Apresentamos 3 livros de nossa autoria, que gostaríamos que estivessem disponíveis para quem acredita na humanização como acreditamos e acumulamos ao longo de nossas vidas.
“Memórias do Homem de Vidro – Reminiscências de um Obstetra Humanista” é o livro de abertura dessa trilogia, e trata do encontro de três colegas da turma médica alguns anos após a formatura. Nesse encontro, na cafeteira do hospital escola onde fizeram sua formação, debatem os desafios da profissão e os dilemas para a aplicação de um protocolo humanizado de assistência ao parto.
Em “Entre as Orelhas – Histórias de Parto” os três colegas voltam a se encontrar para debater questões relativas ao parto humanizado e para contar histórias de parto que transformaram suas perspectivas sobre o evento.
O terceiro livro “Viver e Conviver” é dividido em duas partes. A primeira contempla 6 décadas de conversas que tive com meu pai sobre o assunto que mais lhe apaixonou durante sua passagem por este plano: o espiritismo e suas repercussões na cultura e nos sujeitos que se deparam com suas propostas.
É um livro crítico que expõe as principais questões do “espiritismo laico”, projeto pelo qual se empenhou durante todo o percurso de sua vida adulta.
Esta primeira parte contém também minhas observações pessoais e humildes contribuições ao seu pensamento, oferecendo um olhar que mistura curiosidade e profunda admiração pela clareza e honestidade de seus pensamentos. A segunda parte do livro contém os poucos textos inéditos que deixou em vida, como testemunho de sua coerência e seu amor à verdade.
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Ricardo e Neusa foram condenados por praticarem uma obstetrícia ética, baseada em ciência e respeito às mulheres. Foram punidos “não por erro ou negligência, mas por representarem um modelo de cuidado que valoriza a autonomia feminina”.
A luta pelos direitos humanos precisa continuar e com maior intensidade. Diante de um mundo alimentado pelo ódio, pela guerra, pela violência, pela discriminação, a necessidade de realização dos direitos humanos permanece como uma das principais tarefas da educação.
Nesta última semana, Passo Fundo sediou a décima edição do Colóquio Nacional de Direitos Humanos. Com o tema “Direito ao Amor e Direito de Amar”, evento aconteceu nos dias 13, 14 e 15 — na Universidade de Passo Fundo (UPF). A programação reuniu autoridades, representantes da sociedade civil e estudantes de diversas instituições de ensino superior para discutir a defesa e o fortalecimento dos direitos humanos.
O coordenador-geral do evento, Paulo Carbonari, explicou que o tema foi escolhido para promover uma reflexão sobre as relações humanas, suas dinâmicas e os desgastes que vêm afetando negativamente a vida em comunidade. Segundo Carbonari, a proposta surgiu com o objetivo de problematizar a amorosidade como fundamento para a construção de uma sociedade mais justa.
O evento contou ainda com a entrega do Prêmio Direitos Humanos ao ex-professor da Universidade, Eldon Mühl, que atuou por mais de 46 anos na área de educação e filosofia da UPF, prêmio Personalidade. Além dele, a Associação Cultural de Mulheres Negras (ACMUN), representada pela professora Francisca Bueno, foi premiada na categoria “Instituição”.
Destacamos a fala do professor Eldon Henrique Mühl, que assim se manifestou aos presentes.
Senhor Presidente da Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo, Ésio Francisco Salvetti.
Autoridades e representantes de organizações mencionados pelo protocolo.
Estimados membros e associados da CDHPF.
Estimados colegas da Universidade de Passo Fundo e de outras instituições.
Caros professores, alunos e participantes deste X Colóquio Nacional de Direitos Humanos de Passo Fundo
“Quero iniciar expressando minha alegria pelo recebimento deste prêmio e agradeço à Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo por esta homenagem. Foi com surpresa que recebi a indicação e confesso que fiquei muito angustiado pela responsabilidade que tal distinção exige. Entendo que uma distinção como esta não é resultado de mérito unicamente pessoal, mas fruto de compartilhamentos de preocupações e lutas com pessoas comprometidas com a causa comum dos direitos humanos e da educação libertadora.
Fui sendo formado, desde a infância, em me sentir responsável por uma relação de respeito e de acolhimento dos outros. Ainda que tenha crescido que em um ambiente de muitas dificuldades, de predominância de visões machistas e autoritárias, aprendi de meus familiares, especialmente de minha mãe, a importância da convivência solidária e de respeito aos outros.
Esta formação foi se solidificando pela educação recebida nos seminários da Congregação da Sagrada Família, em que vivi dos 11 aos 24 anos. O seminário, mesmo tendo um ambiente rigoroso, disciplinador, patriarcal, possibilitou uma convivência fraterna e compartilhada com muitos colegas.
Sob a influência das primeiras lições da Teologia da Libertação e de algumas experiências com professores e colegas que alimentavam críticas ao regime militar vigente no Brasil, senti-me desafiado a compreender a importância da liberdade e da democracia e a me preocupar com as questões sociais, especialmente com a pobreza. No período final de minha vinculação com a congregação, tive a oportunidade de conviver com um Padre Roque Zimmermann, que foi um dos principais incentivadores de uma formação voltada às questões sociais e políticas e um dos responsáveis pela criação da Comissão dos Direitos Humanos de Passo Fundo. Meu reconhecimento e agradecimento à Congregação da Sagrada Família.
Outra instituição a quem devo reconhecimento pela minha formação é a Universidade de Passo Fundo, especialmente à Faculdade de Educação e ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, que atualmente integram o IHCEC. A oportunidade de atuar como coordenador do Centro Regional de Educação, como professor e como gestor, possibilitou-me a convivência como inúmeros mestres e com diversos projetos diretamente atrelados às questões de direitos humanos e de educação em direitos humanos.
Uma importante referência desta minha experiência, não posso deixar de mencionar: Professor Elli Benincá. Sua capacidade pedagógica, sua disposição permanente ao diálogo, seu poder de acolhimento e sua amorosidade foram marcantes na formação minha e de inúmeros colegas. Sua luta pelos oprimidos, pelos indígenas, pelos sem-terra, pelos injustiçados, marcou a vida de muitos educandos e educadores.
Quero expressar também meu reconhecimento e agradecer o apoio do Programa de Pós-Graduação em Educação, cujos colegas e alunos ofereceram uma convivência acolhedora e amiga e oportunizaram a realização de muitas pesquisas e atividades relacionados aos direitos humanos, especialmente à educação em direitos humanos, ao feminismo, a questões étnico-raciais, problemas ambientais, justiça social, dentre outros.
Compartilho esta homenagem também com os colegas do Centro de Educação e Assessoramento Popular, cuja luta pela educação popular e, especialmente, pela efetivação do direito humano à saúde, vem se revelando como um dos maiores desafios em uma sociedade cada vez mais competitiva e mercadológica.
Não posso deixar de agradecer e compartilhar este momento com minhas filhas, Sofia, Julia, Vivian e Ângela, de saudosa memória, e meu filho Leonardo. Minha gratidão especial a minha esposa Elisa, uma das responsáveis principais pelo meu envolvimento com a questão da educação em direitos humanos. Que a amorosidade continue a alimentar nossas vidas.
Por fim agradeço, especialmente, à Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo e a todos que criaram a mantiveram esta importante entidade na região. Destaco todo o apoio e a amizade do Paulo Carbonari e dos colegas do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação em Direitos Humanos, que desenvolveu suas atividades por mais de 10 anos.
A luta pelos direitos humanos precisa continuar e com maior intensidade. Diante de um mundo alimentado pelo ódio, pela guerra, pela violência, pela discriminação, a necessidade de realização dos direitos humanos permanece como uma das principais tarefas da educação. Ainda estamos precisando aprender a amar e, por isso, ainda precisamos lutar pela realização dos direitos que nos torna amorosos. Afinal, como afirmo Bell Hooks, o amor é o que nos faz seres humanos.
É urgente que se pare de pensar e acusar as universidades de má formação de professores, de culpar os docentes pela desmotivação, de apontar supostos problemas metodológicos e didáticos-pedagógicos, de ignorar as reivindicações dos profissionais de educação e do excesso de greves, de supor falta de domínio e conhecimento de tecnologias educacionais ou de desinteresse dos estudantes.
O Censo Escolar da Educação Básica de 2024, divulgado no mês de abril, confirma um histórico e estrutural dilema educacional brasileiro que persiste: o “arcaísmo” da escola brasileira – que é de fundo institucional – enquanto privilégio de pouco na ascensão social e na formação dos “privilegiados”.
Segundo Florestan Fernandes o sistema educacional brasileiro abrange instituições escolares que não se ajustam, nem qualitativa nem quantitativamente, a necessidades educacionais prementes, que são compartilhadas em escala nacional ou que variam de uma região para outra do país. Daí ser urgente e vital alterar a estrutura, o funcionamento e o modo de integração das instituições (Fernandes, 1976).
Entre vários fatores os educadores destacam a polarização entre a escola pública e a privada tem, como divisor de águas, o Estado que, em sua acepção, deveria gozar de autonomia para estruturar a educação pública.
Os interesses coletivos estão subjugados aos interesses privados e, onde o Estado se omite e não impõe o interesse da coletividade. O livre jogo dos comportamentos espontâneos revela-se, em regra, incapaz de promover as políticas educacionais necessárias e desejáveis para o conjunto da população.
Em âmbito nacional, o Censo Escolar de 2024, registrou 47,1 milhões de matrículas nas 179,3 mil escolas de educação básica no Brasil, cerca de 216 mil matrículas a menos em comparação com o ano de 2023. Essa leve queda é reflexo do recuo de 0,8% observado no último ano na matrícula da rede pública, que passou de 37,9 milhões em 2023 para 37,6 milhões em 2024 e que não foi “compensado” pelo aumento na rede privada, que passou de 9,4 milhões para 9,5 milhões de matrículas
As matrículas estão distribuídas nas diversas redes de ensino. As redes municipais detêm 49,1% das matrículas na educação básica, enquanto as redes estaduais representam 29,8% das matrículas. Por outro lado, a rede privada conta com 20,2% e a federal tem uma participação inferior a 1% do total de matrículas. Somente a rede privada apresentou um crescimento de 0,3 p.p. em 2024 se comparado a 2023. Porém, a lógica privatização não ocorre somente pelas matrículas, mas por variadas estratégias político-pedagógicas, curriculares e parcerias público privadas (PPPs).
A distorção idade-série e outro indicador preocupante. O censo 2024 apontou que esta distorção alcança 15,7% das matrículas dos anos finais do ensino fundamental e 17,8% das matrículas do ensino médio. Além disso, a proporção de alunos do sexo masculino com defasagem de idade em relação a etapa que cursam é maior do que a do sexo feminino em todas as etapas de ensino.
As matrículas no Ensino Médio (EM) continuam sendo o maior desafio brasileiro. Em 2024, foram registradas 7,8 milhões de matrículas, um aumento de 1,5% em relação ao ano anterior; no entanto, é ainda inferior à matrícula observada em 2022.
Estas matrículas estão assim distribuídas: a rede estadual possui a maior participação: com 83,1%, seguida pela rede privada (13,3%) e a rede federal possui 243,6 mil matrículas, o que corresponde a 3,1% do total.
Salas de aula mais vazias no RS
O Censo Escolar 2024 traz informações preocupantes para o Estado do Rio Grande do Sul e que se agravam desde 2015. São dados educacionais que requerem análises aprofundadas, com a participação dos segmentos escolares e pesquisadores em educação.
Porém, o resultado do censo, divulgado pelo Ministério da Educação (MEC), indica que:
– O Estado do RS registrou uma redução de 44,3 mil alunos matriculados na Educação Básica. É o equivalente a uma redução de 2% ante 2023;
– No Ensino Médio ocorreu mais uma diminuição nas matrículas no RS de 5,2%, na contramão do crescimento nacional e de outros estados;
– Santa Catarina e Paraná tiveram o segundo e o terceiro maior aumento de estudantes no recorte – que inclui Educação Infantil e os ensinos Fundamental e Médio das redes privadas, municipais, do Estado e federal;
– Na Educação Profissional, enquanto entidades empresariais reclamam da escassez de mão de obra qualificada, o estadão do RS, também apresentou uma queda de 4%. Já no Brasil as matrículas cresceram de 6,7%;
– A elevada evasão na etapa final da Educação Básica é uma realidade reincidente no Rio Grande do Sul, mesmo com o Programa Todo Jovem na Escola desde 2021;
– Na Educação Básica da rede estadual tinha, em 2019, 838.776 estudantes matriculados, número que caiu para 694.664 em 2024, o que representa uma redução de 17,2% (menos 144 mil alunos);
– No Ensino Médio, o dado mais grave está na queda registrada somente entre 2023 e 2024: uma perda de quase 17 mil alunos em apenas um ano, o que representa um recuo de 6%;
– Registra-se, também, entre 2019 e 2024 uma com redução de 153 escolas estaduais: de 2.471 unidades em 2019 para 2.318 em 2024, o que representa uma diminuição de aproximadamente 6,2%. Esta diminuição escolas representa, por sua vez, uma redução de 3.114 turmas ou cerca de 8,1%;
– Entre 2019 e 2024, observa-se uma tendência geral de queda no número de docentes da Educação Básica da rede estadual do Rio Grande do Sul. Em 2019, o estado contava com 40.116 professores, número que diminuiu gradualmente nos anos seguintes, atingindo 37.538 em 2024 — uma redução total de 2.578 docentes, equivalente a uma queda de aproximadamente 6,4% no período;
– Além disso, notou-se que as modalidades de contratos precários dos docentes na rede estadual do Rio Grande do Sul, em 2024, atingiram 60,9% dos docentes;
– O dado de 2024, em comparação com 2023, revelam uma redução de quase 8 mil matrículas na EJA da rede estadual. Desde 2019, a queda já chega a 46.827 matrículas, o que representa uma retração de 65,3% no número de estudantes atendidos;
– O Estado do RS é, também, é o segundo pior na oferta de Educação Integral do Brasil.
Enfim, em todos os níveis e modalidades, da educação infantil, das creches ao ensino fundamental e ensino médio, da educação de jovens de adultos (EJA) à educação profissional, o estado do RS apresenta redução drástica de matrículas, fechamento de escolas e precarização/destruição da carreira docente pública estadual.
Este cenário da educação básica gaúcha não exclusividade da rede estadual. Nas últimas avaliações do IDEB, a rede privada pouco diferenciou-se das redes públicas, ou seja, mesmo com investimento mais elevado dos pais, o desempenho dos estudantes no ensino e na aprendizagem das diversas redes muito se assemelham.
E, a capital do RS – Porto Alegre – tem o pior índice do país de estudantes que concluem o Ensino Fundamental com aprendizagem adequada, conforme análises da ONG Todos Pela Educação, que abrangeu as cidades brasileiras com mais de 500 mil habitantes. Dos 32 municípios com mais de 500 mil habitantes existentes no Brasil, que têm ao menos 20% das matrículas de Anos Finais na rede municipal, a capital gaúcha apresentou os piores índices tanto em língua portuguesa bem como em matemática.
Todo este mau desempenho não se dá por mera coincidência, mas em decorrência das diversas reformas educacionais na educação básica das últimas três décadas, especialmente as operadas a partir de 2016 – entre elas a BNCC e o NEM, desencadeia-se uma intensa disputa pelo grande mercado da educação, particularmente a educação profissional e o ensino médio, por meio da flexibilização curricular, parcerias com setor privado mediante a introdução de reformas empresariais conservadoras, da educação à distância, da redução de concursos públicos e o aumento exponencial de contratos temporários e emergenciais em muitas redes estaduais e municipais, como é o caso do RS e da Porto Alegre.
É urgente que se pare de pensar e acusar as universidades de má formação de professores, de culpar os docentes pela desmotivação, de apontar supostos problemas metodológicos e didáticos-pedagógicos, de ignorar as reivindicações dos profissionais de educação e do excesso de greves, de supor falta de domínio e conhecimento de tecnologias educacionais ou de desinteresse dos estudantes.
O Rio Grande do Sul e Porto Alegre possuem as melhores Universidades públicas federais e públicas comunitárias do país, pesquisadores e professores qualificados com graduação e pós-graduação, com estudantes e jovens interessados e com espírito inovador.
O que nos falta é valorização da carreira, melhores salários, escolas com melhor infraestrutura (bibliotecas, laboratórios e espaços de convivência e aprendizagem), investimento no ensino pela pesquisa, prioridade de investimentos em Educação, Ciência & Tecnologia e u trabalho em conjunto com as Instituições de Ensino Superior (IES) do Estado e Entidades Educacionais e Científicas.
O Estado precisa ser um defensor da escola pública e liderança construtiva de um movimento unitário em defesa da educação pública, trabalhando em cooperação com os 497 municípios, valorizando todos os educadores (professores e funcionários de escolas), efetivando investimento integral dos recursos previstos na Constituição Estadual em Educação e C&T, dialogando com as comunidades escolares, com todos os segmentos da sociedade, com os jovens e estudantes.
Os diversos movimentos internacionais, nacionais e regionais de negação da ciência, da cultura, da educação e da crise ambiental; os discursos e a propagação de ideias em prol da extinção de departamentos e ministérios da educação; os programas das escolas cívico-militares; os defensores das escolas domiciliares; a precarização das escolas públicas; a redução de investimentos na educação; ataques e violências praticadas contra escolas, professores e estudantes; restrições à liberdade de cátedra e a liberdade de ensinar e aprender configuram uma CONSPIRAÇÃO CONTRA A EDUCAÇÃO E A ESCOLA PÚBLICA que, no caso brasileiro, é uma constante histórica.
Referencias:
FERNANDES, Florestan. Educação e sociedade no Brasil. São Paulo, Dominus/Edusp, 1966.
__________. O desafio educacional. São Paulo, Cortez, 1989.
FREITAS, Luiz Carlos. A reforma empresarial da educação: nova direita, velhas ideias. São Paulo: Expressão Popular, 2018. Disponível em: <https://static.poder360.com.br/2023/12/a-reforma-empresarial-da-educaao-nova-direita-velhas-ideias.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2025.
TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio. 6 ed. comentada por Marisa Cassim. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1994
A experiência pedagógica que vivemos com esta turma da Fase, enfocando a educação da dimensão espiritual da inteligência, nas aulas de Inglês, foi uma das mais gratificantes que tivemos no magistério. Nós educadores temos muito ainda a aprender sobre a alma humana, pois lidamos diariamente com ela e não a compreendemos totalmente.
Estávamos encerrando ciclo de palestras na região serrana do Estado do Rio de Janeiro, em abril último (2025), quando, nos momentos finais do almoço de despedida gentilmente oferecido a nós, na cidade de Conceição de Macabu. Nesta oportunidade, veio conversar conosco jovem professor de Geografia relatando a dificuldade que encontrava em interessar os seus alunos da 6º, 7º, 8º e 9º anos da Educação Fundamental em suas aulas e, que já tinha, sem sucesso, tentados várias estratégias para envolvê-los.
Conversamos rapidamente, pois não dispúnhamos de muito tempo, oferecemos algumas sugestões e nos despedimos. Refleti sobre esta questão na viagem de retorno a Porto Alegre. Consegui o e-mail deste jovem colega e me propus oferecer-lhe mais esclarecimentos sobre a questão de motivar os alunos para a aprendizagem dos conteúdos do componente curricular trabalhado por ele.
Este fato lembrou-me da experiência que vivi, em 2003, como professora da Escola Tom Jobim, que funciona dentro do complexo da Fundação Sócio Educativa (FASE), em Porto Alegre, onde adolescentes infratores da Lei são cerceados de liberdade para se ressocializarem. Lecionávamos as disciplinas das Áreas Humanas: História, Geografia, e Ensino Religioso. As salas de aula eram dentro das Unidades, três masculinas e uma feminina. Cada turma podia ter, no máximo, dez alunos, com um monitor junto à porta, observando o comportamento dos alunos na sala de aula.
Numa turma de uma das Unidades ocorreu um problema sério, pois aproximava-se o encerramento do ano letivo e esta turma não poderia concluir o Ensino Fundamental, pois a disciplina Inglês não tinha atingido a carga horária legal necessária pois cinco professores já haviam desistido de dar as aulas por causa do comportamento inadequado dos dez alunos.
A Secretaria de Educação informou à direção da escola que não havia mais nenhum professor de Inglês disponível para enviar à escola. A diretora da escola, pessoa altamente competente e comprometida, aflita, conversou conosco, pois sabia que tínhamos titulação para lecionar Inglês e nos propôs que aceitássemos o desafio de assumir esta turma, uma vez que seria fácil conseguir professor que me substituísse nas disciplinas da área humana, na qual lecionávamos. Era o ano 2003.
Aceito o novo desafio, fomos nos preparar para organizar o planejamento das aulas para completar a carga horária necessária que teria que ocorrer de forma intensiva para cumprir as exigências legais e os alunos pudessem completar seus currículos.
Ao analisar os planejamentos anteriores e as atividades feitas pelos professores, percebemos que a proposta pedagógica, que estava em voga para ensinar Língua Inglesa não poderia ter sentido para esses alunos uma vez que os textos dos livros didáticos adotados apresentavam uma realidade totalmente diferente da vivida por eles. Não tinha significado para eles pois, refletiam o meio de vida norte americano. Viva Paulo Freire!
Sempre buscamos, em nossa atividade profissional, nos inteirar das pesquisas científicas sobre como se realiza a aprendizagem, como ensinar despertando a curiosidade, o interesse do aluno em aprender, quais os recursos didáticos mais desafiantes para os alunos, buscando sempre aperfeiçoar nossa performance em sala de aula.
Um dos temas que mais pesquisávamos era sobre as dimensões da inteligência geral do ser humano: a inteligência intelectual com base em Alfred Binet, no início do século passado; as inteligências múltiplas, a partir das pesquisas de Haward Gardner, em 1983; as informações sobre a inteligência emocional, estudo capitaneado por Daniel Goleman, em 1995; os estudos do psicólogo Robert Coles, em 1997 que aprofundou as questões sobre a inteligência moral.
Na época que tivemos que assumir o desafio de lecionar Língua Inglesa para aquele grupo considerado muito difícil, estávamos acompanhando atentamente as pesquisas recentes (ano 2000) da filósofa e psicóloga Danah Zohar, do psicólogo Ian Marshall e Richard Wolman sobre a inteligência espiritual, baseadas nas descobertas da neurociência sobre a localização, no cérebro humano, do ponto de Deus. A dimensão espiritual da inteligência quando estimulada a se desenvolver, proporciona a capacidade de ser mais flexível, de enfrentar o sofrimento com equilíbrio, de ser inspirado pelos valores espirituais, de relutar em causar danos aos outros, de auto questionar-se e encontrar alegria de viver.
Com a orientação destas informações, encontramos embasamento para tentar estimular a espiritualidade básica que faz parte do âmago do ser de cada pessoa, nos alunos. Desta forma, resolvemos alterar a proposta didática do ensino do Inglês para aquela turma e organizamos novo planejamento para o trabalho docente. Enfrentamos a “gozação” dos colegas, na sala dos professores que nos sugeriram que ensinássemos os alunos a assaltar em Inglês… E, no momento inicial da primeira aula, a reação negativa da turma, segundo argumentaram eles, nós seríamos a próxima professora a ir embora. Expliquei, rapidamente, como trabalharíamos e pedi que todos copiassem do quadro pequena frase em Inglês para, em seguida ser traduzida para o Português. Escrevi: – GOD, HELP US. GIVE US YOUR PEACE! Abaixo coloquei o significado do vocabulário para que eles traduzissem a frase para o Português: DEUS, AJUDA-NOS. DÁ-NOS A TUA PAZ.
Foi um impacto. Fiquei perplexa com efeito da palavra Deus em cada um dos dez alunos e do monitor que estava à porta. A seguir, com a atenção de todos, expliquei como seriam as nossas aulas, parte com estudo da gramática seguida de pequenos textos para serem traduzidos, trabalhando a fluência da Língua Inglesa. No decorrer das aulas até a prece do Pai Nosso em Inglês foi vertido para nosso idioma.
A cada aula iniciávamos com frases que continham a palavra “God”. Foram três meses de trabalho intensivo para recuperar a carga horária perdida. De modo geral, sempre era difícil para os monitores convencerem os alunos a entrar em sala de aula de qualquer disciplina. Em cada aula só podia participar dez alunos.
Com o passar dos dias, quando nos dirigíamos para a sala de aula, muitas vezes, mais de dois ou três alunos brigavam com os monitores porque queriam assistir as aulas de Inglês e não podiam, pois a classe já estava completa. Para amenizar a situação, nos pedíamos para a porta da aula ficar aberta e os que não podiam entrar, pois não eram do grupo, assistiam do lado de fora, no corredor, nós, naturalmente interagíamos com eles também.
Os colegas professores ficavam surpresos pela acolhida calorosa, com frases em Inglês, dita pelos meus alunos quando nós entravamos na Unidade e eles estavam jogando futebol na cancha central. Foi uma verdadeira revolução na escola, para minha satisfação pessoal.
Na aula que planejáramos trabalhar com vocabulário sobre a família e o uso dos verbos TO BE e TO HAVE, iniciamos, colocando no quadro: THE UNIVERSAL FAMILY; a seguir, GOD IS OUR FATHER. WE ARE ALL BROTHERS. Deus é nosso Pai. Somos todos irmãos. Feita a tradução e a conversa sobre esta informação, passamos ao momento seguinte: THE HUMAN FAMILY, a família humana. Eles fizeram frases, em Inglês sobre suas famílias e encerramos a aula.
Enquanto saíam, fomos apagar o quadro, quando percebemos que um dos alunos, jovem de 17 anos, estava junto a mim, cabisbaixo, chorando. Perguntei a ele se precisava de mais alguma explicação. Me olhou nos olhos e respondeu: – “Professora eu nunca disse para ninguém a palavra pai e agora a senhora me ensinou que eu tenho um pai, que Deus é meu Pai”.
Pedi licença ao monitor e fiquei mais alguns minutos com ele que me narrou sua vida. Acalmou-se, aliviado e feliz com a notícia, sendo, em seguida, levado ao refeitório pelo monitor, pois já era hora do almoço. Dentro do tempo previsto conseguimos recuperar a carga horária necessária e todos concluíram o Ensino Fundamental.
A experiência que vivemos com esta turma da Fase, enfocando a educação da dimensão espiritual da inteligência, nas aulas de Inglês, foi uma das mais gratificantes que tivemos no magistério. Nós educadores temos muito ainda a aprender sobre a alma humana, pois lidamos diariamente com ela e não a compreendemos totalmente.
Estamos organizando algumas sugestões para enviar ao jovem professor de Geografia para que seus alunos fiquem mais interessados e participativos para conhecer a grafia da Terra, deste nosso lindo Planeta.
Epílogo do recado aos queridos colegas professores: não importa o componente curricular que lecionem, mas, não esqueçam de, nas suas aulas, acessarem todas as dimensões da inteligência geral de seus alunos, especialmente a dimensão da espiritualidade básica. Iniciem seus encontros com um incentivo que provoque uma reflexão sobre o verdadeiro sentido da vida de cada um. O estímulo para os alunos desenvolverem a inteligência espiritual vai ajudá-los a criar conexões de sentido e significado entre todas as coisas, gradativamente eles vão aprender a viver de forma mais harmônica, com empatia e compaixão, respeitando os diferentes. Vão tendo mais autonomia, independência, sendo questionadores, adaptando-se, com equilíbrio, às novas situações, aprendendo a focar o que é essencial. Vale a pena tentar.
Caro leitor! Achas que esse sentimento deveria ser temido? Convido-te a deixar sua resposta nos comentários.
Dedico esse texto da minha aluna Isabel Vieira Gomes – estudante do Colégio Tiradentes da Brigada Militar de Passo Fundo – para mim mesma e para aquelas pessoas que tiveram medo de amar, que tantas vezes o medo lhe acompanhou e ao invés de identificá-lo como um possível aviso, resolveu vê-lo como uma profecia do futuro. Peço desculpas se minhas palavras são rudes, mas não abrace seus medos: enfrente-os. Amar significa apreciar o valor das coisas, principalmente ligadas a outras pessoas. Se disponha a amar. Esse sentimento não deve ser temido. Simplesmente deve ser vivido.
A singela poesia
“Por esses dias de sol radiante e risos ao meu redor, questionei-me sobre todas as coisas que ocorrem debaixo do céu. Observei as pessoas e seus hábitos tediantes, analisei com um olhar crítico cada uma de suas características em busca de estopim para a quebra de suas rotinas. Nada, absolutamente.
Frustrada, sentei-me em um banco da praça e abri o meu livro. Ao redor de mim haviam os gritos das crianças no parque, animadas e com uma alegria que com o tempo é perdida, cujo motivo ainda me intriga.
Vi também uma rosa, da qual a beleza ganhou a minha atenção. Era linda e seu doce perfume era cativante, de modo que meus olhos não conseguiam parar de admirar a sua formosura.
Ao lado da rosa notei também uma abelha que sussurrava palavras tão doces quanto o próprio mel, a cada troca de olhares, grandes melodias e poemas de amor queimavam nas pétalas da bela flor.
A abelha, cheia de paixão, expressava o quão enamorada estava com cantigas de amor. A rosa, muito tímida, apesar de amar a abelha, temia que seus espinhos pudessem machucá-la, deixando assim o amor de lado. A apaixonada, por sua vez, temia espetar as lindas pétalas com o seu ferrão. Também temia que esta se convencesse a abandoná-la.
Ambas não se aproximavam, pois o receio de machucar uma a outra era, às vezes, era maior que o próprio amor.
A verdade é que esses amantes jamais saberiam o que acontecerá caso se toquem em forma de um beijo ou em um singelo abraço, portanto, escondiam seus pensamentos um do outro, dando espaço para o silêncio. Silêncio que, com o tempo, foi preenchido pelo vazio.
Ah, como era lindo o amor. Uma pena que, por deixarem de cantar as serenatas dos próprios sentimentos, não somente de amor, acabaram permitindo que o espinho da decepção as espetassem lentamente”.
Autora: Isabel Vieira Gomes – estudante do Colégio Tiradentes da Brigada Militar de Passo Fundo.
Repercutimos no site importante matéria do CONIB, Conselho Israelita do Brasil, feita com Berel Natan Engelman, líder religioso da Comunidade Judaica em Passo Fundo e região. Engelman já foi também entrevistado pelo site em outra oportunidade.
Presidente da Sociedade Israelita de Passo Fundo e líder espiritual, Berel Natan Engelman fala ao Histórias Reais da CONIB sobre a sua atuação na comunidade e o legado deixado na região pelos primeiros imigrantes que chegaram ao sul do Brasil vindos, principalmente, de países do Leste Europeu, da Rússia e da Ucrânia.
“Os jovens precisam estar imbuídos de um sentimento único de continuidade, de pertencimento, terem em mente que lá atrás muitos dos judeus que aqui chegaram também eram jovens. Que os novos jovens possam usar os bons exemplos para se inspirar, produzir projetos inovadores e zelar pela memória e pelo legado deixado em diversos âmbitos, numa época de poucos recursos – muito diferente de hoje em dia em que tudo parece mais fácil e com mais possibilidades e tecnologias disponíveis”.
Minha família de ambos os lados é de origem judaica. Meus avós paternos eram de origem polonesa e, por parte de mãe, tem russos e ucranianos. Convivi por 15 anos com a comunidade judaica de Curitiba e retornei a Passo Fundo com minha esposa em setembro de 1994. E, sem grandes pretensões, acabei assumindo como líder espiritual da comunidade de Passo Fundo. E aí já se vão 31 anos à frente da comunidade. Hoje, também faço parte da Chevra Kadisha e estou atualmente como presidente da União Israelita de Passo Fundo.
A imigração judaica em Passo Fundo
Os primeiros judeus oriundos da Europa vieram em 1912. Se estabeleceram em Passo Fundo, atuando principalmente no comércio, atividade que já mantinham na Europa. Aqui, em Passo Fundo, eles abriram lojas, com diversos produtos e de prestação de serviços. Os pais sempre incentivando os filhos a estudar e, no momento em que chegava a hora de cursarem uma faculdade, estes acabavam indo para Porto Alegre. Muitos descendentes desses imigrantes estão espalhados pelo Brasil, Israel e muitos outros lugares.
A comunidade de Passo Fundo
Nos primeiros dez anos de chegada dos imigrantes, os judeus de Passo Fundo faziam uma ponte com os judeus de Quatro Irmãos e Região, que abrigava uma colônia polonesa. Naquela ocasião, a cidade de Passo Fundo não estava tão organizada como comunidade. Então lá, em Quatro Irmãos, eles participavam de eventos religiosos e, nas ocasiões de falecimentos, alguns eram sepultados no cemitério israelita de Quatro Irmãos. Isso ocorria em 1912, quando chegaram os primeiros judeus oriundos do Leste Europeu, principalmente da Polônia.
Já em 1922, dez anos depois, eles adquiriram uma área central e lá construíram uma sinagoga. No mesmo espaço, um anexo, passou a funcionar uma escola, um salão de festas e, assim, foi se fortalecendo a Kehilá de Passo Fundo. Mas desde o início do século passado, após o falecimento de um judeu de Passo Fundo, a comunidade se mobilizou para construir um cemitério judaico no local. Como a prefeitura se recusou a doar uma área, os judeus se uniram e compraram um local. Então, em 1924, dois anos após a construção da sinagoga, foi inaugurado o cemitério israelita de Passo Fundo.
Quando falamos em projetos futuros pensamos nos mais jovens para dar continuidade a todas essas conquistas, como a preservação de nossa cultura, da religião e do nosso patrimônio, que são a sinagoga e o cemitério israelita, que já existem há mais de um século e que estão muito bem cuidados e preservados, embora sabendo que muitos jovens certamente buscarão centros urbanos maiores, em busca de oportunidades.
Berel Natan Engelman, em atividade com estudantes da rede municipal de Passo Fundo, RS.
Colônia judaica da região
Atualmente, muitas pessoas estão visitando a cidade de Quatro Irmãos, Erechim e outros municípios onde os primeiros imigrantes judeus se estabeleceram, formando a Colônia de Quatro Irmãos. Penso que a consolidação do desenvolvimento brasileiro se deu em grande parte com as imigrações ocorridas durante o século XIX e início do século XX, que foram fundamentais especialmente para as regiões sul e sudeste. Vale lembrar, porém, que os judeus estão presentes desde o descobrimento do Brasil, com a chegada de Pedro Álvares Cabral e dos cristãos novos que aqui chegaram fugindo de perseguições e das conversões forçadas em países europeus. Não podemos esquecer dos judeus que desembarcaram no Nordeste, especialmente em Recife, com Mauricio de Nassau, e dos que imigraram para a região amazônica.
A imigração judaica no Sul foi mais organizada e se formou em colônias, numa espécie de incubadora de pessoas que se adaptaram ao País, formando famílias e criando descendentes que foram expandindo os negócios em várias áreas.
Com isso, podemos dizer que a imigração judaica a partir da Colônia de Quatro Irmãos também fez parte da formação da sociedade brasileira, atuando de forma efetiva em vários campos, como comércio, indústria, área financeira, na comunicação, saúde, entre tantas outras. Podemos até dizer que a colônia é um modelo de startup porque lá foi fundado o primeiro hospital rural do Brasil, o Leonardo Cohen, e também a primeira cooperativa de energia elétrica do País, que passou a gerar energia própria, ao invés de esperar pelo serviço público. Então, citando esses dois modelos, podemos dizer que a colônia foi muito empreendedora e pioneira, repassando essas inciativas a seus descendentes, que as aprimoraram e expandiram. E isso reflete um pouco do que é Israel hoje em dia, do ponto de vista do empreendedorismo.
Podemos dizer também que que os judeus estão em Passo Fundo há 70% do tempo de existência do município.
Então quando falamos de comunidade estamos falando de Passo Fundo e Erechim, às quais estamos atrelados de alguma forma, através de mútua cooperação que vem crescendo nesses últimos anos. Em Quatro Irmãos, onde está situado o cemitério israelita, assim como o Hospital Leonardo Cohen, que foi transformado em museu, é Erechim que tem os maiores cuidados com esses dois patrimônios.
Julio Gartner, sobrevivente dos campos de concentração da Alemanha nazista, revisita os cenários do genocídio acompanhado por Marina Kagan, jovem com a mesma idade que ele tinha na época da Segunda Guerra. Uma conversa entre passado e presente, tendo como tema os horrores do Holocausto.
Não serei poeta de um mundo caduco. /Também não cantarei o mundo futuro./Estou preso à vida e olho meus companheiros. /Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças. Mas e o humor! (Carlos Drummond de Andrade)
(Por Eládio Vilmar Weschenfelder)
Até o início da adolescência, Wherther Brado viveu nas veredas do rio Uruguai, fronteira com a Argentina. Eventualmente, seu pai o levava para a outra margem. As lanchas iam e vinham lotadas com brasileiros e produtos de consumo muito baratos, como azeite de oliva, farinha de trigo, Licor de los 8 Hermanos, pão de gajeta, alfajores, croissants, vinhos, entre otras cosas no más. O pai se justificava:
– A farinha argentina é coisa fina, meu filho!
Na outra margem do rio Uruguai, havia semelhanças e diferenças entre as Línguas Portuguesa e Espanhola, considerando, por tabela, costumes, temperos, aromas, ritmos musicais e danças. Os bailes e jogos de futebol, tanto do lado de lá, como de cá, pareciam batalhas. Melhor era não ir e andar pelas veredas de cá.
Ainda menino, Wherther se deleitava, ouvindo as potentes emissoras radiofônicas uruguaias e argentinas, em especial a Rádio Nacional Buenos Aires 870 AM. Diziam que suas ondas vinham pelo grande rio Uruguai. E como vinham! Eram de natureza esportiva, política, cultural e religiosa. Ouviam-se esportistas, peronistas, generais, padres e pastores. Assim o curioso Wherther conheceu termos como tango, chamamés, milongas, bandoneon, descamisados e nomes como Carlos Gardel, Juan Perón, Evita, Che Guevara, Malvinas! E tudo valia a pena.
Nascido no Vale das Borboletas Multicores, Wherther vivenciou um verdadeiro divisor de águas temáticas: disputas eleitorais e polêmicas religiosas. Não sabia quem dominava a situação, se os políticos ou religiosos. Lembra que em 1963, depois de uma fumacinha branca na Capela Sistina, o eleito foi o Papa João XXIII. A mãe dele tinha por sobrenome Montini. Festa do Vale das Borboletas, especialmente entre os familiares. Tanto foi que, na escolinha rural, colegas do Wherther eram tratados como santinhos. Mas quê!
Metido a Blau Nunes, Wherther gravou tudo na memória. Lembra que até cães e gatos eram nominados como Jango, Brizola, Vassourinha (Jânio Quadros), João XXIII, JK, Evita, Coronel Peracchi, Padre Galas, dentre tantos outros.
Nada ficou a descoberto. O morador Felizberto, por exemplo, pelo contexto político, tornou-se o “espião de dupla face”. Anotava a cor das fumaças das chaminés para classificar seus residentes de acordo com as tendências políticas: direita ou esquerda; santos ou pecadores. Divino e demoníaco, o xereta foi ameaçado de excomunhão pelo Bispo, preso e torturado por ordem do Interventor Federal. Suicidou-se em agosto. Os arquivos da época foram levados pela grande Enchente de São Miguel. O julgamento popular foi taxativo:
– Felizberto sabia demais.
O Padre não quis que o sepultassem no cemitério do Vale das Borboletas Multicores. Reunião para cá, confusão para lá e, em consideração à esposa, aos filhos e aos parentes, foi velado num galpão e sepultado no fundão do cemitério. Contrariado, o Padre perdeu o crédito e nunca mais foi encontrado. Antes de bater a porta da sacristia, ouviu-se um brado retumbante:
– Sepulcros caiados! Danados ateus e hipócritas!
Impactados pelos insultos, todos ficaram inertes. Contudo, ao final daquela tarde, trovões, relâmpagos e fortes ventos com granizo, vindos da Argentina, arrasaram as plantações do Felizberto. Lá também as ondas da ditadura ceifaram a vida de muitos portenhos. Dizem que um tal de Pe. Jorge Mario protegeu, visitou e escondeu os perseguidos. As Madres da Praça de Maio ainda procuram os desaparecidos.
O interfone tocou. Correios! Carta registrada com um convite para um chique casamento em Buenos Aires. Tudo nas dependências do Hotel Faena, bairro Puerto Madero, em outubro de 2012. Wherther foi. Por que não?! No dia anterior ao casamento, as mulheres foram às compras e os homens aos pontos turísticos da capital. E lá se foram Wherther e Conde Laurindo. Primeiro, ao Museu Manzana de las Luces. Depois, em caminhada compassada, foram à missa na Catedral Metropolitana.
Chegando na hora do sermão, ouviram um pregador dinâmico e bem-humorado discorrer sobre os múltiplos sentidos da palavra “pátria”. Falou da caminhada do povo de Abraão em busca da Terra Prometida, que é a pátria de Deus e para onde todos caminham. Lá não há fronteiras, guerras, mortes, fome e miséria. E as Malvinas? Claro que são argentinas! Assim, o momento pede que se olhe e acolha os pobres, doentes, estrangeiros, discriminados, que se proteja o planeta Terra e se ame os que nele vivem.
Terminado o sermão, os dois brasileiros foram abordados por um grupo de elegantes castelhanos:
– Perdão! Que tal, hermanos? Saindo mais cedo por não terem gostado do Cardeal?!
De pronto, o Conde antecipou-se, dizendo que as mulheres da família estavam esperando para um casamento importante no Porto Madero. Ao que um deles, pedindo perdão, disse que esse pregador estava aprontando, pois andava a pé e no metrô com seus sapatos furados. E mais, nas visitas a sua mana, frita lula à milanesa. Visita pobres e ricos. Como pode? Parece um italiano pobre! E, o pior, tem uma cara de comunista! Acreditam?! Não é verdade?!
– Ah! Esse Cardeal Jorge Mário!
– Hasta luego, hermanos! Despediram-se os dois brasileiros.
Um ano depois, a fumacinha branca e a frase:
– Habemos Papam! Jorge Mario Bergoglio, Cardeal Metropolitano de Buenos Aires, é nosso eleito Papa. O nome é Francisco.
– Quem diria! Que venha o próximo! Quem será o Benedito?!
A série ‘Adolescência’ mostra como o alvo de machos que atraem os outros para odiar mulheres é cada vez mais o jovem e até as crianças.
Em dois veraneios, no começo dos anos 2000, fiquei uma semana no litoral norte do Rio Grande do Sul para escrever crônicas diárias, publicadas no jornal Zero Hora, sobre personagens que moram perto do mar.
Falei com casais de dançarinos de um baile no Curumim, com um pescador de Magistério que tomou mate com a famosa maconha da lata, com solitários que nunca saíam de onde moravam.
E encontrei uma turma de guris da Serra gaúcha, todos em torno de um carro com caixas de som no bagageiro, que infernizava a vida dos veranistas. Estacionavam no calçadão, abriam a tampa e ligavam as caixas a todo volume. Pagode e música gaúcha.
Perguntei a um deles se usavam aquele equipamento sem constrangimento e ele me disse: ‘Para ver se a gente pega alguma guria’. Mas a barulheira funcionava? Ele foi sincero: ‘Não funciona com a gente, porque somos fracos’.
Guris fracos, é como eles se definiam. Fracos para levar adiante uma abordagem, um galanteio, uma conversa de veranista. O que o guri branquela dizia era que se considerava fora do padrão dos conquistadores bronzeados de Capão. E admitia que era fraco.
Sempre foi assim, por décadas, para muitos homens, e a vida continuava. Até que um dia os machos fracos passaram a ser perturbados por militantes e por teorias do machismo.
E surgiu, em meio a homens do movimento red pill (pílula vermelha), que temem e odeiam mulheres, a tese ‘científica’ da conspiração do 80/20, que aparece agora na série Adolescência, da Netflix.
Os machos inseguros deram suporte de ‘ciência’ estatística à situação que enfrentam como homens fracos: 80% das mulheres querem apenas 20% dos homens. Porque esses 20% são os mais sedutores, mais fortes, mais belos, mais ricos, mais inteligentes ou, de acordo com Darwin, os mais aptos.
Os homens que eram apenas fracos agora são perturbados emocionalmente por se considerarem invisíveis ou repulsivos para 80% das mulheres. E transmitem essa fragilização para crianças e adolescentes, que passam a agir com as mesmas atitudes cruéis dos adultos. É o que mostra a assustadora e comovente série da Netflix, logo no começo.
O guri fraco da Serra gaúcha, que ria da própria fraqueza, ainda existe, mas o mundo em que ele vive agora, como adulto, já não é mais o mesmo lá do começo dos anos 2000. Muito menos o do século 20.
A internet transformou homens fracos e mesmo os machos preconceituosos e violentos, que sempre existiram e matavam em nome da honra, em sujeitos ainda mais brutalizados e coletivizados pelo sentimento de inferioridade e rejeição. Por isso eles se organizam em turmas nas redes sociais.
É um mundo que os mais maduros quase não entendem direito. Todos já se sentiram fracos para ‘pegar’ gurias, como os machos diziam. Tivemos amigos fracos na turma. Debochamos dos fracos que conhecemos na adolescência e juventude. Mas os fracos não odiavam, agrediam e matavam como agora, ‘cientificamente’, com método e com sentido de grupo social.
Ser fraco, nesses tempos de machos organizados na internet como homens fragilizados pela tentativa de imposição da própria macheza, significa ser deliberadamente violento, ou a caminho de se transformar em alguém que pode bater e matar.
As fraquezas do século 21 não são mais as mesmas de antes, porque os fracos se organizaram para trocar impressões e receitas de como enfrentar a indiferença e o poder das mulheres. Eles tentam politizar e dar sentido às suas fraquezas.
A culpa pelo insucesso dos homens fracos passa a ser transferida para as mulheres que os desprezam. Elas são vistas como abusadoras de sentimentos, oportunistas, esnobes, arrogantes, insensíveis. Ideias fascistas se misturam, por convergência, a atitudes machistas.
Assim surgem e se organizam os homens do movimento red pill, dos machos pretensamente espertos que se defendem de mulheres e dizem não depender delas, porque não desejam ser manipulados por aproveitadoras.
O homem fraco precisa estar organizado em matilhas para fingir que se sente forte. A repórter Adriana Negreiros, do UOL, descobriu que um dos nichos que mais crescem na área da advocacia especializada no Brasil é o dos homens.
Sim, há advogados especializados em homens. Em causas que envolvem a Lei Maria da Penha e delitos dessa área. O Direito se especializou para lidar com os machos, não em conflitos comuns e da natureza dos relacionamentos, mas com casos de violência, ameaça e mortes.
Há mercados em todas as frentes. Se possível, o homem fraco deve se submeter a um coach que o treinará para ser odiador de mulheres. Deve ver tutoriais. Crianças são o novo alvo desses treinadores e influenciadores. Professoras sabem muito bem do que estamos falando.
Crianças são orientadas a ter raiva de mulheres e, numa etapa seguinte, a evitar relacionamentos e sexo. São os celibatários “incels“, também citados na série. Com 12, 13, 14 anos, são programados para não pensar em beijar e não tocar em mulheres. Antes da frustração de serem rejeitados.
O macho atormentando fica ainda mais precocemente fraco, sabendo que agora não basta abrir a tampa do bagageiro e exibir o som potente, que já não significa mais nada, ou expressa apenas impotência no seu mais amplo significado.
Se você está lendo isso, é porque eu já fui embora. E antes que a saudade manche seus olhos, deixe-me dizer-lhes algo com a voz da alma: não chore por mim. Continuem fazendo bagunça.
Não vivi essa vida para ser lembrada por discursos ou fotos. Tudo o que desejei, tudo o que quis com toda a minha fragilidade, foi que olhássemos para Jesus novamente. Que a gente saia na rua com o Evangelho nos pés, com misericórdia nas mãos e com amor no coração.
Se alguma vez minhas palavras lhes tocaram, não as guarde. Transforme-as em ação. Abracem aquele que está sozinho. Perdoem quem vos feriu. Recomece quantas vezes forem necessárias. Não esperem que o mundo mude. Sejam vocês o começo.
Aos jovens, meus queridos rebeldes do bem: não deixem que lhes roubem a alegria nem a capacidade de se surpreenderem. O mundo precisa da sua paixão, da sua arte, da sua linda loucura pelo justo.
Aos avôs e avós: obrigado. Vocês sustentam a história com silêncio e sabedoria. Continuem a contar suas histórias. Não se retirem do amor.
Aos sacerdotes, bispos, toda a Igreja: não se tornem oficiais do sagrado. Sejam pastores. Com as mãos sujas de servir e o coração aceso de ternura.
E a você, que talvez esteja lendo isso com dor, com perguntas, com vontade de sentir algo mais… Eu te digo: Deus não se foi. Ele está contigo. Mesmo que você o sinta longe, Ele caminha em seus passos cansados.
Eu vou em paz. Não porque não haja dor, mas porque confio. Eu confio em vocês. Na sua compaixão. Na sua alegria. Na sua fé, embora pequena como uma semente de mostarda.
Rezem. Cuide da Terra. Defendam a dignidade humana. E quando se juntarem para comer, deixem uma cadeira livre. Que seja para o pobre. Que seja para Jesus.
Não se esqueçam de rezar por mim. Eu estarei rezando por vocês. Sempre.”
Com amor de pai,
Francisco
Obs.: Esta carta foi publicada primeiramente por Adrian Pallarols, que considera o Papa Francisco um amigo, irmão e pai. Não foi vista em outros lugares, exceto no Instagram e Facebook de Pallarols, que comentou na postagem que esta carta foi tornada pública pela Santa Sé. Após publicação de Pallarols, foi amplamente divulgada em diferentes perfis de redes sociais
Casais precisam se reconhecer diariamente. Precisam olhar um ao outro com olhos de quem deseja o bem, e não com o peso de quem cobra ou corrige. É urgente buscar ajuda, avaliar o rumo das relações, reaprender a respirar antes de agir. Pois uma vida pode mudar para sempre em um segundo.
Não há nada de cômico em uma cena onde o desespero toma o lugar do diálogo, onde uma arma substitui a palavra e onde o acúmulo de sentimentos represados explode como um grito silencioso finalmente rompido.
O episódio ocorrido aqui em Passo Fundo, RS, não é apenas um caso policial, é o retrato do grau de estresse, das dores caladas e dos relacionamentos adoecidos pelo excesso, pelo descuido e, muitas vezes, pela opressão.
Quantas vezes essa mulher já foi interrompida? Quantas vezes teve sua autonomia desvalorizada por um comentário, um olhar, uma crítica constante travestida de “palpite”? Em que momento ela deixou de ser parceira para tornar-se subordinada dentro do próprio negócio e da própria casa?
Há, sim, uma cultura machista que naturaliza a invasão do espaço da mulher.
E há um ponto de ruptura: quando a humilhação silenciosa, acumulada por dias, meses ou anos, encontra um gatilho e acende o pavio da tragédia. Um gesto impensado é sempre antecedido por uma dor ignorada. A violência não começou ali, com a arma em punho; começou quando o respeito foi embora e o afeto deixou de ser prioridade.
Este, e outros tantos, não são apenas casos de polícia, mas de saúde emocional, de relações humanas esgotadas, de almas famintas por escuta e por acolhimento. O alimento da alma — esse que vem da espiritualidade, da terapia, do autoconhecimento e do diálogo verdadeiro — parece ter sido negligenciado em nome do acúmulo de tarefas, das metas do comércio, do cansaço cotidiano.
Mas a pergunta que não pode calar é: o que estamos cultivando em nossos lares — amor ou apenas a sobrevivência?
Casais precisam se reconhecer diariamente. Precisam olhar um ao outro com olhos de quem deseja o bem, e não com o peso de quem cobra ou corrige. É urgente buscar ajuda, avaliar o rumo das relações, reaprender a respirar antes de agir. Pois uma vida pode mudar para sempre em um segundo.
“Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida.” (Provérbios 4,23)