Formação cidadã na escola

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Acreditamos que a Escola é o lugar privilegiado para a vivência dos valores, e a sala de aula, o lugar por excelência da formação ética.

A maioria das crianças, independente da origem social, entram no sistema escolar atentas e ávidas por aprender, curiosas e confiantes. Depois de alguns anos de escolaridade, muitas delas acham o processo de ensino sem sentido, tornando-se progressivamente mais apáticas e sem esperança.

A própria vivência de valores na escola, presente em todos os discursos, torna-se secundária e até esquecida na maioria das práticas de sala de aula. A preocupação com o conteúdo, muitas vezes sem sentido, torna-se a justificativa de qualquer postura. Por consequência, a cada ano, o sistema escolar despeja no “mundo dos cidadãos adultos” um vasto número de indivíduos que ignoram os mecanismos da sociedade da qual têm de participar, que são céticos com relação às suas tradições e cínicos em relação a seus ideais.

Falar em valores significa algo ultrapassado, velho, desprezível. Que tipo de sociedade nos espera com esse tipo de cidadãos?  Que futuro podemos esperar com esse perfil de identidade? Que fazer diante desse quadro?

Acreditamos que não existem fórmulas prontas, nem soluções mágicas que possam reverter essa situação. Não teremos um mundo melhor, nem uma sociedade justa, se continuarmos acreditando ingenuamente que as mudanças passam pelo campo das leis, dos decretos, da forma de governo ou até mesmo dos discursos moralistas que escutamos, há muito tempo, pronunciados por aqueles que se consideram os “perfeitos cidadãos”.

Também seria ingênuo acreditar cegamente que a escola é capaz de educar o cidadão integralmente. Entretanto, a escola ainda possui um papel importante e fundamental. Não é possível pensar que a escola sozinha pode transformar o mundo; entretanto, também é verdade que não é possível pensar em nenhum tipo de sociedade diferente, mais justa, mais fraterna, sem contar com a contribuição da escola.

Paulo Freire, em seu livro Pedagogia da Autonomia, alerta que uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é proporcionar condições para que os educandos, em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou a professora, ensaiam a experiência profunda de assumirem-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador se sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar.

Nessa mesma perspectiva de Paulo Freire, o filósofo americano Matthew Lipman diz que o sistema educacional tem de dar razões para os alunos terem esperanças: a criança deve ter a possibilidade de experimentar o que é viver num contexto de respeito mútuo, de diálogo disciplinado, de investigação cooperativa, livre de arbitrariedade e manipulação.

Acreditamos que a Escola é o lugar privilegiado para a vivência dos valores, e a sala de aula, o lugar por excelência da formação ética. Isso não significa dizer que Escola deve-se omitir de trabalhar com os conhecimentos científicos historicamente produzidos, e, sim, que esses devem ser, discutidos, recombinados, reinventados, reproduzidos, apropriados à luz da Ética. O objetivo não é dar às crianças teorias éticas acabadas pelas quais devam se conduzir, mas, sim, equipá-las com as ferramentas da reflexão dentro de um contexto de investigação – isto é, de um contexto cuja metodologia é de autocrítica e autocorreção.

Robert Coles, em seu livro Inteligência Moral das Crianças, defende a ideia de que o comportamento moral se desenvolve como resposta às experiências morais que ocorrem, dia após dia, em uma família, na relação entre colegas, na interação de sala de aula. Para Coles, a inteligência moral não é adquirida apenas com a memorização de regras e regulamentos, por meio de discussões abstratas nas aulas ou da obediência às normas de casa. Crescer moralmente é uma consequência de como aprendemos a agir com os outros, e nos comportar neste mundo, aprendizado que é facilitado quando levamos a sério o que vemos e ouvimos.

Nessa perspectiva colocada por Coles, a criança é uma testemunha sempre atenta da moralidade dos adultos. Ela procura o tempo todo sugestões de como se comportar e as encontra em quantidade quando nós, pais e professores, cuidamos de nossas vidas, fazendo opções, dirigindo-nos às pessoas, mostrando na prática nossos valores, desejos e opiniões básicos e, desse modo, ensinando a esses jovens observadores muito mais do que imaginamos.

Seguindo essa linha de argumentação de Coles, acreditamos que o processo de produção de conhecimento é mediatizado por um processo significativo de responsabilidade. Não é possível pensar e produzir realmente um conhecimento se este não passar pela dimensão da ética, dos valores, das relações.

Marcos Sandrini, reconhecido educador e teólogo gaúcho, num dos seus depoimentos, dizia que a escola, no seu fazer pedagógico, precisa optar por um dos caminhos: ou ela serve para conservar uma situação de dominação, de injustiça, de exploração; ou ela está a serviço da transformação, da mudança, da cidadania.

Pensamos que a introdução de uma formação cidadã na escola, a discussão dos conhecimentos, da ética, das relações, dos valores, seja um verdadeiro contributo que a escola pode dar, no sentido de transformar essa sociedade na direção de uma vida melhor e na formação cidadã consciente e responsável.

A escola, templo do saber, responsável pela formação da cidadania de inúmeras gerações, no transcorrer de sua existência, representa um farol de luz que alumia a mente do aluno, libertando-o da escravidão da ignorância, dando-lhe um sentido da vida, ensinando-o a ser questionador, autônomo, crítico, responsável por seus atos, apontando o caminho a ser percorrido na vida individual, por própria escolha. (Gládis Pedersen) Leia mais: https://www.neipies.com/a-escola-templo-do-saber/

Autor: Dr. Altair Alberto Fávero

Edição: Alexsandro Rosset

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