Lobos solitários: o que já sabemos

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O futuro “lobo solitário” não é um ser estranho. É ele “um de nós” que está dominado pelo pensamento primitivo maniqueísta, que tem fortes desejos narcisistas, que está socialmente isolado, que tem acesso a armas e que mentalmente está preso na bolha de um movimento discriminador, xenofóbico, excludente.

Crimes assustadores, assombrosos, terroríficos em escolas como ocorridos nas cidades de Aracruz e Saudades, para citar dois exemplos, nos obrigam a examinar quem são esses assassinos chamados de “lobos solitários”.


Por terrorismo, referimos o uso da violência que visa assustar um público mais amplo do que os alvos diretos do ataque. Autores como Jerrold Post da The George Washington University, dividem o terrorismo em ondas: (1) onda anarquista; (2) nacional-separatista; (3) sócio-revolucionária; (4) onda religiosa e (5) onda “lobo solitário”.

A quinta onda provoca pânico pela sensação de que o agente do terrorismo pode surgir em qualquer local e a qualquer momento. E pergunta-se: até mesmo em qualquer pessoa?

Estudos de casos tentam encontrar características que distingam os futuros “lobos solitários” das demais pessoas.

Já se sabe que: (1) não há relação direta com uma doença mental listada nas classificações; (2) há com frequência a presença de traços narcisistas; (3) isolamento social; (4) acesso a armas; (5) agem por conta mas mentalmente estão na bolha de algum movimento discriminador, xenofóbico, excludente; (6) o pensar primitivo, maniqueísta, em dado momento passa a dominar a mente desses indivíduos.

O co-piloto alemão Andreas L. que derrubou uma aeronave da Germanwings em 24/03/2015 apresentava depressão e risco de suicídio. Mas essas características não foram as mais relevantes. Inclusive, a maioria das pessoas depressivas que cometem o suicídio não mata outras pessoas.

É possível que Andreas L. apresentasse traços de personalidade antissocial e é bastante provável que apresentasse fortes traços narcisistas de personalidade. Ou seja, a necessidade de ser “admirado” no mundo todo pode ter contribuído para o ato midiático de cometer homicídio e suicídio derrubando um avião.

Anders B., o norueguês que em 22/07/2011 em dois ataques terroristas matou setenta e sete pessoas, não era uma pessoa violenta. Assistam “22 de julho” na Netflix. A sua biografia comprova isso. E, após controvérsia inicial, a avaliação psiquiátrica concluiu que ele não apresentava doença mental. Mas revelava sim traços narcisistas e, nos anos que precederam o ato criminoso, foi gradativamente se afastando das pessoas.

A decisão de planejar a matança ocorreu no momento em que ele, isolado socialmente e desejoso de realizar suas necessidades narcisistas, tornou-se frequentador assíduo de sites maniqueístas existentes na época como “Gates of Vienna” e “Stormfront”. Fez o que fez mentalmente vinculado a ideologia xenofóbica contida nos sites.
Asne Seierstad (“Um de nós”, Record, 2016) está na foto da crônica pelo seu admirável trabalho de pesquisa. Ela fez aquele que talvez seja o mais extenso e minucioso estudo de caso de um “lobo solitário”. Na biografia que escreve sobre Anders B.
fica evidente que os ataques terroristas foram precedidos pelo predomínio do pensar maniqueísta, a característica (6) citada acima.

Mani, filósofo persa do século III, trouxe para a filosofia a forma primitiva do pensar humano que diz que aquele ou aquilo que eu não conheço é meu inimigo.

O pensamento maniqueísta apresenta sete características: reducionismo, generalização, dogmatização, uma forma de pensar que, a partir de uma suspeita qualquer, já salta para a conclusão, ausência de autocrítica, inexistência de empatia e necessidade de inimigos. Há a divisão entre “nós e eles”. E “eles” deixam de ser “gente como a gente”.

A humanidade conseguiu desenvolver o pensamento científico: sabe observar, classificar, deduzir, induzir, experimentar. Conseguiu, desde Isaac Newton (1642-1727), entender que “a maça” cai pela força da gravidade. Porém, a forma primitiva de pensar está dentro de nós e pode dominar nossas mentes: a maça cai na nossa cabeça porque os desconhecidos, os diferentes, os maus, os inimigos a jogaram em nós.

O futuro “lobo solitário” não é um ser estranho. É ele “um de nós” que está dominado pelo pensamento primitivo maniqueísta, que tem fortes desejos narcisistas, que está socialmente isolado, que tem acesso a armas e que mentalmente está preso na bolha de um movimento discriminador, xenofóbico, excludente. O problema é como detectar essas pessoas antes de cometerem o hediondo ato criminoso.


Sugiro a leitura do artigo: “Understanding the Motivations of ‘Lone Wolf’ Terrorists: The ‘Bathtub’ Model”, Perspectives on Terrorism Vol. 15, No. 2, April 2021.
Este artigo de Boaz Ganor baseia-se em extensos estudos realizados sobre as motivações dos “lobos solitários” pelo Instituto Internacional de Contraterrorismo (ICT) com sede em Herzliya, Israel. Busca contribuir com a literatura sobre o tema propondo um novo modelo. O “Modelo da Banheira” sugere que o processo de formação da decisão do “lobo solitário” de perpetrar um ataque pode ser semelhante a um recipiente de água (como uma banheira), que seria preenchido por várias fontes de água, cada uma representando grupos e subgrupos de motivações. O limite superior do modelo “banheira” representa, portanto, o nível máximo da capacidade do “lobo solitário” de conter suas motivações, frustrações e emoções.

Autor: Jorge Alberto Salton

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