A culpa não serve para nada

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A responsabilização e a reparação servem, estas sim, para muita coisa. Já a culpa… A culpa não serve para nada.

No início do conto “Topsy”, do livro “1905”, Brian sente muita culpa pela morte de uma elefanta. Dono de um mercadinho “escondido” na Mulberry Street, em Nova Iorque, era quem a alimentava. Porém, um dia ela foi eletrocutada a mando de Thomas Alva Edson. O fundador da General Eletric queria provar que a corrente elétrica desenvolvida pelo seu concorrente, usada no ato, era perigosíssima.

Brian, um “ninguém” se comparado a Edson, não tinha como evitar a execução. Por que, como Brian, sentimos culpa em situações que, se examinarmos bem, estão além de nosso alcance? Em “Sentimento de culpa”, excelente livro escrito por Paulo Sérgio Rosa Guedes e Júlio Cesar Valz, encontramos a resposta: “O sentimento de culpa é o sentimento de onipotência”.

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Em um dia de muita chuva, um homem dirigindo um caminhão na mão certa, na velocidade certa, viu, de repente, um automóvel mudar de pista e vir direto em sua direção. Ele chegou a ver os olhos arregalados da motorista antes da batida. Seu caminhão virou de lado. Com poucos ferimentos, tentou em vão salvar a mulher.

Aqueles olhos arregalados o faziam acordar à noite com um imenso sentimento de culpa. Revisou sua conduta: foi tudo muito rápido, não teve como desviar para o acostamento. Como, mesmo assim, a culpa não o abandonava, foi a sua igreja, rezou, fez penitência. Nada resolvendo, veio me procurar.

Ele saía a viajar, concluímos os dois, com a fantasia onipotente de que, fazendo tudo certinho como fazia, nunca se envolveria em acidentes. E, assim, trabalhava sem medo.

De certa forma, esse sentimento de onipotência o beneficiava. Porém, provocava um efeito colateral. Se estava “em suas mãos” não se ferir nem ferir alguém, como conviver com aquela morte sem se culpar?

Só havia uma maneira: reconhecer que não estava somente “em suas mãos”… E conviver com o medo, trocar a culpa pelo medo.

Vamos imaginar que ele tenha cometido algum erro: teria, por exemplo, havido tempo para tirar o caminhão para o acostamento. Não o fez por não estar tão focado na estrada, por sonolência, algo assim. Seria adequado se responsabilizar por isso. Inclusive, poderia, numa atitude reparatória, tornar-se mais e mais focado, mais “acordado” para possíveis acidentes na estrada.

No entanto, culpar-se? Quem consegue ficar sempre focado? Ninguém, é claro. Ninguém é, de fato, infalivelmente onipotente. Assumindo nossa limitação, não vamos esperar e exigir de nós mesmos o que não podemos.

Resignados com a condição humana, nossas ações serão mais realistas. Não viveremos nas “alturas” dos poderes divinos, viveremos com os pés no chão e cientes de nossas responsabilidades e de, muitas vezes, termos de realizar atitudes reparatórias. A responsabilização e a reparação servem, estas sim, para muita coisa. Já a culpa… A culpa não serve para nada.

Autor: Jorge A. Salton

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