Uma mulher poeta na Academia Rio-Grandense de Letras

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Marli Silveira é uma mulher poeta e professora escolhida para integrar a Academia Rio-Grandense de Letras, eleita no dia 09 de março e empossada no dia 20 de abril de 2023.

É motivo de orgulho contarmos com a participação de uma professora engajada em causas literárias e uma mulher poeta. Tem formação em Letras e Filosofia. Ingressou na literatura através da poesia e, mais tarde, avançou para ensaios através de projetos acadêmicos e de extensão.

Perguntada sobre o papel da literatura na sociedade, respondeu: “tem uma frase de Montaigne, nos seus Ensaios, que é “Filosofar é aprender a morrer”. Spinoza também vai nos dizer que o “sábio morre menos que o tolo”. Na chave da interpretação que utilizo, penso que ambos estão dizendo que quanto mais nós aprendemos a lidar com o modo de ser que é o nosso, reconhecendo nossas precariedades e limites, mais compreendemos os sentidos que alargam a nossa existência, conquistando uma espécie de “imortalidade” repercutida na e da tensão do lembrar/esquecer. E acredito que a literatura tem um papel importante nas implicações que podem traduzir a existência por caminhos menos desavisados, repactuando a vida em particular aos sentidos que se apresentam na horizontal. A filósofa Martha Nussbaum, por exemplo, não apenas reconhece o papel das humanidades na formação humana, como o quanto a literatura, em particular, pode contribuir para nos colocarmos na proximidade do outro, tornando mais porosa nossa disposição existencial”.

Com sua permissão e com sua companhia humana e intelectual, publicaremos discurso proferido no dia de sua posse, 20/04/2023.

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“Tenho me perguntado, inclusive e principalmente, pelas inúmeras interpelações e reconhecimentos, o que significa entrar para a Academia Rio-Grandense de Letras, nossa mais antiga instituição/entidade cultural e referência representativa da literatura do Estado.

Creio que ainda não tenho uma resposta definitiva, até porque a contínua participação e vivência com as demais acadêmicas e acadêmicos, apontará novos desdobramentos e alargamento do que representa ser uma “imortal”. Considero dois aspectos fundamentais: o do reconhecimento da minha trajetória e obra, e a responsabilidade inerente a minha acolhida na Academia Rio-Grandense de Letras.

Quando se é eleita para uma cadeira na Academia de Letras, no meu caso, confirma-se a obra e a trajetória da escritora, pois é improvável que alguém que não reúna ainda implicações literárias e culturais importantes, seja eleito pelos seus pares. O que não significa, é claro, que somente escritores que integrem a ARL tenham conquistado projeção e o reconhecimento pelas suas obras e vida literária. Especificamente, quando há uma disposição para ingressar na Academia, leva-se em conta a produção e reverberações do processo singular a partir do qual cada escritora/escritor se afirma no cenário estadual.

Se de um lado se apresenta como um reconhecimento, de outro, uma responsabilidade, pois também se espera de uma acadêmica, de um acadêmico, que contribuam por meio da sua produção intelectual/cultural com o desenvolvimento e a promoção da literatura, do conhecimento e da arte. Portanto, recebo minha eleição com satisfação e com compromisso, principalmente por acreditar que muitas pessoas, entre leitores, admiradores, amigos, colegas, se fazem representar pelo e no fazer literário.

Também não considero inexpressivo o fato de ser a primeira mulher da região a fazer parte da Academia, ampliando a participação feminina, como a inscrição da poesia da nossa região na ARL. Embora minha obra não se vincule a um único gênero literário, é a poeta que foi eleita para a ARL. É o sentido poético que guardo como o mais significativo de tudo aquilo que vivo e sinto hoje após a confirmação da minha literatura no cenário estadual.

Realmente é muito importante que as escritoras e escritores da nossa região, que cotidianamente afirmam a expressividade da produção literária regional, sejam considerados pelos leitores e comunidades em que vivem e escrevem, pois não devemos ignorar as implicações de termos na ARL quatro representantes do Vale do Rio Pardo. O que também nos coloca na responsabilidade reiterada de continuarmos fazendo literaturas de qualidade.

Deleuze, alinhavando seu pensamento filosófico à estética, nos faz reconhecer a importância do artista e da arte para curar a sociedade. O artista seria uma espécie de médico capaz de diagnosticar os males culturais e propor caminhos. Criar. Podemos desdobrar o conceito de criar e se ainda poderíamos falar de criação no mundo em que vivemos.

No fundo, quando recorremos à história da arte ou da produção própria da sensibilidade, percebemos que a ideia de criação é moderna, sendo pouco provável que um grego antigo chamasse de gênio um escultor (Claro que devemos lembrar que para os gregos a gênese do mundo vem do caos, não do nada). Na contínua separação com a natureza e diante da insinuação da subjetividade, transparece com mais clareza a ideia do talento, da criação humana. Independente da percepção atual do que se trata a obra de arte, e sem aprofundar a discussão, cultivamos certa esperança de que a produção da sensibilidade lide com aspectos e sentidos que não são/estão subsumidos a uma razão asséptica. Em grande medida, afirmar o gesto criador é uma forma de esticar a implicação humana para além do seu bairrismo exploratório do mundo e da vida.

Lembrando Bachelard, para quem os poetas nos fazem acreditar que os devaneios de criança devem/merecem ser recomeçados, acompanho alguns autores que assumem a importância da Literatura não apenas no que se refere ao que eu chamaria de uma gramática sentida do tempo presentificado na pronúncia do mundo, como sua condição de dispor o indivíduo na proximidade com tudo aquilo que não é ele mesmo.

A Literatura é mobilizadora de mundos, de sentidos e possibilidades. Reconheço que há limites, que há diferenças radicais inscritas nas distintas culturas, como e fundamentalmente, modos de acesso diferenciados e que implicam a experiência social. Contudo, por força da humanidade que cultivo, preciso acreditar que podemos tentar e construir caminhos mais solidários também por obra da poesia e da Literatura”.

Fotos: Divulgação/arquivo pessoal

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