Nós, os fanáticos

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Todos estamos sujeitos ao fanatismo, porque a base dele está dentro de todos nós, no pensamento infantil ou primitivo que todos um dia já praticamos

Os anos vão passando e a gente encontra um amigo que se fanatizou. Não era assim. Mas agora ele é fanático, por exemplo, por um clube de futebol, acompanha a torcida até fora do Brasil. Pode estar fanático por um líder político, só fala naquele líder político, por uma religião, por um tipo de alimentação.

Não precisamos nos surpreender, todos somos fanatizáveis. Ao final, vou contar uma das vezes em que me tornei fanático.

Como funciona esse processo?

Uma determinada ideia vai se tornando supervalorizada por nós. Passamos a, gradativamente, mais e mais pensar nela, seja ideia política, religiosa, um modismo. E a ideia vai avançando, avançando, e tomando conta. Nesse momento, ela aproxima-se de uma ideia delirante. Mas não é. Para ser teria de haver uma alteração na bioquímica do cérebro, ser uma falsa crença, não corrigida pela realidade e ir se expandindo e tomando conta do pensamento. No caso referido, não há alteração na bioquímica do cérebro a causá-la. E se a pessoa se afastar daquele meio cultural, seja da torcida do futebol, do movimento político, ela tem possibilidade de sair da “bolha”. Pode continuar com pontos de concordância, mas terá crítica.

Se é uma doença da bioquímica do cérebro, como esquizofrenia, por exemplo, não adianta se afastar. Enquanto essa bioquímica não for corrigida por medicamentos apropriados, a pessoa não se liberta. Portanto, trata-se aqui de um problema cultural.

Todos estamos sujeitos ao fanatismo, porque a base dele está dentro de todos nós, no pensamento infantil ou primitivo que todos um dia já praticamos.

Chamado comumente de pensamento maniqueísta, tende a dividir as pessoas em boas e más, entre os que sabem e os que não sabem, entre os que tem a verdade e os que não tem.

Assista também: Mandela e Gandhi não eram maniqueístas.

Esse nosso amigo, que agora encontramos fanático, não está tão distante de nós. Costumo me observar quando estou a defender uma ideia: será ela tão verdadeira assim como de início está me parecendo? Inclusive, me dei conta disso em plena palestra/debate para centenas de pessoas. Enquanto eu defendia o valor da ciência, de sempre duvidar, o outro palestrante e amigo defendia o valor de crer. Ele defendia sua posição com uma convicção fanática.

Pois bem, a certa altura, dei-me conta, eu estava igual: defendia fanaticamente a ciência. Ele tinha a verdade. Eu tinha a verdade. Havia me contaminado. Havia, de repente, me tornado um fanático.

Ao me dar conta, diminuí o tom, aceitei tecer críticas ao método científico. E… perdi o debate!

Autor: Jorge Alberto Salton

Edição: Alexsandro Rosset

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