber, eu não consigo mais uns aninhos? Deus, se o senhor me livrar desta doença, fazendo um milagre, prometo que irei servi-lo até o final dos meus dias…

É uma busca pelo milagre. E, neste exemplo, encontram-se os atos de hoje dos apoiadores do Jair Bolsonaro, que se ajoelham em frente aos quartéis do Brasil, rezam e oram, pedindo pelo milagre, por mais um tempo livres daquilo que eles não gostam. Estão barganhando com uma divindade, com um ser supremo.

A fase da depressão é quando se vê a realidade desnuda a frente dos olhos, e se percebe que não terá negociação. É quando um paciente de câncer se dá conta que seus cabelos estão caindo devido a quimioterapia intensa, e a tristeza abala tanto que não encontra forças para fazer o básico. Esta fase ainda não chegou para a maioria dos manifestantes, mas possivelmente vai chegar, e tem potencial de trazer dificuldade para cada sujeito.

A fase da aceitação é geralmente o último estágio, e nesta fase as pessoas compreendem o ciclo natural da vida e do tempo, aceitam a realidade e tentam tirar proveito do que ainda resta. É quando um paciente tenta reunir a família, realizar momentos agradáveis e bonitos nos últimos instantes de vida, por exemplo. Ou quando um estudante não passa no vestibular e após vivenciar as demais fases, compreende que a vida não acaba ali e tenta encontrar outras formas de viver ou tentar novamente em alguns meses um novo vestibular.

Os eleitores da esquerda por exemplo, tentaram viver junto aos seus amigos e familiares durante estes 6 anos, já que o golpe ocorreu em 2016. Tentaram se aproximar do que é importante para eles, e assim viveram relativamente bem com seu luto. O que temos visto agora, desde o domingo da eleição, pode se explicar as diferentes reações que passam por cada uma destas fases, mesmo que alguns também possam explicar como birra.

Eu sei que muitos que estão do outro lado são sensatos, e por isso acredito que tão logo vivenciem estas fases do luto, também irão se reorganizar para seguir em frente. Porém, nós psicólogos e profissionais da saúde mental também lidamos com pessoas em luto patológico, que é quando uma pessoa fica em um ciclo que se repete nas fases do luto ou, o que pode ser ainda mais grave, quando a pessoa entra em uma fase e por muito e muito tempo não consegue sair e elaborar em si aquela fase.

Neste caso, eu indico um acompanhamento profissional, para ser cuidado e entender melhor quais os dispositivos psíquicos estão atuando em sua mente.

Sem mais, espero ter contribuído”.

Autor: Paulo Cesar dos Santos Braga, psicólogo.

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