Um contrato social em defesa do bem comum

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Vivemos um tempo em que soa estranho defender um contrato social que prime pelo bem comum. Nosso cenário é marcado pelo individualismo, pela competitividade, pela ganância, pelo desejo insaciável de poder e de dinheiro que caracteriza o modo de vida da grande maioria das pessoas.

Sabemos que não é possível a vida individual sem o contato com os outros, mas esquecemos que viver com os outros implica em reciprocidade, escuta, respeito, honestidade, compaixão e tantas outras virtudes que frequentemente são invocadas, mas pouquíssimas vezes são vividas e praticadas. Nossas relações com os outros, consciente ou inconscientemente, frequentemente são mercantilizadas, e quando isso acontece, tratamos os outros como objetos e não como sujeitos que precisam ser reconhecidos pelas suas singularidades. Talvez por isso seja tão estranho defender um pacto social que defenda o bem comum.

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), foi um dos filósofos que se debruçou sobre estas questão. Nascido em Genebra, foi um dos mais influentes e importantes pensadores franceses do Século XVIII no campo da política, da filosofia moral e da educação. Suas ideias foram centrais para o desenvolvimento do pensamento iluminista e para a Revolução Francesa que introduziu mudanças radicais na sociedade da época e cujas repercussões chegam até os dias atuais na forma como é compreendido o poder, as relações sociais, a infância, a desigualdade e a própria natureza humana. Rousseau foi um leitor de Locke, e como este desenvolveu uma teoria sobre a origem da sociedade a partir da ideia do contrato social.

Escreveu diversas obras dentre as quais destacam-se Discurso sobre a desigualdade entre os homens, Emílio ou da Educação, Contrato social e Confissões.  Também colaborou, elaborando o verbete “Economia Política”, com a Enciclopédia, um famoso compêndio editado em 1755 por Diderot que marcou o pensamento iluminista em diversos aspectos. Se correspondeu por diversos anos com importantes pensadores da época tais como Voltaire, D’Alembert, David Hume dentre outros. Compôs peças musicais e, quase no final da vida, dedicou-se aos estudos de botânica.

Devido as críticas que fazia à sociedade da época, foi perseguido e teve de viver por longo tempo no exílio onde pode conhecer outras culturas e difundir seu pensamento.

Ao contrário de Hobbes, que dizia que o homem por natureza é mau (“o homem é lobo do próprio homem”), o ponto de partida da filosofia de Rousseau é de que “o homem nasce bom, a sociedade o corrompe”. Inicia seu livro Contrato Social com o seguinte dizer: “o homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se acorrentado. O que se crê senhor dos demais, não deixa de ser mais escravo do que eles”. É essa escravidão que impede o ser humano de desenvolver suas potencialidades e viver uma vida digna.

A grande questão para Rousseau consiste em saber como preservar a liberdade natural do homem e ao mesmo tempo garantir as segurança e o bem-estar que a vida em sociedade pode lhe dar. Sua resposta se encontra justamente no Contrato Social.

Podemos dizer que temos em Rousseau os fundamentos das democracias modernas, pois na sua teoria do contrato social, a soberania política pertence ao conjunto dos membros da sociedade, tendo seu fundamento na vontade geral que não resulta apenas na soma da vontade de cada um.

A vontade particular e individual de cada um diz respeito a seus interesses específicos, porém, enquanto membro cidadão e membro e de uma comunidade, o indivíduo deve possuir também uma vontade que se caracteriza pela defesa do interesse coletivo, do bem comum. A educação, por sua vez, possui o papel insubstituível de constituir a formação dessa vontade geral, transformando assim o indivíduo em cidadão, membro de uma comunidade.

A valorização da experiência individual, o culto à natureza, a importância dos sentimentos e das emoções, a relação entre arte e a filosofia, a necessidade de cuidar da infância, o desafio de formar cidadãos educados para compor uma sociedade justa, a luta para superar a escravidão e a corrupção dos costumes, os pressupostos para construir um contrato social que viabilize uma sociedade decente são temáticas que compõe a extensa obra de Rousseau.

Mais de 250 anos nos separam da época em que ele viveu. Muitas transformações ocorreram na forma como se organizou a sociedade e suas distintas instituições. Ideias que eram consideradas impossíveis em sua época se tornaram realidade na sociedade contemporânea. No entanto, ainda estamos longe de construir uma sociedade, bem como estamos ainda distantes de um processo educativo compatível com os ideais propostos por Rousseau de formar um cidadão comprometido com o bem comum e a vontade geral.

Autor: Dr. Altair Alberto Fávero

Edição: A. R.

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