O curioso caso dos alunos que preferiram os livros

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Quando se fala em educação, o nosso tesouro — onde está?

A todo instante coisas incríveis acontecem. Para percebê-las, porém, é preciso olhar de viés. Quando enxergamos assim, percebemos no movimento das pernas de uma formiga o inevitável mistério das coisas, belo e assustador. Vislumbramos a verdade escondida pelo verniz, às vezes até bonito, mas frágil e insustentável.

O breve caso que contarei ocorreu há poucos dias, em uma escola na qual dou aula.

Nesse colégio, não faz muito, foi instalada uma daquelas salas com impressora 3D, cortadora a laser e o escambau.

— Tecnologia de ponta, coisa do futuro — disseram os políticos.

De tempos em tempos, surge uma nova mania na educação. Uma febre sazonal. Toda vez promete-se muito e cumpre-se pouco. E dá-lhe estripulias para render matérias na imprensa, sites e redes sociais. Afinal, uma bela foto no Instagram seguida de centenas de curtidas basta para comemorarmos nossa chegada ao futuro.

As salas makers, suspeito, são a moda da vez. Assim mesmo, em inglês, para dar pompa às circunstâncias, à espetacularização do momento.

Comenta-se muito, agora, sobre tecnologia e inclusão digital. Enquanto isso, na realidade, a maioria dos estudantes amarga desempenhos ruins em disciplinas básicas, como Português e Matemática.

O objetivo é modernizar a qualquer custo! Isso me lembra, aliás, o governo de Juscelino Kubitschek e seu conhecido slogan (e uso slogan porque, hoje em dia, usar palavras em inglês é cult e cool): 50 anos em 5! A história se repete, é cíclica. No Brasil, então, isso acontece em várias e várias camadas, vários e vários ciclos.

Nessa escola que mencionei foi montada a dita sala maker. Como o cômodo era grande, no mesmo ambiente foram colocados os livros da biblioteca. Livros impressos, tradicionais, em papel, por incrível que pareça. Com lombadas, cheiros e folhas amareladas.

Muitos dos livros possuíam, realmente, folhas amareladas, já que, em comparação com os equipamentos novíssimos da era digital, a biblioteca, coitada, era pobre, pobre… Para cuidar dos equipamentos, havia funcionários. Já para organizar a biblioteca… Ela que se vire!

Livros impressos, pois, coisas velhas! Nem um pouco cool. Muitos, ainda, eram de literatura brasileira, não inglesa e, muito menos, americana. Quem leria aquilo?

A biblioteca tinha poucos móveis. Os livros estavam empilhados em pequenas prateleiras e em uma grande mesa no centro da sala.

Ao olhar para as obras, lembrei-me do texto bíblico de Mateus:

Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam:

Mas ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões não minam nem roubam. (Mt 6, 19-20)

Um dia todos aqueles livros virariam pó!

A impressora 3D, pomposa, de certo, olhava para os exemplares e sentia pena. Caso pudesse falar, talvez dissesse:

— Ora, mas que belas velharias!

Ao levar alunos ao local, entretanto, surpreendi-me. Eles não dispensaram muita atenção aos novíssimos e caríssimos equipamentos tecnológicos.

Curiosamente e sem convite eles foram aos livros… Quando dei por mim, estavam folheando aquelas antiguidades, dadas às traças. Tocaram, olharam, sentiram na pele e através do olfato, e perguntaram se podiam levar livros para casa.

Não sei se há bibliotecárias na rede municipal de ensino. Ali, pelo menos, não há. Os professores, no entanto, dão um jeito. Pegam um caderno. Anotam o nome do aluno e do livro retirado. Assim, de improviso, na boa vontade e sem pompa e tudo em português.

Então, com meu olhar de viés, entendi.

É verdade que os livros fazem parte deste mundo, onde a traça e a ferrugem tudo consomem. Porém, quando lemos um livro, o levamos para o coração, onde nem a traça nem a ferrugem consomem. Ganhamos, assim, um tesouro imperecível, para toda a vida. Talvez até mesmo para outra vida. 

E, citando mais uma vez o bom e velho Cristo, onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração.

Quando se fala em educação, o nosso tesouro — onde está?

E a portentosa sala maker e sua impressora 3D: levam-nos para onde?

A aplicação prática do conhecimento é o final de um processo iniciado muito antes. A utilidade é quando o rio encontra o mar, mas, para haver um rio, é preciso haver uma fonte. Essa fonte existe na atmosfera da inutilidade, onde a água não tem outro objetivo senão o de, simplesmente, jorrar. Leia mais: https://www.neipies.com/escravos-da-utilidade/

Autor: Aleixo da Rosa

Professor de filosofia e escritor Siga nas redes sociais: https://www.facebook.com/aleixoescritor?mibextid=ZbWKwL https://instagram.com/aleixoescritor?utm_source=qr&igshid=MzNlNGNkZWQ4Mg%3D%3D E-mail: aleixodarosa@gmail.com

7 COMENTÁRIOS

  1. Parabéns Prof. Aleixo….oportuna reflexão e contribuição por uma educação calcada nas relações humanas e sua interação com a realidade.

  2. Belíssima reflexão/relato de experiência, Aleixo. Somos um país empurrado à tecnologia nas escolas (não que ela não tenha sua importância), sem antes passar seriamente pela leitura e pela escrita. Não existe educação de qualidade sem antes assegurar seriamente suas bases e a leitura é inequivocamente uma das mais fundamentais.

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