Por um tempo não vivi

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Por um tempo não fui eu. Por um tempo não vivi.

Por um tempo, tentei viver como as pessoas “normais”. Segui regras. Amarrei, escondi minhas asas. Tentei crer em promessas estúpidas. Esforcei-me para olhar na mesma direção que todos os outros olhavam. Sufoquei meu coração para doutriná-lo em questões lógicas e em porquês infames e degenerados.

Por um tempo, usei óculos, para enxergar “longe”, igual à maioria. Caminhei olhando para o chão, sempre ignorando as formiguinhas que iam e vinham sob meus pés. Passei a ignorar também as estradas solitárias, as noites escuras, as madrugadas com cantos de pássaros estranhos seguidas de auroras enviesadas.

Por um tempo, parei de conversar com fantasmas. Não evoquei nenhum demônio, não dialoguei com anjos, não fiz rezas para nenhum deus. Guardei em gavetas os crucifixos da casa e joguei todas as velas no lixo. Não procurei mortos no cemitério, não cantei em línguas estranhas nem me embriaguei com ambrosia.

Por um tempo, não deixei que minha visão se perdesse da sacada em direção a outros mundos, repletos de luzes multicoloridas e pensamentos esvoaçantes. Prendi em uma gaiola os pássaros da minha imaginação e ignorei quando eles sentiram sede de voo. Com um bisturi, cortei a ligação dos meus pulsos com o meu coração.

Por um tempo, anulei minhas cores e me fiz do jeito que me queriam — cinza. Ensaiei discursos, decorei falas. Caminhei tão certinho, sempre pela calçada, seguro e acompanhado por toda a gente.

Por um tempo não fui eu.

Por um tempo não vivi.

Autor: Aleixo da Rosa, autor da crônica “Pensar é para todos”: https://www.neipies.com/pensar-e-para-todos/

Edição: A. R.

Professor de filosofia e escritor Siga nas redes sociais: https://www.facebook.com/aleixoescritor?mibextid=ZbWKwL https://instagram.com/aleixoescritor?utm_source=qr&igshid=MzNlNGNkZWQ4Mg%3D%3D E-mail: aleixodarosa@gmail.com

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