Instituições brasileiras solicitam posicionamento da ONU pela omissão do governo brasileiro na pandemia

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A omissão do governo brasileiro no enfrentamento à pandemia da Covid-19 e a falta de estratégias de prevenção para evitar as mais de 650 mil mortes registradas, impulsionaram instituições brasileiras a solicitar junto às organizações internacionais a responsabilização e a punição ao governo do Brasil. O Brasil detém a maior mortalidade média mundial, de 4,5%.

Para tratar do assunto, um conjunto de organizações realizou um Evento Paralelo da 49ª Sessão Ordinária do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas nesta terça-feira, 29 de março. O tema do debate foi: “As Violações dos Direitos Humanos no contexto da Covid-19 no Brasil”.

O objetivo foi apresentar a situação de violações dos direitos humanos no país, mostrando aspectos, análises e casos que caracterizam violações e apontando caminhos que responsabilizam o estado brasileiro no enfrentamento da crise sanitária e recomendando aos organismos internacionais um posicionamento. A atividade teve como base o Relatório que contém 21 requerimentos detalhados ao Conselho de Direitos Humanos da ONU.

A atividade foi proposta pela Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil – AMDH; Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH Brasil; Fórum Ecumênico ACT Brasil – FE ACT Brasil; Processo de Articulação e Diálogo para a Cooperação Internacional – PAD e Sociedade Maranhense de Direitos Humanos – SMDH.

As organizações parceiras foram: Conselho Nacional de Saúde – CNS; Centro de Educação e Assessoramento Popular – CEAP; Conselho Nacional de Direitos Humanos – CNDH; Associação Brasileira de Juízes pela Democracia – ABJD; Rede de Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil – RPCT Brasil; CDES Direitos Humanos; SOS Corpo – Instituto Feminista pela Democracia; FLD-COMIN-CAPA; Vida e Justiça – Associação Nacional em Apoio e Defesa dos Direitos das Vítimas da COVID-19; MISEREOR e PPM.

Romi Bencke, secretária geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), da coordenação da AMDH e coordenação do Fórum Ecumênico ACT Brasil, afirmou que “o atual panorama dos Direitos Humanos é de graves violações, em especial no Brasil onde a pandemia demonstrou o descaso do governo em tratar da questão sanitária, o que se deve a fatores como a falta de estratégia eficiente, junto com o processo sistemático de sucateamento e sub financiamento do SUS, que vem se sustentando desde as medidas de austeridade fiscal e a aprovação da EC95, que prevê a limitação das despesas primárias do orçamento público por 20 anos. Essa Emenda leva o país a reduzir investimentos em políticas públicas que visam garantir direitos básicos da população, sobretudo para a população mais pobre. Ante a tragicidade do número de vítimas em 2020, em plena aceleração da pandemia no início de 2021, ao invés do governo federal garantir vacinas já oferecidas ao país no ano de 2020, o Brasil vivenciou o período mais dramático da pandemia, alcançando picos de mais de 3 mil mortes por dia. Entre janeiro e junho de 2021 morreram mais de 320 mil pessoas de Covid-19. A pandemia continuou vitimando milhares de pessoas e ainda vítima. Atualmente o número de vidas perdidas é de mais de 659 mil, o que coloca o Brasil no segundo lugar do ranking de países com maior número de mortes, atrás somente dos EUA cuja população é mais numerosa que a do Brasil”.

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Mércia Alves da Silva, do SOS Corpo – Instituto Feminista pela Democracia, da coordenação do Processo de Articulação e Diálogo e da coordenação do AMDH, afirmou que o governo brasileiro falhou na aquisição de vacinas e não fez qualquer campanha formativa e de mobilização para fortalecer o processo de imunização, acentuando a crise sanitária. “Esse é um quadro que mostra como os DH vem sendo desrespeitados, com violações de forma massiva, atingindo a população em geral, especialmente as mais vulneráveis como povos indígenas, população de rua, população encarcerada, moradores de periferia, negros e negras, mulheres, PCDs, LGBTQIA+, entre outros grupos”.

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Para Flávio Valente, médico, mestre em Saúde Pública, pesquisador da AMDH, da Sociedade Maranhense e um dos especialistas que contribuiu para a elaboração do documento, 480 mil mortes pela Covid-19 poderiam ter sido evitadas se fossem tomadas as medidas necessárias. “Temos centenas de milhares de órfãos e milhões de sequelados. O estado brasileiro, liderado pelo presidente Jair Bolsonaro, teria condições para conter a pandemia, mas ao contrário do esperado ignorou o que vinha ocorrendo, como passou a contestar as informações prestadas por especialistas da área, avalizadas pela OMS, assim como ignorou ações que pudessem ser feitas para conter o vírus. Demanda-se que justiça seja feita pelas famílias que sofreram perdas e que o governo e o presidente Jair Bolsonaro sejam responsabilizados”, explica o médico, ratificando o descumprimento do Marco Legal de Saúde do Brasil.

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Darci Frigo, presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), afirmou que o país vive um retrocesso dos direitos humanos, com a inexistência com um Plano Nacional de Direitos Humanos, omissão do governo federal frente à pandemia e ainda divulgação de mensagens que confundiram a população. Além disso lembra que as violações aos DH remontam ao período da ditadura militar. “O governo revogou o plano de DH, um compromisso público do estado brasileiro e que não está sendo implementado, além de estar descontruindo o período democrático que vivemos e não cumprir a Constituição. É importante levarmos esta denúncia de violações para que as instituições internacionais reconheçam o genocídio que vivemos”, disse.

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Fernando Pigatto, presidente do Conselho Nacional de Saúde, informou que desde o início da pandemia o CNS emitiu, em média, um posicionamento público a cada três dias. Reforçou que, caso o governo federal tivesse seguido as recomendações feitas pela Organização das Nações Unidas e entidades, como o próprio CNS, o número de pessoas que perderam a vida devido à doença no país poderia ter sido reduzido. “Centenas de milhares de mortes poderiam ter sido evitadas se o governo tivesse seguido as devidas orientações, inclusive, as emitidas pelas Nações Unidas. As ações e omissões do governo brasileiro levaram à violação dos direitos humanos, especialmente o direito à saúde e à vida. Isso porque não forneceu orientações adequadas e nem a proteção necessária contra a pandemia. Ao contrário, atuou em favor do vírus”, disse.

O presidente do CNS defendeu a ampliação dos investimentos na saúde como parte essencial para a manutenção do SUS. “Foi o Sistema Único de Saúde que garantiu o atendimento à toda a população. Fazem da saúde mercadoria visando os lucros, onde o custo são as vidas dos mais pobres, pretos, quilombolas, mulheres e indígenas. Buscamos a responsabilização daqueles que agiram de forma criminosa na pandemia. Queremos reparação para as vítimas. Buscamos proteção e cuidado das pessoas com sequelas, órfãos e familiares. As vítimas da Covid-19 clamam por justiça”, finalizou.

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Valdevir Both, coordenador executivo do CEAP e membro do Fórum Nacional de Defesa do Direito Humano à Saúde, lembrou que ainda no início da pandemia pesquisadores e lideranças apontavam para possíveis números alarmantes de mortes caso não fossem tomadas medidas necessárias. “Estes especialistas foram ridicularizados pelo governo Bolsonaro e hoje vimos estes números se tornarem reais, com mais de 659 mil mortes.

A gravidade do contexto vai além, e está traduzido em números. Nós temos hoje quase 30 milhões de brasileiros infectados e recentemente a OMS disse que 10% a 20% dos curados desenvolverão sequelas. Pesquisas recentes mostram que ainda em 2020 deixamos de fazer no Brasil 30 milhões de procedimentos em relação a 2019. Em 2020 deixamos de fazer 19 milhões de exames, 8 milhões de procedimentos clínicos, 1,2 mil pequenas cirurgias e mais de 210 mil transplantes, uma consequência dramática para o povo brasileiro”. Ou seja, como as medidas para conter o vírus não foram tomadas, os casos explodiram e todo o sistema de saúde precisou voltar-se ao tratamento clínico de modo a negligenciar as demais necessidades da população.  E tudo isso piorado pelo efeito da Emenda Constitucional 95, que congelou os gastos sociais por 20 anos. “Em 2018, 2019 e 2022 foram quase R$ 40 bilhões de perdas em função da EC95, consequência direta do golpe no Brasil em 2016”.

Valdevir citou a importância do Sistema Único de Saúde (SUS) para evitar que a tragédia fosse ainda maior. “Se não fosse o SUS esses números seriam duplicados, triplicados, por isso a defesa do SUS é imprescindível neste momento. O SUS é um sistema público universal, de acesso a todos e todas e não queremos uma cobertura universal, um pacote básico de saúde para a população como propõem alguns organismos internacionais e o governo Bolsonaro. Por isso, temos dois grandes desafios: lutar para que tenhamos o SUS fortalecido, com mais financiamento. Outro desafio é responsabilizar os o presidente Bolsonaro e todos os responsáveis por esse genocídio no Brasil. É um imperativo ético, político e pedagógico. Para isso precisamos do sistema internacional de direitos humano, da ONU, para agilizar isso.

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Jymena Reyes, representante da Federação Internacional de Direitos Humanos, afirmou que o governo Bolsonaro atingiu o direito humano à vida, à saúde e à informação no contexto da pandemia da Covid-19.

“Temos que responsabilizar o estado brasileiro na administração da pandemia de Covid. Não existe uma obrigação de resultado, não se pode pedir ao estado que previna todas as mortes, mas existe obrigação de diminuir, o que significa que o estado deve fazer todas as medidas possíveis para que o vírus não seja espalhado. É a chamada diligência, padrão de conduta que mede que o Estado deve fazer os melhores esforços para diminuir os riscos. Se olharmos para o direito à vida descrito no Pacto Internacional de Direitos Civis da ONU temos o Direito à Vida protegido através da Lei e isso é dever dos países. O governo Bolsonaro, com sua atitude populista, realizou ataques contra a ciência no contexto da pandemia, atuando com clara negligência. Na nossa avaliação o governo atuou com clara negligência, as respostas das autoridades à pandemia foi combustível e agravou a crise sanitária. O presidente agravou o contexto da pandemia quando chamou de ‘gripezinha’. Ele utilizou a pandemia como oportunidade para diminuir a expertise, incluindo as orientações da OMS, além de humilhar especialistas e ainda reduziu o orçamento de medidas sanitárias relativas à Covid, isso causou muito mais mortes”, finalizou.

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Enéias da Rosa, da Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil, lembra que a sociedade civil tem se organizado para levar denúncias aos organismos internacionais. “Estamos esperando e precisando manifestações mais concretas dos organismos internacionais dos direitos humanos com relação às ameaças à democracia e às violações de DH que nossa população tem sofrido, em especialmente pelos grupos historicamente mais vulneráveis e com direitos violados”. Eneias lembra que a agenda de denúncias irá seguir nas próximas semanas com entidades nacionais e internacionais. “Já estamos com previsão de agenda de diálogo com o escritório do Brasil da ONU e representação do alto comissariado para as Nações Unidas na América Latina, além de agendas em nível nacional”.

Acesse o relatório: https://bit.ly/relatorioviolacoes

*Esta matéria foi produzida pela Jornalista Rosângela Borges

Edição: Alex Rosset

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