Cenários do futuro pós-pandemia

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Já pensou em quais aspectos serão
predominantes ao final da pandemia?
Quais irão morrer?
Cada um terá sua resposta,
mas outras deveremos
construir na coletividade.


Projetar cenários pós-pandemia é um exercício que todos fazem em conversas informais. A frase que mais ouço ou leio no meu cotidiano é: o mundo será diferente. Mas qual mundo diferente poderíamos concatenar?

Há métodos científicos para projetar esse novo mundo. Os cenários futuros são tema do design estratégico e comuns a arquitetura. A partir de enquetes, coleta de dados, opiniões, hábitos de consumo, jogos e inúmeros instrumentos cujos nomes técnicos são inúmeros e variados é possível depreender o que mudará.

Por ora, apliquei nenhuma dessas metodologias, mesmo crendo estar habilitado para realizar esse esforço científico como parte de uma rede comunitária para buscar interpretar o futuro. Entretanto é possível, mesmo sem a pesquisa, obter pistas. Por isso, é apenas um rascunho de projeção de cenários.

Deleuze e Guattari afirmam que o capitalismo territorializa comunidades, oferecendo axiomas (benefícios, hábitos de consumo, bens) para domar os seres. Esses axiomas, no momento, são fique em casa e use máscara. Entretanto, o capitalismo precisa sobreviver como gerador de lucro, senão morre em si.

Como o capitalismo encontra-se periodicamente em falência, necessita inventar novas necessidades ou benefícios, ou seja, axiomas, para continuar existindo.

Dentre esses novos axiomas que a pandemia nos oferecer é possível depreender a ascensão inevitável do online como método de comunicação e vida. É como se buscássemos uma matrix onde apresentamos o melhor de nós nas redes sociais e assim o mundo analógico a nossa volta se curvasse diante do digital. Assim sendo buscamos amores, perfeições, risos e tudo o mais nos ecrãs, nas telas, e fornecer aos demais um pouco desse conteúdo no formato que cada rede social permite que o façamos.

Nos hábitos profissionais, há uma divisão clara entre os que podem ficar em casa em teletrabalho e os que necessitam estar presentes no universo analógico, realizando transporte de indivíduos, alimentos, bens de consumo, produzindo e viabilizando a realidade física. Todavia, há ainda uma busca – que sempre existiu ao longo da história – de reduzir ao máximo a necessidade dos seres utilizarem seus corpos como máquinas e, em alguns casos, a mente sendo substituída pela Inteligência Artificial (IA).

Na agricultura, pecuária, fabricação de máquinas, veículos e equipamentos já há uma mecanização milenar. O escritor Aldous Huxley, nos anos 1950, projetou o que acreditava ser o século XXI.

Em meados do século XX, a humanidade precisava de corpos saudáveis e consumir grande carga calórica para realizar as tarefas que viabilizassem a vida em comunidade. A mecanização, há muito existente, ainda era insuficiente para evitar que todos trabalhassem arduamente de oito a doze horas por dia.

Naqueles anos 1950, imaginou que o século XXI seria da preguiça, do consumo da arte e de que a mecanização supriria todas as necessidades. Os humanos trabalhariam cada vez menos e as artes seriam essenciais para o entretenimento. Em uma parcela da humanidade isso se tornou realidade. Há países que adotaram renda básica de valores consideráveis e períodos de trabalho de 30 horas semanais ou menos.

Para muitos, ainda há o medo da escravidão, os salários baixos e o trabalho extenuante e o medo de não ter possibilidade de sobreviver. Todavia, o capitalismo está fragilizado e, por isso, mesmo os ultraliberais já defendem programas de renda mínima e produção de dinheiro para manter ativa a roda do capitalismo. Há, inclusive, a defesa da manutenção desses programas na pós-pandemia. Somente no Brasil, cerca de 50 milhões necessitam dessa verba para conseguir se manter vivos, consumindo o mínimo necessário de calorias e tendo um teto sobre as cabeças.

Uma outra tendência é que apenas o que está online se torna digno de consulta. Portanto, os conteúdos analógicos perdem cada vez mais espaço. Há, sim, consumo de livros, revistas, long plays e outros bens culturais analógicos. Todavia os precários serviços de correios e os preços tornam, cada vez mais, o online como principal fonte de cultura.

Ao mesmo tempo, ao invés de priorizar os clássicos, em qualquer plataforma, há a busca de uma produção constante de conteúdo, demonstrando que existem sociedade vivas que buscam solucionar suas angústias e expectativas se utilizando da linguagem e formatos contemporâneos para se comunicar.

O próprio dinheiro em papel, portanto analógico, começa a deixar definitivamente de ser utilizado como veículo de troca e, assim como já acontece na China, as moedas online se consolidam, inclusive com programas de descontos e pagamentos. Os bancos possibilitam, inclusive, a transferência de pontos do cartão de crédito para alimentação.

Há meses não há produção comunitária de filmes, séries, novelas e outros produtos que demandam o convívio e a troca pessoal. Todavia explodem produtos feitos a distância – lives, comédias individuais, debates online e outros. No universo dos jogos há esse convívio comunitário. Jogadores de locais diferentes lutam, constroem, disputam em milhares de jogos eletrônicos que surgem diariamente em diversos pontos do mundo.

Há, também, o consumo dentro do jogo. Ao invés do indivíduo adquirir uma camiseta de marca, por vezes prefere gastar dinheiro real em um avatar online transitório.

Tempo é dinheiro, diz a frase capitalista. Se assim o for, nosso tempo está sendo aplicado cada vez mais nesse universo em que se prega o distanciamento social, o fim do contato físico com exceção do familiar. É como se cada vez mais nos tornássemos unidades autônomas em direção a solidão.

O axioma do “Fique em casa” também faz com que pensemos sobre nossas residências. São grandes, pequenas, mal localizadas, bem localizadas? Uma tendência imobiliária em capitais é a de valorizar primeiro a localização e por último o tamanho das casas. Os prédios construídos nas últimas décadas são cada vez menores e as casas ínfimas da China, Coréia e Japão surgem, por vezes, nas linhas do tempo para lembrar que o espaço se tornou cada vez menor e opressivo em nome do lugar.

A pandemia faz lembrar que viver próximo potencializa doenças e que ficar preso em espaços mínimos faz com que sonhemos cada vez mais em locais amplos. Mas onde está essa amplidão?

Na periferia, nas cidades do interior, nas proximidades do campo, em inúmeros locais onde a imaginação dos indivíduos possam almejar. Entretanto esses grandes espaços não são supridos pelas construtoras contemporâneas. Porém, o trânsito, o tempo de deslocamento até o trabalho e aos centros de consumo fazem com que os pequenos espaços sejam aceitos e vividos em nome do conforto comunitário.

Por último e, por óbvio, a forma como convivemos e passamos pela pandemia depende da ciência e da adequada interpretação e transmissão dos conhecimentos necessários para sobreviver enquanto o vírus está ativo no ambiente. Portanto, os que são afeitos a notícias falsas são inimigos da sobrevivência da humanidade.

Todavia, há um movimento de extrema-direita que ganhou o poder em inúmeros países que se mantém graças a propagação de notícias falsas em profusão. Nesses países, em especial nos EUA de Trump, há muito mais casos do que onde o cenário político tem, como característica, o respeito pela ciência e ao conhecimento.

Qual será o futuro?

Acima fiz um pequeno recorte, comentários sobre o que percebo nesses tempos. A partir dessas considerações é possível que eu desenhe um cenário particular, que não se trata de ciência, mas de percepção e opinião.

A partir das percepções acima citadas, é possível depreender alguns elementos que possam estar presentes nos próximos anos. Algumas pistas já apresentei.

Dentre elas, estão:

– Redução drástica do consumo da cultura analógica (livros, revistas, cd, long plays);

– Consolidação das moedas digitais, sejam por aplicativos, jogos ou cartão;

– Aumento exponencial do teletrabalho;

– Redução do deslocamento em vias urbanos;

– Revalorização do bairro como local de convívio;

– Busca de espaços maiores para viver, em detrimento a localização;

– Revalorização da ciência como fonte de bem estar;

– Rejeição dos propagadores de notícias falsas;

– Nova onda de mecanização da produção dos bens de consumo;

– Convívio online aumentado via jogos online e redes sociais;

– Revalorização do núcleo familiar;

– Aumento da solidão nas grandes cidades;

– Internet sendo valorizada como mídia dominante;

– Inteligência artificial e nova onda de mecanização para reduzir o uso da mão de obra;

– Redução do tempo dedicado ao trabalho;

– Entretenimento como sentido para a vida ao invés do trabalho extenuante.

Quais outros aspectos serão predominantes ao final da pandemia? Quais irão morrer? Cada um tem uma resposta particular. Mas também necessitamos de uma pesquisa científica avalizada em métodos para que possamos ter uma abalizada interpretação do porvir.




A pandemia de coronavírus escancara para toda a sociedade as imensas desigualdades brasileiras e evidencia a necessidade se criar no país um pacto social que inclua toda a população. Além disso, temos que enfrentar a concentração de renda e riqueza no país, e garantir direitos e acesso a políticas sociais. Essa foi a tônica da live realizada nesta quinta-feira (23/4) pela Oxfam Brasil em seu canal no Youtube.

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