Como saber? Não foi a mesma Mão quem nos criou a todos e que em nós soprou vida? E a beleza intensa que habita ao seu redor, não poderia ser cantada em noites de verão, quando os humanos já não pisoteiam suas gramas…
A plantinha, da obra “A planta, suas folhas e um sino” fora rejeitada pelo Frei, em um pátio farto de plantas e abundância de verdes, muito escolhidos, em vertigem de tons que não se sabe como, combinam e se complementam.
Mas era um bom Frei, cansado de cuidar da grama e suas calçadas, sabe-se lá, achou melhor não a plantar ali. Passados dias e noites, voltou atrás e, sem que ninguém percebesse, acolheu-a, às escondidas, tratou-a, entregando-a aos seus aliados neste pátio de tantas belezas, nuances e solidões, que são os jardins das Igrejas.
Sim, porque estes espaços são o depositório de tantos que por ali passam, às pressas, com seus passos corredios e seus pecados perdoados. Alegres, por ora, reabilitados por seus pares e por Deus, o Deus de todos os esquecimentos, até que seus bancos se completem novamente, de pecadores e podadores de árvores, todos inconsolados em sua dor, sem saber que o mal que os sustenta está na mesma raiz: a indiferença.
Aos jardins, poucos param e olham. Ali mesmo deveriam se arrepender, confessar seus males à sombra de árvores solitárias, que nunca são abraçadas. Seu choro e arrependimento poderiam ser depositados aos seus pés, porque o Deus que os ouvirá no piso frio de um Templo é o mesmo que está no meio de todos estes arbustos, flores e folhas, e que dali nunca saiu.
E, então, as mesmas plantas que quase não viram a novata chegar, falavam entre si:
-Quem será a intrusa? Quem deu a ela água e esperança?
Mas a mudinha virou planta, virou árvore e em se tornando vistosa, abraçou um sino solitário e triste, devolvendo a sua vida, seu canto, sua essência. Amizade e paixão em empatia singular.
Enquanto eu explicava este pequeno milagre, a Coordenadora da escola falou que até gostou da história, mas que árvores não conversam, sinos não falam, e que nada mais e em quaisquer jardins ouve-se conversas. Pela sua doutrina, claro.
-Porque somos de uma crença em que acreditamos que somente humanos falam.
Que triste meu Deus! Como isso pode ser permitido de modo que as religiões continuem a prosperar?
Tentei argumentar que, falando ou não, jamais poderemos saber. Somente nossa vã suposição pode acreditar que somos os únicos que bedelham. Como saber se não transmutamos em outra matéria viva, e que, pelo pressuposto de nossa linguagem ser única, destruímos a possibilidade de todas as falas, em todas as florestas, jardins, e, até mesmo junto às plantinhas que crescem em nossas sacadas?
Como saber? Não foi a mesma Mão que nos criou a todos e que em nós soprou vida? E a beleza intensa que habita ao seu redor, não poderia ser cantada em noites de verão, quando os humanos já não estão pisoteiam suas gramas…
Como ficarão as crianças e suas árvores imaginárias que habitam seus livros e quartos? Seus ursinhos em suas camas, testemunhas, fazendo-as dormir? Como ficarão seus diálogos, justamente com tudo a que dão vida e a tudo que fazem renascer? E não era para nos tornarmos crianças…
Quanta crueldade nestes adultos insanos, que tomaram para si as palavras de Deus tornando-as torniquetes para os jardins. Imaginem quando seus filhos, ao apagarem as luzes não poderão dar boa noite aos seus brinquedos, suas bonecas e seus heróis. Não poderão pedir a sua proteção porque alguém ao seu lado lhes diz que ninguém fala ou ouve, senão os humanos. Serão proibidos de falar com eles? É o limite da negação do imaginário humano.
Não há agressão maior ao crescimento e liberdade das crianças do que as impedir em falar e trocar suas conversas com os meios de vida a que veem e sentem, todos eles, sejam em quartos de dormir, em jardins floridos, em bosques ou sacadinhas.
Porque um herói sentado ao lado da cama de um menino, tem vida, é amigo, companheiro de todas as batalhas, que juntos, travaram durante o dia. E agora irão dormir porque a vida se dá na imaginação, igualmente, senão que nos tornaríamos os dementes da criação. Aliás, foi na criação que um animalzinho falou aos recém-criados, tentando-os é verdade. Mas como deveria ser lindo este paraíso, com todos os bichos falantes…menos o homem!
Tristes adultos, vivendo em suas assombrações, sua incapacidade de imaginar, escravos que são, dominam livros e preceitos sobre a sua crença de equívocos, sabe-se lá por quais razões.
E limitam a todas as crianças, em preceitos de superstição, esquecendo eles mesmos que não há criança ou adolescente, que possa crescer dissociado da mais louca aventura que Deus colocou ao seu dispor: a imaginação. Razão, aliás, pela qual nos diferenciamos de tantos outros reinos.
-Fale com a sua plantinha, Coordenadora! Abrace-a, comente sobre os seus dias, suas dores e o quanto você gostaria, muitas vezes, de estar ao seu lado na escuridão da razão, em um vaso qualquer. Ouça um sino bater e levante seus olhos. Sinos batem para as solidões e convicções partirem.
As árvores gemem as dores de seu corte, o vento uiva e canta para se fazer presente, os animais namoram livres, se os deixarem, as plantas e suas folhas não dormem cedo. Não estamos a sós na linguagem do Criador.
Enfim, não era sobre plantas que falam, não este texto. Era sobre compaixão!
I
Sobre colocar-se no lugar de uma plantinha que queria crescer e pouco espaço lhe restava. Como que colocar-se no lugar de uma criança que precisa descobrir-se em um mundo de indiferenças e rejeições contínuas.
Porque a um jovem que deve crescer e seu espaço é negado, de igual maneira, precisa de uma presença, uma proteção, uma gota de empatia, uma faísca de esperança, um ínfimo olhar, que seja.
Não permita à sua mente que se torne prisioneira de um dogma, que ainda não compreende sobre o mais nobre dos sentimentos, essencialmente humano, que ainda podemos recriar: a empatia.
E sobre ela mesma, a planta que fala e quer crescer, poderíamos lembrar de nossos primeiros passos. Isso mesmo, qualquer um de nós, em quaisquer jardins, ambos à espera de uma minguada de água, uma mão amiga ou um simples e poderoso olhar protetor, de um sino abandonado…
Autor: Nelceu A. Zanatta, autor da crônica “A menina, a janela e o cego”: https://www.neipies.com/a-menina-a-janela-e-o-cego/
Edição: A. R.
Uma delicada e filosófica crônica sobre amor, compreensão, cuidado. Muitas vezes permitimos que as vozes da natureza e de nossa imaginação sejam caladas, seja por preceitos religiosos,seja pela fúria capitalista de ter, e nunca de SER. Parabéns!