Arroz e feijão na escola: sim e não!

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Você deve oferecer muitos acompanhamentos, e junto deles o famoso e nutritivo arroz com feijão. Ofereça até o ponto que não haja excessos e, sim, o equilíbrio!

Em tempos de insegurança alimentar, quando estamos diante do aumento desenfreado dos alimentos e temos nosso país novamente no mapa da fome, pensar num prato de feijão e arroz preparado no capricho pode dar água na boca. Isso se a pessoa que vai preparar a refeição estiver conseguindo custear o gás de cozinha, embora aqui no sul, devido às especificidades climáticas, muitos tenham a opção de cozinhar no fogão de lenha. Ultrapassadas as dificuldades do tipo de fogão, e tendo condições de cozinhar, é momento de dizer um sim para o arroz e feijão!

Porém, e ainda bem que o porém apareceu! Lembro de um relato feito por uma admirável colega de trabalho, que na função de gestora de uma escola, estava no refeitório quando observou que uma estudante não aceitou a merenda. Então, de forma afetuosa, uma grande virtude desta colega, perguntou o motivo pelo qual a menina não tinha provado a comida.

A resposta da criança, no primeiro momento, pode nos levar a um precipitado julgamento, mas calma! Ela disse que não queria comer porque era feijão e arroz. Ao escutar a resposta, minha colega perguntou se ela não gostava de feijão e arroz. Agora, a resposta nos faz compreender muita coisa! A estudante disse que na casa dela só tinha essa comida.

Pensem!

Como deve ser comer somente feijão e arroz, sendo que lhe eram ofertados no almoço, no jantar e no lanche escolar! Como deve se sentir uma pessoa que não tem a oportunidade de provar outros aromas e sabores, sabendo da infinidade de alimentos dispostos nas prateleiras de mercados, fruteiras, padarias? É justificável a sua recusa! É quase uma manifestação contra a desigualdade social. Assim como é triste a realidade atual, a qual milhares de pessoas não estão conseguindo variar a alimentação, ou pior, milhares nem conseguem comer o arroz com feijão e, se um prato surgisse diante de cada um, diriam sim!

Mas, não é a insegurança alimentar o cerne da minha reflexão, embora o arroz e feijão estejam nela. É que as expressões arroz e feijão são muito utilizadas no contexto educacional, e não é no refeitório, mas sim nas reuniões pedagógicas! E aí está o perigo! Arroz e feijão, NÃO! Vou tentar explicar.

É de conhecimento geral que o cenário pandêmico corroborou em sérios agravantes na educação. Com isso, também se acentua o movimento pedagógico que tenta incansavelmente recuperar a defasagem escolar. Até aqui, estamos de acordo!

O problema está no equívoco de se pensar que para a recuperação, devemos ter como cardápio principal o feijão com arroz, semelhante àquele que oferecem para a garota do relato nas diferentes refeições do dia, e ela acaba por rejeitar!

Ela não rejeita por querer, é por não aguentar! Quem aguenta essa pobreza de possibilidades, se os olhos estão diante de uma infinidade? Ressaltando: eu adoro feijão com arroz! E não estou dizendo, em hipótese alguma, que estes dois devem ser descartados do fazer pedagógico! Cuidado com a reduzida interpretação!

O que eu quero pontuar então?

Que muitas, mas muitas crianças só terão certas oportunidades na escola, que é um lugar das primeiras vezes do aprendiz. Que as primeiras vezes dos estudantes dependem da ação do professor. Este, por sua vez, não pode jamais, pensar que ensinar o básico, o “arroz com feijão” é suficiente! Neste caso, arroz com feijão, NÃO! Eles podem estar junto de outros elementos, nunca sozinhos. É muita pobreza ter somente eles!

Aqueles que desejam de fato alcançar propósitos vindouros, precisam imediatamente mexer no cardápio, começando pelo próprio! Pois chegar neste contexto histórico-social pensando que o mínimo é satisfatório, é sinal de excesso de feijão com arroz e carência de outros gostos e cheiros. Então, mesmo que isso custe mais caro, enriqueça o menu! Outra ressalva: Eu não estou dizendo para inserir mais do que já tem, pois temos que levar em conta que a sociedade é, por um lado de excessos e, por outro de carências!

 Temos que cuidar/pesar tanto dos excessos quanto das carências. Usemos a balança!

Explicando de outro modo: Pense o que os estudantes têm em excesso. Agora pense no que lhes falta? Aqui você pensou feijão e arroz, garanto! Você deve oferecer muitos acompanhamentos, e junto deles o famoso e nutritivo arroz com feijão. Ofereça até o ponto que não haja excessos, e sim o equilíbrio! O risco está em você pender para um, ou para outro lado. A consequência será a recusa por parte do aprendiz; o sofrimento e o fracasso de ambos: educador e educando.

Em outras palavras: em meio restritivo (só com feijão e arroz), o aprendiz não  se sente mobilizado, porque não é ativo de verdade; também não desenvolve autonomia e pensamento, uma vez que esses atributos dependem do que ele não tem: possibilidade de escolhas, de tomadas de decisões e elaboração de estratégias e pensamento a partir de oportunidades experienciais formativas. Aliás, será que estamos preparados para lidar com crianças ativas? Pensemos… Parece-me que é uma questão bastante instigante, merecedora de estudo, em momento oportuno.

O fato é que o educador precisa compreensão total sobre o seu menu. Ele deve ter um cardápio composto por variedades que vão além do feijão com arroz. Porque assim envolverá, mobilizará, motivará, sem apressar ou sufocar.

 Já sabemos que os reflexos da pandemia não serão superados a curto prazo, mas sim a médio e longo. Assim, muita pressa pode atrapalhar! Eu gosto de escutar, de uma outra colega que admiro muito a seguinte colocação: Vamos com calma! Aqui não vamos fazer por fazer, vamos fazer bem feito. Quando assim o educador proceder, oferecendo cardápio amplo, rico de sabores e aromas, o aprendiz perceberá que está em companhia de alguém especial e se fartará com o banquete.

O aprendiz, ao receber como marca este tipo de educação, luta até certo ponto, para dar conta do que lhe é imposto, mas corre o risco da ruína. Como diz Dewey, metaforicamente, o aluno luta, mas acaba vencido diante do que a educação reivindica, pois morrem seus desejos, interesses e curiosidades. Leia mais: https://www.neipies.com/com-a-palavra-as-criancas/

Autora: Ana Lúcia Vieira

Edição: Alexsandro Rosset

2 COMENTÁRIOS

  1. Parabéns pela reflexão e comparação….as pessoas e educandos em geral estão ávidos por novidades ;ou seja:provar novos sabores…novidades..que despertem o interesse e a a motivação…por que só de arroz e feijão os limites se tornam claros e ofuscam a oportunidade de um ir mais adiante em todos os sentidos..

  2. Verdade o professor não pode ficar só no básico feijão e arroz mas deve estar sempre buscando novas alternativas, novos conhecimentos e caminhos para chegar até o aluno despertando nele a curiosidade e a vontade de aprender cada vez mais.

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