Vacina contra a ignorância

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Desconfianças ideológicas,
assentadas apenas sobre a nacionalidade da vacina,
são inoportunas, bem como as disputas políticas internas. 
O que deve prevalecer é a luz da ciência.


A vitória de Bolsonaro foi recebida com justificada  aversão pela inteligência brasileira. Parecia impossível que uma junção do que há de mais deletério em nosso país se reunisse para levar alguém como ele  ao poder.

Mas, como escreveu o jornalista Marcos Coimbra, foi o que aconteceu aqui: juntou-se o pior da população com o pior  do empresariado, da política e da religião, em torno de uma figura  caricata.

Nazistas, supremacistas, terraplanistas, fanáticos, pervertidos, militaristas, adoradores de armas saíram do armário, levando  de  roldão  alguns  incautos.

O resultado é o que temos assistido nestes  últimos meses:  o que  era indigno  tornou-se  repugnante.  As atitudes de um político medíocre  começaram junto  com o governo, quando o presidente, recém eleito, comentou  que um de seus  filhos  poderia  ser o embaixador  em Washington. A partir de   então, os vexames multiplicaram-se.

A última estultice de Bolsonaro foi o cancelamento de forma impulsiva da compra da vacina chinesa para a covid-19, que ecoa  a irracionalidade de quem ocupa  a presidência.

O argumento foi de que a China é uma ditadura. Esquece Bolsonaro que nos primeiros nove meses  do ano, o Brasil vendeu  aos chineses  53,4 bilhões de  dólares  em produtos  nacionais, obtendo um ganho  de  29, 1 bilhões  no comércio com os chineses.  Aí não é ditadura?

A decisão, na verdade, evidencia o desprezo à vida dos brasileiros.  A preocupação de Bolsonaro resume-se na reeleição já que a decisão foi tomada diante da possibilidade de beneficiar João Dória. Assim, irresponsavelmente, Bolsonaro queimou a esperança de  compra de uma  das  vacinas mais  promissoras nos testes.

Desconfianças ideológicas, assentadas apenas sobre a nacionalidade da vacina, são inoportunas, bem como as disputas políticas internas.  O que deve prevalecer é a luz da ciência.

O governo enfatiza também que a imunização  contra  a Covid-19 não  será obrigatória.  Aí surge a questão do princípio do dano, defendido por   John Stuart Mill.  Isto é, se eu não me vacino estarei prejudicando  os  demais.

Em 1904, ocorreu entre nós a Revolta  da Vacina, durante o governo de Rodrigues Alves. A população, diante da obrigatoriedade da vacinação contra a varíola, provocou uma grande rebelião no Rio de Janeiro que acabou em grande violência. No final, a obrigatoriedade prevaleceu.  Vamos ter a repetição do  que houve no século  passado, agora  como farsa?

Diante dos vexames, estultices, da irracionalidade de um presidente que  se mostra um verdadeiro lunático, creio que precisamos urgentemente  de uma vacina  contra a ignorância.

Em 09/05/2020 já escrevíamos sobre como era previsível a situação da pandemia no Brasil com o governo Bolsonaro. Como pedir a uma parcela de 35 milhões de brasileiros que não têm água potável nem sequer  para lavar  as mãos  que se proteja do vírus? Como exigir que 13 milhões que vivem abaixo da extrema pobreza que mantenham padrões de higiene para se prevenir do covid-19? Beira ao deboche. Fica claro quem morrerá: poucos ricos e muitos pobres. E daí, dirá o presidente, cuja política econômica é voltada para os interesses da elite. Leia mais aqui.

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