A menina, a janela e o cego

1708

Nada fez mais sentido à tarde, assim que a menina bateu à janela.

Meu olhar fugidio disfarça, e passo a expiar minha máxima culpa,

como que escolhendo só a mim, disputo por dentro, ou eu, ou ela.

Torço pelo sinal, que se abra logo a cancela, em minha face oculta.

Acelero o carro, o tempo, a dor, a indiferença, o descaso, a rejeição.

Os seus dedos ainda os vejo nos vidros, a palma da mão em poeira.

Ela pedia apenas centavos, um desejo, um olhar qualquer, atenção.

Nem imagina ela que o mundo se esgota, ela no centro, eu, à beira.

E por uns trocados apenas, agora me vejo exposto em mim mesmo…

Trocaria com ela, se a visse, no ato, quaisquer dores, pelo seu perdão.

Absolva-me a alma, pequena menina, pela sua remissão vivo a esmo!

E a busco em todas as esquinas, meus olhos ressecados, os seus, não!

Por uns olhares, quaisquer vinténs, acordo inútil e quase desprezível.

Uma vez negados, vejam, mostraram-me cruel, atroz, vazio e fugindo.

Tento voltar a ela, explicar minhas desculpas, imagino, eu, insensível!

Separei um presente até, penso-me íntegro, embora ainda mentindo.

Ilustração: Alex Guenther

Autor: Nelceu Alberto Zanatta

Edição: A. R.

DEIXE UMA RESPOSTA