O ódio gratuito, planejado e produzido sobre pessoas que não se aceita, sempre esteve à disposição: de famílias a governos. Mas agora ficou pior, pois descobriram que o ódio, como produto, vende muito. As grandes mídias descobriram que ódio vende!
Um dia, todos fomos imigrantes. Nós ou nossos pais, avós ou bisavós. Caminhamos por uma Terra que não é nossa. Ser imigrante, pode significar arrastar-se para fora de um país, aos pedaços, para se remontar em outro.
As linhas invisíveis que contornam os continentes, países ou mesmo cidades, em mapas que tanto orgulham as populações, já foram traços insignificantes para reinos e impérios.
O mundo está cheio de construções e colunas esplêndidas, em ruínas, mas que um dia foram a casa de Reis e Imperadores arrogantes; os que pensavam que o seu poder seria eterno. Nem Salomão aguentou muito tempo. A Rainha do Sul, a que Jesus se referiu¹ e que se cogita, teve um affair com o Rei, também desapareceu e dela quase ninguém se lembra.
Quando os governantes de plantão não leem a história por completo, ou nela não se fiam, estão condenados a repetir a sua pior parte. Seria interessante levar o Sr. Trump e sua corte até Roma. De preferência ao Fórum Romano e suas ruínas, para que tivessem uma visão do que acontece quando reis pensaram ser deuses. Os restos das construções, que um dia foram magníficas, estão ali, à disposição da poeira e de suas mentes obscuras. Poderão admirar o poder esfarelado quando só se pensa em seus intramuros.
Deveriam aprender com Nero, que saiu corrido do Império, perseguido e indo ao encontro de seu suicídio, porque o povo começou a detestá-lo.
Roma caiu por diversos motivos, mas um dos menos estudados foi a sua incapacidade de fazer alianças. O seu orgulho e a sua pretensa imortalidade, não impediram que os bárbaros ingressassem em suas legiões e a devorassem por dentro. Os inimigos das nações não vivem fora de seus muros. E imigrantes e escravos, novamente, serviram de sustentação aos delírios dos seus Imperadores.
Seria mais inteligente fazer um acordo com Átila, o huno, do que ter de enfrentá-lo e suportar a invasão da Itália, pois ali foram empurrados os mesmos bárbaros, por uma liderança incontestável e que desafiou todos os poderes na época. E o Império veio abaixo!
Acordos com pretensos invasores, alianças com reinos revoltosos, o fim da espúria escravidão, e tudo poderia prolongar a sua vida e manter Roma intocada por mais mil anos.
Mas no que seus Césares optaram? A sua escolha foi pelo enfrentamento, a animosidade e o degredo a quem se opusesse. O poder traz consigo o hálito da eternidade.
Quando Tito e seu Pai, Vespasiano, em 71 DC, desfilaram em Roma com a mobília do Templo Judaico e o seu Candelabro, não imaginavam que logo à sua frente, o mesmo Império renegaria seus deuses inventados, como Jupiter, para se curvar diante de uma ‘seita’ inspirada em um tal Jesus² e que fora iniciada por pescadores iletrados, justamente na Jerusalém saqueada. Quem passar por Roma poderá ver o Arco do Triunfo, que ainda permanece de pé. Mas o resto desabou.
Aliás, em Jerusalém, encontrava-se a maior tolerância de imigrantes que se tem notícia. Temos uma ideia no livro de Atos,³ capítulo dois.
“E como os ouvimos falar em nossa própria língua materna, partos, medos e elamitas e os naturais da Mesopotâmia, Judéia, Capadócia, Ponto e Ásia; da Frígia e da Panfília, do Egito e das regiões da Líbia, nas imediações de Cirene, e romanos que aqui residem, tanto judeus como prosélitos, cretenses e arábios… Como os ouvimos falar?”
Não nos parece que o mundo inteiro estava ali representado? Pois é, todos os países debaixo do céu…
Será que esta página do Evangelho foi rasgada pelos que odeiam imigrantes?
Paulo, agora convertido, foi pregar em Atenas (4). Encontrou um altar que falava de um deus desconhecido, como que idolatrado por atenienses e estoicos. Ninguém o impediu; entrou e saiu.
Maria, levou a sua família que se iniciava para o Egito (5) e nada consta que foram detidos em sua passagem.
Faltou os povos do Egito Antigo gritarem:
_Viva Maria imigrante!
Bem, nem a isso esta cristandade obsoleta de hoje respeitaria.
Será que não retornamos aos tempos de um deus desconhecido?
Os Impérios nunca cresceriam sem mão de obra barata, escrava ou servil de que dispunham. E contra estas mesmas gentes, sem demora, os poderosos locais sempre se levantaram diante de cada nova crise. A história tem memória.
Qual bíblia que os novos senhores do mundo estão lendo? Será mais uma inventada? Ou leem somente passagens do seu agrado! Mas afinal, não são todos cristãos estes donos dos novos tempos, mesmo que de mentirinha?
Não temos notícia de tanta rejeição a imigrantes quanto nesses três meses passados. Em um piscar de olhos todos transformaram-se em criminosos? Até dezembro, lá fora, limpavam latrinas e cortavam grama. Na virada do ano foram cuspidos.
Ninguém resiste a fé humana e Roma sucumbiu ao seu tempo. Assim como haverá tempo para mais ruínas daqui em diante. As cusparadas que Jesus levou, ajudou a torná-lo maior: no mais completo, mais humano e no mais divino de todos os homens, em todos as épocas. Ele aceitava Judeus e gentios, migrantes e nativos, confirmando mais tarde o que Paulo falou que “Deus não faz acepção de pessoas” (6). Pois de cobradores de impostos a prostitutas, Jesus aceitava a todos, moradores ou forasteiros, antecipando o próprio discurso de Paulo.
Os totalitarismos, geralmente fundamentados em certezas mofadas, quando não querem perder seus adeptos, criam um inimigo comum a ser derrotado. Hitler reuniu quase um país inteiro, construindo a narrativa de ódio aos judeus. Recentemente, a ditadura Argentina elegeu as Malvinas como sendo a bandeira nacional a ser hasteada. Em ambos os casos, a morte certa; mesmo que aquela, em muitos milhões de mortos a mais que esta. Pelos nossos dias, a ciência e as vacinas tornaram-se os novos inimigos a serem vencidos. Muitos morrerão pela sua causa.
O ódio gratuito, planejado e produzido sobre pessoas que não se aceita, sempre esteve à disposição: de famílias a governos. Mas agora ficou pior, pois descobriram que o ódio, como produto, vende muito. As grandes mídias descobriram que ódio vende!
Pensem! E muitos ‘iluminados’, precisando que parcelas da população permaneçam obtusas, elegeram o branco como a cor preferida, a imigração e a pobreza forasteira como contaminantes a serem expulsos.
É ódio de causa e efeito.
Mas o povo que consentir na mentira, terá de viver sob suas teias. A mentira precisa de reposições continuadas e diárias para se manter viva. É necessário mentir e mentir mil vezes, para quem sabe, tornar-se verdade. Segundo Goebbels, Ministro da Propaganda Nazista, ela se torna.
A simples verdade subsiste por si mesma, contudo.
Os imigrantes que vimos descer de aviões, recentemente, acorrentados, bem que nos lembram os antigos escravos de Roma. Chegando como restos de uma guerra romana, depois de haver lutado contra a Gália ou a Trácia, agora retornam rendidos e humilhados pelo capricho de um Imperador.
Na Alemanha, primeiro se atacou um inimigo imaginário, somente depois, muito depois, quando os amigos é que desapareciam a população pulou da cama. E, então, milhares emigraram. Os exemplos são quase infinitos.
Por quais razões se odeia tanto a imigração?
Fôssemos nós os imigrantes desse avião, que correntes gostaríamos de usar?
REFERÊNCIAS:
Fala-se que era a Rainha de Sabá. Mateus 12:42
Na versão de 1969, Almeida, revisada e corrigida, “um tal Jesus”. Atos 25:19
Atos 2:9,10 e 11
Atos 17:23
Mateus 2:14
Romanos 2:11
Nota do autor: fundamentamos a nossa reflexão no Novo Testamento, tentando traduzir a tolerância por ele anunciada; onde cabem todas as raças, de patrícios a gentios. Os líderes e mandatários do mundo real, precisam provar, em ações, os reflexos de sua fé. Ninguém é obrigado a acreditar na Bíblia. Mas quem a levanta em suas mãos terá de sustentá-la. Caso contrário, teremos de chamá-los de difamadores das Escrituras e oportunistas da fé alheia.
O modelo em curso, que poderia ser chamado de neoliberalismo, e que tem no deus mercado sua melhor expressão, é uma máquina que produz concentração de renda nas mãos de poucos, aumenta cada vez mais a pobreza de muitos e destrói a casa comum que é nosso planeta Terra.
Trabalho, consumismo e pobreza são conceitos que se cruzam e que, de certa forma, expressão das profundas contradições de uma sociedade marcada pela injustiça, pelas desigualdades e pelo descaso da vida humana. O trabalho é um conceito que acompanha a história humana, mas que na modernidade adquire centralidade nos estudos das diversas ciências sociais, econômicas, jurídicas e na própria filosofia.
O consumismo tornou-se o carro chefe da dinâmica social, econômica e cultural da sociedade contemporânea. Tudo gira em torno do consumismo: as pessoas trabalham para alimentar os desejos de consumo; as instituições educativas formatam seus alunos para ingressarem no mercado e fortalecer o consumismo, a dinâmica das cidades e dos governos encontram no consumismo o salvo conduto para estabelecer políticas, prioridades e centralidade no investimento dos recursos públicos; as famílias tem no consumismo sua atenção primordial que determina seu status social, suas prioridades e sua maior atenção; as crises climáticas e a devastação ambiental tem no consumismo sua principal causa da destruição dos biomas, dos recursos não renováveis e a ameaça da insustentabilidade do planeta.
A pobreza, por sua vez, é a marca mais perversa de uma sociedade injusta que venera o deus dinheiro e sacrifica as vidas humanas no altar do mercado. A marca da desigualdade expressada nos diversos níveis e modalidades de pobreza escancara o cinismo e a ausência de humanização de uma sociedade que culpa as vítimas por opções de modelos econômicos que ao invés de produzir civilidade produz a barbárie.
Em seu livro Trabajo, consumismo y nuevos pobres, Bauman (2000) faz uma instigante análise desse processo. Em seu primeiro capítulo investiga o surgimento e a assimilação da “ética do trabalho”. Para Bauman (2000, p.37-42) a ética do trabalho pode ser caracterizada por duas premissas explícitas e duas pressuposições tácitas.
A primeira premissa explícita diz que se você quer conseguir o necessário para viver e ser feliz, então deve fazer algo que os demais consideram valioso e digno de ser pago, pois se te dou algo, recebo algo em troca.
A segunda premissa diz que é ruim contentar-se com o que se tem, pois é moralmente danoso conformar-se com o que já se conseguiu; é ruim deixar de esforçar-se depois de ter alcançado uma suposta satisfação; não é adequado descansar, a não ser para recuperar as forças para seguir trabalhando, pois trabalhar é um valor em si mesmo e uma atividade nobre e hierarquizadora; trabalhar é bom; deixar de fazê-lo é ruim.
A primeira pressuposição tácita, que de uma certa maneira sustenta as premissas acima expostas, é de que a maioria das pessoas tem uma capacidade de trabalho que pode vender e pode ganhar sua vida oferecendo tal capacidade para ser recompensada em forma de salário. O trabalho é o estado normal dos seres humanos; anormal é não trabalhar. Isso significa que a maioria das pessoas, ao trabalharem, está cumprindo suas obrigações, e seria “injusto” deixar de fazer aquilo que se deveria fazer. A segunda pressuposição é de que só o trabalho, cujo valor é reconhecido pelos demais pelo fato de ser remunerado, tem um valor moral consagrado pela “ética do trabalho”.
A ética do trabalho continua Bauman (2000, p.18), serviu para difundir o hábito de tornar as pessoas produtivas, pois possibilita combater, destruir e erradicar os obstáculos que impedem o novo e esplêndido mundo que se pretendia construir na modernidade. “O trabalho dignifica o homem”, dizia uma encíclica papal; “o trabalho forja o caráter e produz a riqueza”, corroborava o senso comum.
Essa foi a crônica oficial que foi instaurada para construir a sociedade do progresso, da produtividade, do bom rendimento. Mas para isso era necessário disciplinar as pessoas, treiná-las e convencê-las de que a obediência era necessária para construir esse modelo societário. Era necessário instaurar uma instrução mecânica que pudesse habituar os trabalhadores a “obedecer sem pensar”, ou seja, seriam “pequenas engrenagens sem alma integradas a um mecanismo mais complexo”. Sendo assim, diz Bauman (2000, p.20-21), “a imposição da ética do trabalho implicava a renuncia à liberdade”, pois significava impor o controle e a subordinação ante uma vida que para os trabalhadores não era “nem nobre”, “nem ajustada a seus próprios princípios morais”.
A ética do trabalho representava a grande luta para vencer as correntes do obscurantismo, da ignorância, do velho sistema e as forças da natureza. A natureza devia ser conquistada e obrigada a servir os seres humanos; o trabalho seria o grande responsável por esse êxito e os inventores os protagonistas desse novo mundo. Por isso que todas as forças de resistência à “ética do trabalho” deveriam ser combatidas e silenciadas em prol do progresso e construção de um mundo produtivo e disciplinado. A ética do trabalho era ao mesmo tempo “uma visão construtiva” e “a fórmula para obter um trabalhador eficiente”.
Por isso era necessário realizar uma cruzada, uma guerra contra os “tradicionalismos” e todas as inclinações para o ócio ou a satisfação primária das necessidades. “Na guerra contra o ‘tradicionalismo’ dos pobres anteriores à época industrial”, diz Bauman (2000, p.26), “os inimigos declarados da ética do trabalho eram, ostensivamente, a modéstia das necessidades desses homens e a mediocridade de seus desejos”.
Na implantação e fixação da “ética do trabalho”, não é de estranhar que os mendigos, os indigentes, os deficientes, os incapazes e mesmos os velhos e enfermos são considerados os indesejados. Essa ideia de eliminar os desocupados é facilmente identificada, por exemplo, na obra La Idea de la pobreza, de Gertrude Himmelfarb (1988, p.193), quando diz: “Os mendigos, como os ratos, podiam efetivamente ser eliminados com esse método; ao menos podiam apartá-los de sua vista. Só fazia falta decidir-se a trata-los como ratos, partindo do suposto de que os pobres desleixados estão aqui só como uma moléstia que tem de ser limpada até por-lhe fim”. Por isso era necessário limitar a assistência, combater o ócio, tornar cada vez mais “desgraçada” a vida dos desocupados, para convencer os trabalhadores das fábricas que “a miséria fabril pareceria, em comparação [com a situação de vida dos miseráveis], um golpe de sorte ou uma benção” (BAUMAN, 2000, p.28).
Por isso era necessário criar estratégias que viessem diminuir a assistência, ou até proibi-la, para que não houvesse opção de escolha. “Para promover a ética do trabalho”, diz Bauman (2000, p.31), “se recitaram inúmeros sermões desde os púlpitos das igrejas, se escreveram dezenas de relatos moralizantes e se multiplicaram as escolas dominicais, destinadas a encher as mentes jovens com regras e valores adequados”. Não dar opção era a estratégia fundamental para que os “obreiros” se submetessem a ética do trabalho.
Buscar um emprego, submeter-se as suas regras, formar uma imagem idealizada de si mesmo, superar as imperfeições, achar um remédio para curar as enfermidades eram atividades que poderiam ser sintetizadas na ação de trabalhar. “Dar-lhes trabalho a todos, converter a todos em trabalhadores assalariados, era a fórmula para resolver os problemas que a sociedade pudera ter sofrido como consequência de sua imperfeição e imaturidade” (BAUMAN, 2000, p.33). Tanto o capitalismo quanto o comunismo colocaram no mundo do trabalho o preceito para o progresso da sociedade. O trabalho tornou-se, ao mesmo tempo, em ambas os “modelos societários”, o eixo da vida individual e a ordem social, assim como a garantia de sobrevivência para a sociedade em seu conjunto.
O trabalho e, principalmente, o tipo de trabalho, caracterizava o tipo de indivíduo: além de assegurar o sustento, o tipo de trabalho realizado definia o lugar que cada indivíduo ocupava na colocação social e avaliação individual.
A identidade de cada um se forjava a partir do tipo de trabalho que se exercia, a empresa que trabalhava ou o cargo que ocupava. Era o trabalho que definia os pares, a quem se poderia comparar e, principalmente, o tipo de vida que podia aspirar.
“A careira laboral”, diz Bauman (2000, p.34), “marcava o itinerário da vida e, retrospectivamente, oferecia o testemunho mais importante do êxito ou do fracasso de uma pessoa”. A carreira significava, paradoxalmente, a principal fonte de “confiança ou insegurança”, de “satisfação pessoal ou de autoreprovacão”, de “orgulho ou de vergonha”. “Em síntese”, diz Bauman (2000, p.35), “o trabalho era o principal ponto de referência, ao redor do qual se planejavam e ordenavam todas as outras atividades da vida”.
No âmbito da ordem social, o trabalho era o lugar mais importante para a integração social. Era no trabalho que se forjava o “caráter social” necessário para perpetuar “uma sociedade ordenada”. O “trabalho na fábrica” e o “serviço militar obrigatório” eram, para usar um conceito foucaltiano, a principal “instituição panóptica” da sociedade moderna. Os que não podiam trabalhar ou os que não possuíam emprego significavam uma ameaça, pois estariam fora do controle da ordem social. “A gente sem emprego era gente sem patrão, gente fora de controle: nada os vigiava, supervisava nem submetia a uma rotina regular, reforçada por oportunas sanções” (BAUMAN, 2000, p.35).
Até mesmo o modelo de saúde do século XIX estava regrado pela capacidade do homem realizar o esforço físico requerido tanto para a fábrica como para o exército. A ordem social iniciada na ditadura mecânica da fábrica se prolongava na “família patriarcal forte e estável do homem empregado”. “Dentro da família”, diz Bauman (2000, p.36), “se esperava que os maridos/pais, cumprissem, entre suas mulheres e filhos, o mesmo papel de vigilância e disciplina que os capatazes de fábrica e os sargentos do exército exerciam sobre eles nas oficinas e quartéis”.
Por último, o trabalho foi apresentado como questão de sobrevivência e prosperidade da sociedade: o trabalho seria o grande responsável para a produção da riqueza, para o processo de transformação dos recursos naturais em bens e serviços para a população. “Em resumo”, corrobora Bauman (2000, p.37), “o trabalho ocupava uma posição central nos três níveis da sociedade moderna: o individual, o social e o referido ao sistema de produção de bens. Além disso, o trabalho atuava como eixo para unir esses três níveis e era fator principal para negociar, alcançar e preservar a comunicação entre eles”.
A ética do trabalho colocava todos a abraçarem “voluntariamente”, com alegria e entusiasmo, o que surgia como necessidade inevitável.
No entanto, a ética do trabalho não teve seu pleno êxito, pois não foi inteiramente aceita, principalmente por parte dos novos trabalhadores que viam em sua condição a perda da liberdade. Por isso, na leitura de Bauman (2000, p.40) era necessário programar uma nova estratégia. Progressivamente houve um deslocamento da ética do trabalho para “os incentivos materiais do trabalho”, ou seja, “ganhar mais dinheiro”. A ética do trabalho foi sutilmente sendo substituída pela ideia de que ganhar mais seria uma forma de restaurar a dignidade humana perdida no desgaste da mão de obra industrial. Esse processo foi decisivo para desenvolver a moderna sociedade industrial. O ganhar mais poderia significar uma motivação autêntica para a liberdade.
Na visão de Bauman (2000, p.41) esse processo foi decisivo para a passagem posterior da “sociedade de produtores” para a “sociedade de consumidores”. Essa última transformação não foi unívoca e também não teve as mesmas consequências. Poderíamos, por exemplo, destacar a diferença entre o mundo capitalista e o mundo comunista: neste último, a apelação ao consumidor que se ocultava no produtor foi pouco sistemática, pouco convincente e carente de energia. “Por esta e outras razões”, diz Bauman (2000, p.41), “se aprofundou a diferença entre as versões da modernidade, e o crescimento do consumismo que transformou de forma decisiva a vida do ocidente atemorizou o regime comunista que, tomado por surpresa, incapaz de atualizar-se e mais disposto que nunca a reduzir suas perdas, teve que admitir sua inferioridade e declinou”.
A modernidade sólida, contudo, começa a sofrer mudanças a partir dos anos 1960 e 1970, quando começam a se enfraquecer as instituições, costumes e certos dogmas que forneciam as diretrizes para o indivíduo construir sua identidade, como as crenças religiosas, a família e a escola. Sobretudo após a queda do Muro de Berlim, em 1989, essa modernidade “sólida” estaria em desintegração e seria gradualmente substituída por uma modernidade “líquida”.
De acordo com Dalcin e Silva (2016), na modernidade dita líquida, os sólidos são derretidos, mas não emerge nada mais sólido em seu lugar. Esta mudança social e histórica assume assim uma condição de constante mudança, não tendo, portanto, previsão de término. Isso significa que nossas instituições, referências, estilos de vida e até mesmo crenças e convicções mudam antes de terem tempo de se solidificar em costumes e hábitos.
No entanto, Dalcin e Silva (2016) destacam que com as reformulações políticas e econômicas que surgiram com a globalização, também houve grandes transformações sociais. Os autores consideram que para Bauman (2000), as estruturas ou instituições vinculadas com o trabalho, à cultura e à educação, entre outras, que eram responsáveis pela produção da normatividade social se transformam em líquidas, e assim ficam a mercê tanto da responsabilidade, quanto da ação individual. Nesse sentido, é possível constatar que, de acordo com Bauman (2000), há neste período o deslocamento dos papéis sociais que antes eram da “ética do trabalho”, para a “estética do consumo”.
Ou seja, a antiga confiança “sólida” num futuro perfeitamente arquitetado pela razão foi substituída pela incerteza. O futuro tornou-se nebuloso e indefinido. O sucesso, que antes era pautado por uma vida regrada e planejada aos costumes e normas sociais, agora pauta-se principalmente pela necessidade de reconhecimento social, guiado entre outras normas, pelo poder de consumo.
Nesse sentido, considerando os princípios da vida liquido moderna destacada por Bauman (2008), o consumo excessivo é sinal de sucesso, uma autoestrada que conduz ao aplauso público e à fama. “Possuir e consumir certos objetos e praticar determinados estilos de vida são a condição necessária para a felicidade” (2008, p.165). “Essa sociedade promete uma felicidade fácil que pode ser obtida por meios inteiramente não-heróicos e que portanto devem estar, tentadora e satisfatoriamente, ao alcance de todos” (2007, p.65). A sociedade líquido-moderna desaprova os ideais do longo prazo e da totalidade. O que está em jogo é a busca imediata pela satisfação individual, pelo glamour das conquistas pessoais, pela satisfação proporcionada pelo consumo.
Na modernidade sólida, as instituições eram firmes, existia a segurança no trabalho e um salário que permitia ao indivíduo viver com dignidade e planejar sua vida a partir de uma projeção longitudinal. Para Fávero e Consaltér (2019), esse modelo de homem e sociedade, tanto característico da modernidade sólida como da modernidade líquida, podem ser compreendidos e exemplificados através do que Sennet (2009), em sua obra A corrosão do caráter, utiliza nas figuras de Rico e Enrico, filho e pai, respectivamente, para dissertar acerca de dois distintos modelos de trabalhadores. O trabalhador fordista, burocratizado e rotinizado, representado por Enrico, planejava sua vida e suas metas tendo por referência um tempo linear, cumulativo e disciplinado. Suas expectativas profissionais e realização pessoal estão baseadas em metas a longo prazo. Por outro lado, Rico (seu filho), representa o típico trabalhador da era do capitalismo flexível: muda de endereço e de emprego frequentemente, não planeja suas metas a partir de expectativas de longo prazo e vive uma vida de incertezas na eloquente busca por uma rápida ascensão profissional e financeira.
Rico representa um novo modelo de trabalhador o qual Dardot e Laval (2016) chamam de “sujeito empresarial”, “sujeito neoliberal” ou, simplesmente, “neossujeito”. Essa nova figura do sujeito opera uma unificação sem precedentes das formas plurais da subjetividade que a democracia liberal permitiu que se conservassem e das quais sabia aproveitar-se para perpetuar sua existência. Esse neossujeito tem total envolvimento com si mesmo. Dardot e Laval (2016, p.327) apontam que “a vontade de realização pessoal, o projeto que se quer levar a cabo, a motivação que anima o ‘colaborador’ da empresa, enfim, o desejocom todos os nomes que se queira dar a ele é o alvo do novo poder”.
O latente desejo de realização pessoal a qualquer custo motiva sua existência, suas ações e suas buscas. A pressa move esse desejo. Não há tempo a perder.
Para Sennett (2009), a própria estabilidade em um mesmo emprego abre espaço para múltiplas possibilidades ao longo da vida profissional. Nessa nova estrutura do mercado de trabalho, “um jovem americano com pelo menos dois anos de faculdade pode esperar mudar de emprego pelo menos onze vezes no curso do trabalho, e trocar sua aptidão básica pelo menos outras três durante os quarenta anos de trabalho” (Sennett, 2009, p.22).
Para explicar essas mudanças rápidas e significativas na vida das pessoas, típicas do que Bauman (2007) chama de “vida líquida”, Sennett (2009) reporta-se ao economista Bennett Harrison, o qual acredita que a origem dessa fome de mudança é o “capital impaciente”, ou seja, o desejo de retorno rápido. A ideia de sofrimento e resistência, representada na obra de Sennett (2009) pela figura de Enrico, que, pacientemente, economizou durante quinze anos para poder comprar sua casa própria, tornou-se, nas palavras de Bauman (2007, p.65), “ultrajante e repulsivo”.
Todas estas reflexões trazidas dos grandes pensadores contemporâneos como Sennett e Bauman, nos ajudam a perceber que se existe uma suposta crise no mundo do trabalho, que convive ao lado da opulência do consumismo e a pobreza não para de crescer no mundo, é porque continuamos a reproduzir um modelo de estrutura econômica e social, alimentada pelos processos educativos e pelo aparato ideológico das mídias, que não está preocupado com a vida humana e com a sustentabilidade do planeta. O modelo em curso, que poderia ser chamado de neoliberalismo, e que tem no deus mercado sua melhor expressão, é uma máquina que produz concentração de renda nas mãos de poucos, aumenta cada vez mais a pobreza de muitos e destrói a casa comum que é nosso planeta terra.
PS.: parte deste texto está no verbete “Modernidade Sólida” que escrevi com meu grande amigo Evandro Consaltér, e está publicado no Dicionário Crítico-Hermenêutico Zygmunt Bauman (Cassol; Manfio; Silva, 2021). Para os que tiverem interesse em acessar o qualificado dicionário, segue o link:
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.
BAUMAN, Zygmunt. Trabajo, consumismo e nuevos pobres. Trad. Victoria Boschiroli. Barcelona: Gedisa, 2000.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001;
BAUMAN, Zygmunt. Vida Líquida. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007;
BAUMAN, Zygmunt. Vida para o consumo. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008;
CASSOL, Claudinei Vicente; MANFIO, João Nocodemos Matins; SILVA, Sidinei Pithan da (orgs.). Dicionário Crítico-Hermenêutico Zygmunt Bauman. Ijuí: editora Unijuí, 2021.
DALCIN, Larissa; SILVA, Sidinei Pithan Da. Bauman de uma sociedade sólido-moderna para uma sociedade líquido-moderna. Anais do Salão do Conhecimento: ciência alimentando o Brasil. Ijuí, 2016.
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A Nova Razão do Mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. Trad. Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2016;
FÁVERO, Altair Alberto; CONSALTÉR, Evandro. Peregrino ou turista: análise de dois modelos de formação docente a partir da metáfora de Bauman. In: FÁVERO, A. A.; TONIETO, C.; CONSALTÉR, E. (orgs.). Leituras sobre Zygmunt Bauman e a educação. Curitiba: CRV, 2019, p.55-67.
SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: as consequências pessoaisdo trabalho no novo capitalismo. Tradução Marcos Santarrita. – 14ª ed. – Rio de Janeiro: Record, 2009.
Chama-se cultura tudo o que é feito pelos homens, ou resulta do trabalho deles e de seus pensamentos.
Além dos seres vivos e da matéria cósmica, existem também coisas culturais, muitíssimo mais complicadas. Chama-se cultura tudo o que é feito pelos homens, ou resulta do trabalho deles e de seus pensamentos. Por exemplo, uma cadeira está na cara que é cultural porque foi feita por alguém. Mesmo o banquinho mais vagabundo, que mal se põe em pé, é uma coisa cultural. É cultura, também, porque feita pelos homens, uma galinha.
Sem a intervenção humana, que criou os bichos domésticos, as galinhas, as vacas, os porcos, os cabritos, as cabras não existiriam. Só haveria animais selvagens. A minhoca criada para produzir humo é cultural, eu compreendo. Mas a lombriga que você tem na barriga é apenas um ser biológico. Ou será ela também um ser cultural? Cultural não é, porque ninguém cria lombrigas. Elas é que se criam e se reproduzem nas suas tripas.
Uma casa qualquer, ainda que material, é claramente um produto cultural, porque é feita pelos homens. A mesma coisa pode-se dizer de um prato de sopa, de um picolé ou de um diário. Mas estas são coisas de cultura material, que se pode ver, medir, pesar.
Há, também, para complicar, as coisas da cultura imaterial, impropriamente chamadas de espiritual – muitíssimo mais complicadas. A fala, por exemplo, que se revela quando a gente conversa, e que existe independentemente de qualquer boca falante, é criação cultural. Aliás, a mais importante. Sem a fala, os homens seriam uns macacos, porque não poderiam se entender uns com os outros, para acumular conhecimentos e mudar o mundo como temos mudado.
A fala está aí, onde existe gente, para qualquer um aprender. Aprende-se, geralmente, a da mãe. Se ela é uma índia, aprende-se a falar a fala dos índios, dos xavantes, por exemplo. Se ela é uma carioca, professora, moradora da Tijuca, a gente aprende aquele português lá dos tijucanos. Mas se você trocar a filhinha da índia pela filha da professora, e criar, bem ali na praça Saens Peña, ela vai crescer como uma menina qualquer, tijucana, dali mesmo. E vice-versa, o mesmo ocorre se a filha da professora for levada para a tribo xavante: ela vai crescer lá, como uma xavantinha perfeita – falando a língua dos xavantes e xavanteando muito bem, sem nem saber que há tijucanos.
Além da fala, temos as crenças, as artes, que são criações culturais, porque inventadas pelos homens e transmitidas uns aos outros através de gerações. Elas se tornam visíveis, se manifestam, através de criações artísticas, ou de ritos e práticas – o batizado, o casamento, a missa –, em que a gente vê os conceitos e as ideias religiosas ou artísticas se realizarem.
Essa separação de coisas cósmicas, coisas vivas, coisas culturais, ajuda a gente de alguma forma? Sei não. Se não ajuda, diverte. É melhor que decorar um dicionário, ou aprender datas. Você não acha?
__________ RIBEIRO, Darcy. Noções de coisas. São Paulo: FTD, 1999, p. 34. Disponível em: http://www.projovemurbano.gov.br/userfiles/file/materialdidatico/educador/guias/GUIA_UF_I_FINAL_X1a_2.pdf. Acesso: 10 mai. 2013.
Sugestões de práticas de aprendizagem
Sugerimos algumas práticas de aprendizagem que abordem temáticas e habilidades trabalhadas pelo Componente Curricular Filosofia no Ensino Fundamental.
HABILIDADES
(EF09FL01PF01) Compreender o ser humano como ser individual, social e cultural que se modifica na sua ação;
(EF09FL01PF02) Entender a cultura como ação humana
QUESTÕES PARA TRABALHAR COM ESTUDANTES:
A) A partir da leitura do texto, o que podemos considerar como Cultura?
B) Apresente três exemplos de manifestações que, de acordo com o texto, podem ser consideradas culturais.
C) Quais práticas culturais podem ser prejudiciais à comunidade ou ao próprio homem? Explique.
D) Segundo o texto, a fala é a mais importante criação cultural. Qual a relação entre a fala e a cultura?
E) Darcy Ribeiro foi sociólogo, antropólogo, educador, escritor e indigenista brasileiro, defensor da educação pública e de qualidade. Seus estudos são grandes referências para o entendimento da cultura indígena e para a formação do povo brasileiro. Faça uma pesquisa sobre a biografia de Darcy Ribeiro, anotando também algumas ideias e pensamentos deste importante brasileiro.
F) Assista aos Comentários sobre o Documentário Povo Brasileiro – Darcy Ribeiro: https://youtu.be/CqgKx5E-0tQ?t=318 Faça um breve comentário seu sobre esta construção cultural (mosaico) do nosso querido Brasil.
Você acredita que há espaço para políticas religiosas específicas em um Estado laico?
Em meio a discursos sobre “unidade” no Café da Manhã Nacional de Oração, Donald Trump surpreendeu ao declarar a criação de um “gabinete da fé” na Casa Branca e uma força-tarefa liderada pela ex-procuradora Pam Bondi para combater o que chamou de “viés anticristão” no governo federal. A medida, segundo ele, visa “investigar violência e vandalismo anticristão” e “defender os direitos dos crentes”. Mas onde estão os exemplos concretos dessa perseguição?
Enquanto o governo Biden lançou planos para combater discurso antimuçulmano e antissemita, Trump mira seu discurso em um suposto “ataque aos cristãos” — baseando-se em retórica vaga e alinhando-se ao eleitorado evangélico, que representa 27% do eleitor republicano. A jogada parece clara: consolidar apoio antes das eleições, vendendo uma narrativa de perseguição religiosa sem provas.
E não para por aí: o ex-presidente, que afirma ter recebido “uma unção divina” após sobreviver a um atentado, nomeou a pastora Paula White — sua conselheira religiosa há anos — para comandar o gabinete. Será mera coincidência que ela seja uma figura polêmica, ligada à teologia da prosperidade e a escândalos financeiros?
A questão que ninguém pode ignorar:
A Primeira Emenda dos EUA proíbe o Estado de endossar religiões específicas. Ao criar uma força-tarefa exclusiva para “proteger cristãos”, Trump não só ignora a diversidade religiosa do país, mas risca a linha tênue entre Igreja e Estado. Será proteção legítima ou marketing político disfarçado de fé?
Enquanto isso, sua fala sobre “se livrar dos woke” revela o tom partidário e polarizador por trás do suposto apelo à unidade. Cristãos conservadores podem celebrar, mas a pergunta fica: quem paga o preço quando a religião vira arma de campanha?
Comente: Você acredita que há espaço para políticas religiosas específicas em um Estado laico?
Há prenúncios de que essa estratégia já esteja em andamento no Brasil? Já ouviu políticos da bancada evangélica falarem de “Cristofobia”?
A biblioteca de cada escola reflete o conhecimento aos qual os alunos terão acesso. Por isso, ter, cuidar e oferecer uma boa biblioteca sinaliza qual o futuro que queremos oferecer para nossos estudantes.
Quando faço palestras para jovens, costumo fazê-las mencionando o passado, o presente e o futuro.
Concluída a palestra, digo que falei várias coisas, mas que que o objetivo principal não foi transmitir conhecimento. Qualquer celular pode permitir que cada ouvinte acesse mais conhecimentos, instantaneamente, do que eu. Basta saber onde procurar.
E daí professor? Quais seus objetivos?
Só um: despertar dúvidas. Individuais ou coletivas.
As crianças até uma certa fase da vida se contentam em aceitar o que os pais lhes dizem sobre o mundo que estão descobrindo. Poderíamos chamá-las, em relação a maioria, de crianças receptadoras e não contestadoras.
Chega o dia em que passam a perguntar, porque pai, porque mãe?
Não sou especialista em evolução do conhecimento infantil. Mas, para mim, perguntar “porque”, é o início do crescimento intelectual da criança. Que maior será quanto melhor for o nível de conhecimento e de diálogo com aqueles que a cercam, como pai, mãe, avô, avó.
Na fase da escolarização, dentro da sala de aula ou do convívio com os colegas, a busca pelo conhecimento poderá ser acelerada.
Mas, além do conhecimento formal da escola, qual o papel dos livros, em repassar ou despertar para as crianças ou adolescentes, o fantástico mundo do porque isto ou porque aquilo?
As crianças denominadas “aborrecentes” são em parte assim denominadas porque não encontram respostas para infindáveis dúvidas sobre sua existência junto à família, ao mundo que os cerca?
Querer dar respostas prontas para crianças em fase de crescimento intelectual, pode ajudar. Mas porque não, dentro do ambiente das escolas, da sala de aula, criar o hábito de ter horas para exclusivamente discutir dúvidas individuais ou coletivas, sobre qualquer assunto? Por alunos e por professores.
Há alguns anos jornalistas perguntaram a um poderoso político, se poderiam fotografar sua biblioteca. Resposta: não. Se vocês olharem o que eu leio, vocês descobrirão o que eu penso.
A biblioteca de cada escola reflete o conhecimento aos qual os alunos terão acesso. Por isso, ter, cuidar e oferecer uma boa biblioteca sinaliza qual o futuro que queremos oferecer para nossos estudantes.
Autor: Roque Tomasini, Acadêmico APL (Academia Passo-fundense de Letras). Também escreveu e publicou no site “Escola de Pensadores”: www.neipies.com/escola-de-pensadores/
A justiça restaurativa convida à igualdade verdadeira: não há um que ensina e outro que aprende, um que cura e outro que é curado. Todos estamos em processo.
Quando você se concentra na lição, você evolui.
A justiça restaurativa é uma travessia profunda que parte do reconhecimento das dores e das violências que atravessam nossa história. Ela não ignora as feridas, mas propõe um espaço seguro onde essas dores possam ser nomeadas, reconhecidas e, pouco a pouco, superadas. É nesse espaço — construído com escuta, respeito e confiança — que a vida pode voltar a fazer sentido, que a segurança em si mesmo pode ser reencontrada, que os vínculos com o outro e com a comunidade podem ser reconstruídos.
Esse caminho só é possível quando nos despojamos do poder que, muitas vezes, carregamos inconscientemente. Poder de saber, de julgar, de dirigir. A justiça restaurativa convida à igualdade verdadeira: não há um que ensina e outro que aprende, um que cura e outro que é curado. Todos estamos em processo. Respeitar o outro, em qualquer circunstância, é essencial — inclusive respeitar aqueles que servem, que sustentam o processo em silêncio, na humildade do cotidiano.
É urgente lembrar que quem facilita um processo restaurativo não é aquele que tudo sabe, mas sim quem se coloca a serviço da escuta, da presença e da construção conjunta. Em vivências concretas, já vimos círculos onde uma pessoa que vive em situação de rua trouxe mais sabedoria e verdade do que quem tinha diplomas ou títulos. Em um presídio, vimos um policia penal se emocionar ao ouvir uma mulher presa pedir perdão por erros cometidos com dor e arrependimento verdadeiro.
Não há roteiro nem manual: há entrega, humanidade e coragem para sentir.
A justiça restaurativa precisa ser um ato concreto, especialmente no Brasil, onde o sistema prisional está superlotado e injusto. O desencarceramento é uma urgência ética e política. Quem tem o poder de garantir o cumprimento da lei, corrigir os abusos, respeitar os tempos da pena, acima de tudo.
Não podemos esquecer que a justiça restaurativa não nasceu de um poder. Ela nasce das práticas ancestrais dos povos originários, que nos ensinam sobre reconexão, equilíbrio e cura coletiva. Por isso, é contraditório — e até violento — ver práticas restaurativas sendo comercializadas com preços abusivos, inacessíveis para quem mais precisa. A justiça restaurativa não pode ser mercadoria.
É preciso levá-la para a periferia, onde a dor é maior, mas também onde há uma imensa potência de reconstrução. Levar com humildade, com cuidado, com escuta. Sem querer salvar, sem querer ensinar. Apenas estar, facilitar o encontro, e confiar na força do coletivo.
Porque quando nos concentramos na lição, evoluímos todos. E a justiça deixa de ser privilégio para ser CAMINHO.
A palavra comemorar, do latim, COMMEMORARE, segundo Aurélio, é trazer à memória, fazer recordar, lembrar. Debruçando-se sobre esse conceito, o texto da minha aluna Milena de Oliveira Mascarenhas, estudante do Colégio Tiradentes da Brigada Militar de Passo Fundo, nos convida a refletir sobre a realização do evento em comemorar a vida.
É importante fazer notar, segundo ela, esse ato está assumindo hoje feições diferenciadas ao mesmo tempo. Mascarenhas nos faz lembrar da permanência do verdadeiro sentido de celebrar a vida. Ou seja, um ato simbólico capaz de ir muito além de soprar as velinhas. Ela fala da permanência de um ideário em criar lembranças para marcar um tempo único que não volta mais, sobretudo, a importância de reforçar laços emocionais, particularmente momentos significativos com pessoas que amamos.
Boa leitura a todos!
“O que dizer sobre um domingo ensolarado…? Uma mesa cheia dos mais variados aperitivos, doces, brigadeiros e um bolo totalmente coberto por um glacê rosa. A decoração cheia de vida, um cenário fruto de algumas noites mal dormidas. Imagino que não há nada melhor do que estar cercado por amigos, familiares e colegas que fazem bem, sentir-se amado, no final das contas. Tudo capturado por uma pequena câmera.
Com o passar das estações, dos dias, dos meses e até mesmo dos anos, alguns detalhes vão se perdendo. Uma festa que não pôde acontecer por falta de planejamento acabou se tornando uma comemoração em uma pizzaria. Ainda assim, não deixou de ser mágica, afinal, ainda havia pessoas ao redor, presenças que se importavam e faziam o coração transbordar de amor.
Mas o pior acontece quando o ciclo se quebra. Todos, inevitavelmente, crescem, e isso causa mudanças – não sobre as aparências, mas sobre o conteúdo. Um colega que não pôde comparecer. Um amigo, um familiar, um pai. Laços familiares podem ser como uma linha fina que, a qualquer momento, pode se romper por completo.
No final, o dia já não carrega mais aquela magia. O calendário deixa de marcar a tão esperada contagem regressiva, os doces não existem mais e, muito menos, o bolo. As pessoas presentes agora podem ser contadas nos dedos. Ainda assim, apesar do inevitável, sempre há alguém que traz conforto. Alguém que transforma lembranças em uma máquina do tempo e faz voltar ao ano de 2010, para uma festa parcialmente rosa, rodeada de amor”.
A quem pergunta pelos frutos de tão custosa mobilização, respondo que há força e eloquência nos gritos mudos das ruínas das casas, das feridas vivas na alma das pessoas e das veias abertas da terra. (Itacir Brassiani)
Transcorrido quase um mês da realização da 47ª Romaria da Terra, ainda escuto na alma dos romeiros e romeiras ecos surdos do comovente cântico dos hebreus exilados: “Junto aos rios da Babilônia nos sentávamos chorando, com saudades de Sião. Como cantar o cântico do Senhor em terra estranha? Se eu me esquecer de ti, Jerusalém, que eu não lembre da minha mão direita; e que a minha língua se pregue ao céu da boca” (Sl 137).
Diversamente do que ocorreu com os hebreus, arrancados da sua terra e deportados na Babilônia por Nabucodonosor no século VI a. C, sob um sol escaldante e uma temperatura em torno de 40 graus, os romeiros e romeiras contemplaram estarrecidos os escombros de bairros devastados e viram neles sinais daquilo que poderá acontecer ao planeta todo. E este grito de denúncia e esperança ressoou por todo o mundo graças à presença profissional e solidária da TV Voz.
Para os que ainda temos ouvidos, eles falaram com eloquência: “Não há uma economia sem alma! Não a um estilo de vida depredador! Não às relações dominadoras! Venha a terra sem males, o jardim sonhado por Deus! Em nome de Deus, reconstruiremos e cuidaremos”. E o grito de dor e protesto se transformou em compromisso público: “Reconstruir e cuidar da Casa comum com fé, esperança e solidariedade!” Peregrinos de esperança, cremos que os clamores um dia se tornarão louvores.
Movimentos e organizações que se agrupam em torno de distintas causas esqueceram suas diferenças. Em torno de 20 bispos e arcebispos de dez dioceses e arquidioceses do Rio Grande do Sul e Santa Cataria juntaram as vozes para denunciar a emergência climática e a necessidade de uma ecologia integral. Centenas de padres, diáconos, religiosos e pastores deram-se as mãos, abriram portas e construíram pontes. E aos dez mil romeiros juntaram-se milhares de internautas que acessaram a TV Voz.
A quem pergunta pelos frutos de tão custosa mobilização, respondo que há força e eloquência nos gritos mudos das ruínas das casas, das feridas vivas na alma das pessoas e das veias abertas da terra. Elas nos fazem tomar consciência de nossa responsabilidade no cuidado da Casa Comum. Esta “casa” que compreende o meio ambiente, mas inclui também as relações familiares econômicas, sociais e políticas.
Dom Itacir Brassiani msf
Bispo da Diocese de Santa Cruz do Sul
Esta edição da Romaria da Terra teve uma novidade: a transmissão ao vivo, feita pela Voz Tv, uma emissora digital do município de Pontão, RS.
Entrevistamos Vitor Hugo da Silva, repórter que esteve ao vivo, narrando e transmitindo este evento religioso tão relevante no Rio Grande do Sul (RS).
Como surgiu esta importante iniciativa de transmissão ao vivo pela Voz TV da 27ª Romaria da Terra?
Obrigado pelo convite de estar aqui escrevendo aos amigos leitores. Pontão é um município do norte gaúcho muito ligado a movimentos sociais e a Voz Tv surgiu exatamente aqui, e tendo esse ciclo de pessoas ligadas aos movimentos e também à fé. Exemplo Padre Arnildo Fritzen com quem a gente foi construindo a ideia de oportunizar as pessoas de assistir a transmissão ao vivo da 47ª Romaria da Terra e prontamente fomos bem recebidos e auxiliado pela Diocese de Santa Cruz do Sul através do Dom Itacir Brassiani.
Na sua visão de repórter, o que destacarias desta Romaria?
Na Romaria da Terra, especialmente além da fé, da parte religiosa, existe essa relação muito próxima das pessoas e a luta histórica pela Terra, mas essa edição se torna ainda mais especial por que representa ainda a Solidariedade do Povo Gaúcho com os atingidos pelas enchentes e, mais ainda, a reconstrução. Tudo isso nos leva a uma conclusão que todos somos absolutamente iguais, não interessa cor, conta bancária, religião. Perante a Deus e Natureza, todos somos iguais e temos o mesmo compromisso em cuidar, preservar e reconstruir.
Como viste a participação e o engajamento na Romaria dos mais de 10 mil romeiros e romeiras de todo RS?
A participação popular é algo comovente, que vai desde a organização: muitas pessoas, centenas, trabalhando para que tudo desse certo em todos os detalhes. As pessoas começam a chegar na véspera da Romaria, mas sua grande maioria nas primeiras horas do dia, todos foram recebidos com um delicioso café de manhã e, a cada minuto, a presença de público aumenta com Romeiros vindo em caravanas de vários locais do estado e fora dele, inclusive. Sem dúvidas, um momento histórico para todos.
Qual foi o momento ou a cena que mais gostaste de transmitir? Por que?
Alguns símbolos e momentos chamaram muito a atenção na Romaria. O Memorial em homenagem às vítimas fatais das enchentes, a Cruz feita com madeiras retiradas dos escombros, o báculo do Bispo Dom Itacir Brassiani também feito com restos de madeiras das residências destruídas e as hóstias ofertadas aos fiéis em marmitas, simbolizando todas as refeições servidas aos trabalhadores voluntários e população afetada que, através de marmitas, faziam suas refeições. Tudo isso graças à solidariedade e empenho de muitos que fizeram sua parte diante de tamanha dificuldade.
O que significou, para a VOZ TV a participação inédita na transmissão ao vivo desta Romaria da Terra?
Para nós, da Equipe Voz Tv, significa muito estarmos presentes nesse momento tão importante e simbólico para a fé dos gaúchos, mas fazendo exatamente o que nos cabe: aproximar as pessoas, levar as imagens e áudio com qualidade pra que todos os que, mesmo ausentes, puderam assistir e acompanhar ao vivo, como também outros tantos que não estiveram presentes e puderam ver e relembrar depois. Agradecemos muito a todos que puderam tornar esse momento possível, incentivadores, patrocinadores e em especial à nossa audiência.
Outras considerações.
Agradeço mais uma vez a oportunidade de estar em contato com os milhares de leitores, e parabenizo a equipe pelo trabalho importante de levar a informação com responsabilidade, destacando e dando visibilidade as pessoas e locais simples que ficam muitas vezes invisíveis a grande mídia.
Conheça aqui o trabalho de transmissão ao vivo, gravado no yotube e em página de rede social:
Underground background of inside a scary water well
O fundo do poço é um lugar de passagem, onde se encontra toda a soma das suas escolhas, erradas, claro, mas que agora, acumuladas, observa-o com discrição, através de suas paredes cacimbadas. Mas é passagem! Não é moradia.
Alguém falou que o fundo do poço é o lugar mais visitado do mundo.
Poço! Imaginário ou real.
Esqueceram de falar, contudo, que a ele se volta mais de uma vez.
Você vai sair de alguma forma; puxado por alguém que jamais imaginaria, ou, voltará para fora empurrado pela própria água, que, em seu reflexo o fez cair. Mas não se afogou, pelo menos.
O fundo do poço é o melhor lugar do mundo para se conhecer as pessoas. Os amigos, os nem tanto, os próximos, a família, colegas, todos. Ali é o local onde as ingratidões vêm à tona, com o perdão da anáfora.
É o lugar onde começamos a ver o que realmente importa; a crueldade do ser humano, quando despido de todas as suas máscaras. Muitos não vão ajudar!
Mesmo que passando rente a sua entrada, ao escutarem seus gritos de ajuda, apressarão seus passos no rumo do seu caminho. Até porque, lá fundo, há sempre um depósito de máscaras esquecidas.
Pedidos de socorro ou de perdão, pouquíssimos irão ouvir. Esqueça os que convivem com você. Salvo exceções, a maioria das pessoas do seu convívio estarão imersas em suas realidades e interesses, e poucos prestarão ajuda. Talvez por medo de afogar-se ao seu lado.
Pois não será em festas onde se conhecerão os amigos. Ali, sabe-se, as pessoas estão vestidas para o teatro; em seus trajes de batalhas e suas armaduras. Em festas, quem não tem aquafobia, não afunda.
Mas quando se está na iminência de cair no escuro de um poço, as amizades começam a ficam menos frequentes e os convites, desaparecem. Ninguém quer ficar à disposição de alguém que carrega umidade, com a unhas cheias de musgos, em sua tentativa de sair de um buraco frio. As pessoas gostam de sonhos, alegrias e ainda de outras pessoas que as seguem: em seus desejos ou alienações.
Quando se chega perto de alguém com a retina escurecida, pelos dias em que passou na escuridão, quem quer a sua companhia?
Um dia, e eles são tantos, quase todos caem; seja porque se esforçaram demais para ver seus rostos refletidos em sua água rasa, seja porque não se importaram com os avisos iminentes: _ cuidado! Poço sem fundo à vista!
Muitas vezes, foi a curiosidade que o arrastou para dentro, em outras tantas, o desprezo com os avisos ignorados pelo caminho. E todos caem!
Como sair agora? Todos saem, igualmente. Molhados e trôpegos, mas saem.
Caso seja você, o novo migrante destas valas escuras, fique sabendo que uma forma de sair é justamente saber submergir um pouco. Mergulhar na indiferença dos que o cercam, sem se afogar em rancores ou arrependimentos. Ficar com a cabeça para fora, apenas poder respirar, sabendo que os seus apelos poderão não ser ouvidos… Pode ser. Nessa hora, nem os passos dos seus amigos serão percebidos; até porque eles se foram.
Quando se está lá no fundo, o silêncio e o frio o cercam, como se você estivesse a sós no mundo. _ em nossos dias, seria como deletarmos todos os nossos contatos no celular e nas redes, até porque quase ninguém nesta relação irá parar e ouvir seus gritos. Aparentemente, não.
Então, é chegada a hora de comprar uma balança imaginária e nela pensar nos nomes dos que sempre estiveram ao seu lado, mas que sumiram, por algum motivo. E os contrapesos que poderiam puxá-lo para cima, desapareceram. Mágoas e rancores, nessa hora, serão inúteis.
Não desanime!
As possibilidades em ser ouvido e puxado por alguém desconhecido ou que jamais esteve entre as suas rotinas, serão enormes. Fique sabendo que são grandes as chances de que o seu socorro virá pelas mãos de anônimos. Os nossos gritos reverberam mais em ouvidos estranhos; Jesus que o diga.
Quase sempre é chegada a hora de reavaliarmos a família, que também pode ter sumido e começar a remontá-la; agora pela nova família de alma, como nos fala Marcelo Cotrim. Isso porque o sangue comum pode não ser suficiente para o seu amparo.
Finalmente, tome todo o cuidado porque o fundo de um poço pode ser cativante, especialmente para sapos e rãs em seu coaxo. Viver em uma umidade pegajosa, acostumar-se com murmurações e rancores diante dos dias que escorrem rapidamente… Quem irá ouvi-lo?
O fundo do poço é um lugar de passagem, onde se encontra toda a soma das suas escolhas, erradas, claro, mas que agora, acumuladas, observa-o com discrição, através de suas paredes cacimbadas. Mas é passagem! Não é moradia.
O seu auxílio está a caminho e você servirá de alerta para tantos que estão na iminência de nele cair. Mas a sua vontade de gritar e sair deste mundo de musgos e água fria, tem de ser maior do que chamar a atenção alheia, pela pouca estima que restou em você.
Você vai sair, acredite! E bem melhor do que entrou.
Tome fôlego, portanto, e reaprenda a respirar. Inspire o ar possível e já comece a expirar gratidão.
Pode parecer forçado e desconexo, mas, da mesma forma que vivenciamos os perigos do monopólio privado no fornecimento da água, temos o dever de alertar para os perigos do monopólio na gestão pedagógica das escolas estaduais.
O início do ano de 2025 está marcado em várias cidades do Rio Grande do Sul, com grande repercussão em Passo Fundo, pelas consequências negativas da privatização do fornecimento de água, com longas interrupções no fornecimento, diminuição na qualidade e aumento do custo para o consumidor.
Trata-se de um histórico no qual o Governador Eduardo Leite mudou a Constituição Estadual que impedia a privatização da Corsan, desonrando um compromisso de campanha. Nessa mudança da legislação estadual, o governador foi liberado de realizar um plebiscito escutando a população a respeito da privatização do fornecimento da água.
Para cumprir com seus compromissos com o setor financeiro que o apoiaram, o governador desonrou os compromissos e a população gaúcha mudou a Constituição e começou o processo de privatização, incluindo representantes da empresa Aegea na gestão da Corsan. Outra etapa muito importante no processo de privatização do fornecimento da água foi a negociação e convencimento dos prefeitos a realizarem novos contratos com a Corsan. Esses novos contratos foram feitos sem debate público e, no caso de Passo Fundo, sem a aprovação do Legislativo municipal.
A condição imposta pela Aegea para assumir o monopólio do fornecimento da água era realizar novos contratos com os municípios, especialmente os maiores, que fossem mais favoráveis para o seu objetivo de ampliar o retorno financeiro.
Pode parecer forçado e desconexo, mas, da mesma forma que vivenciamos os perigos do monopólio privado no fornecimento da água, temos o dever de alertar para os perigos do monopólio na gestão pedagógica das escolas estaduais.
A gestão das escolas estaduais do Rio Grande do Sul passa a ser regulada por uma nova lei em 2024, que aumenta a interferência da secretaria estadual e diminui o poder da comunidade escolar, na definição das equipes diretivas da escola. Outro aspecto central na configuração atual das gestões escolares é a desvalorização da coordenação pedagógica e a concentração dos poderes nos supervisores e mentores escolares.
Mesmo sem estar na lei de gestão das escolas, o governo instituiu a figura do mentor escolar, que se apresenta como facilitador para a equipe diretiva, mas assume função central no controle digital da gestão escolar. Mais especificamente, a gestão pedagógica das escolas passou a ser centralizada, definida e controlada por uma “sombra” burocrática e digital, com a instituição de uma infinidade de novas disciplinas, na qual os sujeitos definidores, protagonistas e construtores das mesmas não são os educadores nem os estudantes.
Diante deste contexto, faz-se necessário ampliar o debate sobre as condições atuais da gestão pedagógica das escolas e mais especificamente sobre a gestão pedagógica da sala de aula. Caso contrário, nós professores não seremos mais os gestores da sala de aula e passaremos a ser escravos da função burocrática de executar as determinações impostas pelo monopólio privado das sombras burocráticas digitais.