Não tomarei partido porque todos os meus amigos estarão certos

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Neste ano eleitoral teremos de optar: manter amizades ou assumir publicamente um candidato a presidente. Um colega e amigo já foi claro: quem não acompanhar o voto dele não será mais seu amigo. Por quê? Porque ele tem absoluta certeza de que está certo em sua escolha.

Como o sol na foto de meu amigo Juarez Lopes, um ano vai e outro vem. E eu estou parafraseando Mel Brooks, que, aos 95 anos, escreveu em sua autobiografia: “Nunca tomo partido porque todos estão certos”.

Neste ano eleitoral teremos de optar: manter amizades ou assumir publicamente um candidato a presidente. Um colega e amigo já foi claro: quem não acompanhar o voto dele não será mais seu amigo. Por quê? Porque ele tem absoluta certeza de que está certo em sua escolha.

O problema – ou a solução – é que nosso voto tem a ver com nossa história de vida. Inclusive, mantê-lo secreto também. O silêncio sobre política pode, sim, na atual conjuntura maniqueísta, significar a opção pelos amigos.

Esse é um dos meus “bons propósitos” para o ano de 2022. Não sei se vou conseguir.

Essa questão me fez lembrar de uma situação vivida em dois momentos: na adolescência e no velório do meu pai. Deu o acaso de eu estar junto quando meu pai – ele foi prefeito por duas vezes – recebeu em sua casa um amigo que fora avisá-lo de que não votaria nele.

Um homem influente em uma vila da cidade achou melhor contar de viva voz do que deixar a informação chegar por outros, na forma de fofoca. Meu pai disse que ele tinha suas razões e que não havia qualquer problema. Seguiram conversando sobre outros assuntos, rindo e se despediram numa boa.

Assim que ele deixou nossa casa, estabeleceu-se uma polêmica: a reação amistosa era a atitude correta? Afinal, havia uma disputa eleitoral.

Meu pai reafirmou em palavras o que havia mostrado em atitude: a amizade tinha mais valor que a disputa política.

Os anos se passaram, muitos anos, e na noite do velório do meu pai, um homem de bastante idade aproximou-se e perguntou se eu era filho do Wolmar e se eu era o adolescente assim assado… “Sim, lembro-me do senhor porque sua atitude provocou debate na nossa família”, respondi. Disse-me ele que conquistou, na época, a admiração de seus familiares e de muitos na vila em que morava: o sujeito que teve a coragem de ir à casa do candidato dizer que não votaria nele.

E assim foi até o dia da votação. Porém, a fila foi andando, andando, e quando chegou a vez de ele depositar o voto na urna… “Não consegui não votar no Wolmar. Votei no Wolmar e isso me fez muito bem, mas não pude contar para ninguém. Ganhara fama… Com que cara contaria?!”.

E com emoção, completou: “Na frente da urna, percebi que o Wolmar e eu éramos muito iguais. Para nós, a amizade tinha muito valor”.

Autor: Jorge Alberto Salton

3 COMENTÁRIOS

  1. Interessante o texto. Parcialmente concordo com o autor.

    Há uma mensagem clara de uma escolha entre amizade versus política, onde eu discordo ser necessário escolher dicotomicamente. Afinal, todos temos a capacidade de conversar com amigos sobre política e manter a amizade.
    O que é no mínimo curioso que o povo escolha o extremismo de perder o amigo na maior parte das vezes, quando na verdade, os membros da elite política nacional juntam-se para festejar, ir a restaurantes enquanto a população desfaz amizades, e até familiares deixam de se falar por anos defendendo ferrenhamente um representante social.

    Entretanto, concordo plenamente com a mensagem final de que a virtude ou até a similaridade é uma realidade brasileira nas urnas, e somente o próprio indivíduo pensa estar certo. Existe uma confusão.
    Muitos representantes são eleitos através da associação pessoal e virtudes (neste caso a amizade) e não pelo o que de fato já apresentaram de resultados ou as atuais propostas.
    Boa reflexão.

    Ao meu olhar, falta maturidade no povo brasileiro ainda para entender que democracia é conviver e dialogar com discordâncias. E está tudo bem.
    Não precisa desfazer amizades, e tão menos invadir festa de aniversário e matar um pai por discordância ideológica.

    • Bruno, penso como você. Se somos ativistas atuando em partidos e movimentos temos de nos posicionar publicamente. Doa em quem doer. Quando não somos, aí, em dadas circunstâncias, podemos optar por manter nosso voto secreto. Alguns amigos muito fanatizados, até disso não vão gostar. Abraço.

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