As dimensões da inteligência humana: como acessá-las na prática docente?

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As habilidades relacionais e emocionais são fundamentais para o equilíbrio do ser humano, harmonizar a emoção e a razão para evitar a permanência em uma única vertente da realidade. O sentimento e pensamento racional se complementam e apresentam resultados satisfatórios nas condutas humanas.

A inteligência geral humana, a nossa inteligência e a dos nossos alunos, têm várias dimensões que precisam ser acessadas e estimuladas para desenvolverem todo o seu potencial. Por muitos anos prevaleceu a ideia da unicidade da inteligência; ela seria exclusivamente intelectual, racional e essa abordagem permaneceu na área da educação no Século XIX e no Século XX.

Os educadores mais antigos lembram da aplicação dos testes de QI para medir a capacidade intelectual dos alunos. No Brasil, até pouco tempo, essa compreensão sobre a inteligência predominava. Paulo Freire traz esta questão na obra “Pedagogia do Oprimido” quando fala da educação bancária: abarrotava-se a mente(memória) do aluno com conteúdos – muitas vezes sem significado para eles – e depois ele era medido nas provas para verificar-se o que ficou depositado.

Lembro-me, como aluna do curso primário, que éramos submetidos a provas nacionais às quais todas as escolas do Brasil tinham que aplicar, e que chegavam lacradas e com ritual para abertura do pacote na frente da turma e com a presença de um fiscal. Através dessas avaliações, se classificavam o QI dos alunos.

Neste vídeo, faço uma abordagem das Competências socioemocionais e a minha experiência com relação à aplicação dos testes de QI. Assista: https://youtu.be/UZtetrhM36k?t=1144

Uma das questões que tive que resolver, no primeiro ano primário, era colocar a vela num desenho de um barco. Como boa gaúcha, e não nordestina, desenhei, bem feliz, uma vela de sebo para iluminação, inclusive caprichando no pavio e na chama. Estava eu completamente errada, segundo a avaliação, pois a vela a que se referiam era uma peça de barco à vela, coisa que não fazia parte do meu viver.

Viva Paulo Freire, que preconizava a importância do significado do conhecimento para o aluno!

Felizmente, as pesquisas sobre o cérebro humano e a inteligência avançaram nas últimas décadas do século passado e continuam trazendo novas informações que necessitam ser estudadas pelos educadores nas escolas. Em 1983, o psicólogo norteamericano Howard Gardner e equipe de pesquisadores da Universidade de Harvard, após estudos de mais de trinta anos analisando os resultados da visão unicista da inteligência, concluíram que deveria haver outras formas de manifestação, diferente deste posicionamento, as inteligências múltiplas. Inicialmente relacionaram sete inteligências: Lógico-matemática, Linguística, Espacial, Musical, Corporal-cinestésica, interpessoal e Intrapessoal, logo depois acrescentaram a Naturalista e a Inteligência Existencial.

A partir destas pesquisas, passou-se a considerar que o ser humano, antes de tudo, é um feixe de emoções que o dirigem, o condicionam, elaboram programas para a sua estrutura psicológica e contribuem para a sua autorrealização.

As habilidades relacionais e emocionais são fundamentais para o ser humano e não apenas as resultantes de sua racionalidade.

Em 1987, o psiquiatra norte-americano Robert Coles publicou o livro The Moral Intelligence of Children, resultado de pesquisa de três décadas onde ele destaca a diferença entre o caráter e o intelecto e a ascendência do primeiro sobre o segundo e sugere a adoção da didática do exemplo, centrada na educação moral de crianças e adolescentes.

O adulto é o modelo que vão imitar.

A educação da dimensão moral da inteligência tem como práticas eficazes o diálogo e o exemplo, a conversa livre, espontânea, sem imposições entre professor e aluno onde se expressa o afeto recíproco, sem censuras, com plena liberdade de expor opinião, de questionar e o bom exemplo ajudam a melhorar o relacionamento dos educandos no lar, na escola e na sociedade.

Nos deslizes morais, a tolerância deve ser zero por parte dos educadores.

Em 1995, o psicólogo Daniel Golemann, nos Estados Unidos, lança o livro Emotional Intelligence no qual evidencia que o QI, quociente da inteligência racional não era suficiente para garantir o sucesso de alguém em qualquer área da vida. Seria preciso desenvolver o QE (quociente emocional), que promove o melhoramento efetivo dos relacionamentos humanos em todos os grupos sociais, resolvendo conflitos pessoais, estimulando a fraternidade e a maior eficácia do processo de aprendizagem, introduzindo o fator afetividade sadia no relacionamento escolar.

As habilidades relacionais e emocionais são fundamentais para o equilíbrio do ser humano, harmonizar a emoção e a razão para evitar a permanência em uma única vertente da realidade. O sentimento e pensamento racional se complementam e apresentam resultados satisfatórios nas condutas humanas.

QS – Inteligência Espiritual No ano 2000, a psicóloga e filosofa Danah Zohar e o psicólogo Ian Marshall publicam o livro The Ultimate Intelligence, lançado no Brasil QS – Inteligência Espiritual, eles fundamentaram-se em suas pesquisas e observações diretas e nas pesquisas de eminentes neurologistas, localizando, no cérebro, o “módulo Deus” ou o DNA Divino o qual está relacionado com a busca do sentido de vida, ponto capital da inteligência espiritual.

Eles concluíram que o desenvolvimento das dimensões da inteligência racional (QI) e a emocional podem trazer crescimento e sucesso profissional, financeiro e social, mas não necessariamente paz interior e alegria. Preconizam que é preciso encontrar um sentido mais amplo e profundo para a vida, na forma de um propósito pessoal, robustecido por valores mais elevados, perceber que não se está sozinho no mundo, que pertencemos ao todo e isto desperta o espírito de cooperação que é a forma mais elevada da inteligência espiritual. Assim se conquista a habilidade para lidar com os problemas existências e encontrar o verdadeiro e mais profundo propósito da vida.

Para o desenvolvimento do QS deve-se estimular o autoquestionamento: Qual o meu propósito de vida? Estou sendo coerente com este propósito? Por que certas coisas me incomodam? Do que gosto em mim? Do que não gosto? Quais meus limites? Qual o futuro que desejo? E assim por diante. O objetivo é buscar encontrar o propósito da vida, considerar a dor, o sofrimento, as frustrações, como desafios existências. Enriquecer o espírito com novos conhecimentos, novos valores emergidos do âmago do ser, nos tornando mais flexíveis e holísticos.

No ano de 2003, nós erámos professora da Escola Estadual Tom Jobim, situada nas dependências da FASE (Fundação Socioeducativa de Porto Alegre), destinada a oferecer o ensino fundamental aos jovens de 12 aos 18 anos, em medida socioeducativa, com restrição de liberdade, com vistas à futura reinserção na sociedade. A escola atende todas as Unidades da FASE, inclusive a feminina. As salas de aula comportam, no máximo, 10 alunos, o professor e um monitor que fica de guarda na porta para garantir a segurança.

Dávamos aulas de História, Geografia e Ensino Religioso, experiência marcante onde tinha que empregar todos os meus conhecimentos de pedagogia e buscar novas informações para tornar as aulas atrativas e participativas. Apesar das dificuldades naturais, sempre me entrosava bem com os alunos e os monitores. Buscava analisar a situação de cada aluno para entender onde o lar, a escola e a sociedade haviam falhado no encaminhamento daquela pessoa, tão jovem, tornar-se transgressora da Lei e precisar sofrer medida socioeducativa.

Naquele ano, aceitamos o desafio proposto pela direção da escola, com o apoio da SEDUC, de darmos aulas de Inglês, já que tínhamos a formação legal, para turma de alunos que não poderiam se formar na educação fundamental porque faltava cumprir a carga horária da disciplina de Inglês, sendo que os cinco professores que a SEDUC tinha encaminhado desistiram de continuar dando aulas pela pressão dos alunos. Teríamos que recuperar a carga horária e trabalhar os conteúdos básicos da disciplina. Às pressas, analisamos os planejamentos anteriores e concluímos que seria inadequado seguirmos na mesma linha, com os mesmos livros didáticos que apresentavam a realidade norteamericana totalmente diferente da realidade dos nossos alunos.

Conforme Paulo Freire, esta não tinham significado para eles. Já havíamos entrado em contato com as pesquisas sobre a inteligência espiritual, de Danah Zohar e Ian Marshall e organizamos nosso planejamento nesta linha – a inteligência espiritual, como foco pedagógico, sem desmerecer as demais dimensões da inteligência dos meus futuros alunos. Na sala dos professores, quando veio a informação de que nós assumiríamos “aquela turma” houve gracejos jocosos dos colegas que sugeriram até que ensinássemos a assaltar em inglês e os alunos ficariam interessados nas aulas.

No primeiro contato com os alunos, eles me informaram que nós seríamos a sexta professora a ir embora. Conversamos e após colocamos no quadro a frase: God, help us. Pedi que copiassem a frase. Expliquei o significado de cada palavra e pedi para escreverem em português. Foi um impacto. Todas as aulas iniciavam com uma frase em inglês sobre Deus que eles tinham que traduzir para o português.

Não utilizei nenhum livro didático disponível. Todas as frases e textos em inglês que escolhemos para trabalhar em aula estimulavam a dimensão espiritual da inteligência, como o texto do Pai Nosso, em inglês para os alunos traduzirem para o português. Paralelamente, fomos desenvolvendo os conteúdos básicos da língua inglesa num clima de muita harmonia e participação em sala de aula, até os monitores faziam questão de ficar atentos na aula. Os alunos brigavam entre eles para assistir a aula, pois só era dez por vez.

Após um mês de trabalho intensivo, para surpresa de meus colegas professores, quando entrávamos na Unidade desta turma e os alunos já estavam na quadra central de esporte, jogando ou brincando nós erámos saudada: Good morning, teacher. Ho are you? Nice to see you.

O momento mais marcante desta experiência foi quando desenvolvemos a aula com o vocabulário sobre a família, seus membros e a construção de frases utilizando os verbos to be e to have, começamos a aula colocando o título; The Family, abaixo escrevemos: God is our father, we are all brothers. Fizemos juntos a tradução e fomos introduzindo todos os vocábulos referente ao assunto. Cada aluno formava suas frases referentes a sua família etc. depois apresentava ao grande grupo. Tudo com muito entusiasmo e participação espontânea.

 No final da aula, todos saindo, fomos apagar o quadro, quando percebemos que um dos jovens ficou junto de nós, ele era considerado, devido suas atitudes, de grande periculosidade, o monitor fez menção de vir até nós, com a mão pedi que ele parasse e perguntei ao jovem: Meu filho, estás com alguma dúvida? Podes perguntar. Só então vi que ele estava em lágrimas, segurou me braço e disse: Professora, até agora eu nunca disse a palavra pai para ninguém e a senhora me disse que Deus é meu pai, eu tenho pai. Foi muito emocionante.

Para desespero do monitor, conversamos bastante, o jovem me contou sua vida, desde que o pai biológico não quis conhecê-lo até que ele já era pai de uma menininha linda… Explicou-me que agora se sentia feliz porque descobriu que era filho de Deus. Finda a recuperação da carga horária das aulas de inglês, todos foram aprovados e receberam o documento de conclusão do Ensino Fundamental. Graças a Deus!

Nós professores e professoras precisamos nos apropriar das novas descobertas das Neurociências e das ciências do comportamento humano com o objetivo de aprimorar o fazer pedagógico, tornando-o agradável para quem ensina e quem aprende, tornar a sala de aula um espaço dinâmico de relacionamentos harmônicos, onde todos tenham gosto de pertencer.

Muitas vezes, privilegiamos a estimulação só de uma ou outra dimensão da inteligência de nossos alunos, deixando as outras dimensões de lado. Precisamos perceber cada aluno como um ser único, excepcional, que traz insto, dentro de si uma abertura maior, um talento inato em uma ou mais dimensões da sua inteligência múltipla: tem mais afinidade com o raciocínio lógico-matemático, ou com a comunicação, expressão verbal, ou com a música e as demais artes, ou com a movimentação do corpo, ou com a espacialidade, é um verdadeiro GPS, ou tem facilidade em comunicar-se com todos, ou só consigo mesmo, ou tem forte ligação com as questões ambientais, ecológicas e transcendentais.

Através da observação, do diálogo, da participação em sala de aula, do conhecimento de seus dados pessoais, teremos condições de traçar o perfil de cada aluno. Temos que levar em conta que nós e nossos alunos temos a espiritualidade básica e possuímos qualidades humanas fundamentais, como bondade, compaixão, empatia, em maior ou menor grau, independente da religião que pertençamos.

Harold Koenig, professor de Psiquiatria e Comportamento Humano da Duke University, alerta que a espiritualidade está baseada na busca de cada pessoa do significado e propósito definitivos da vida, é uma força propulsora na busca desse sentido e dos mistérios do transcendente. Consideramos que o momento inicial da aula deve provocar um impacto nos alunos, ser estimulante, provocativo: uma prece, uma música, um pequeno texto edificante, ou frase, uma dramatização, uma notícia desafiante, um exercício respiratório, um relaxamento conduzido, uma meditação…

Olhos, ouvidos, cérebro e coração vão ficar ligados na figura do(a) professor(a). Educar é uma Arte!

No desenvolvimento das habilidades socioemocionais, destaca-se que o educando não domine apenas o conhecimento cognitivo, tradicional, mas que saiba a importância do controle das emoções, da empatia, das relações sociais e da tomada responsável das decisões. Recursos pedagógicos: diálogo, conversa, trabalho colaborativo, elaboração de projetos em conjunto a partir de uma problematização. Assuntos como igualdade, diferenças, ajudam a que se reconheça e respeite o outro e verbalize sentimentos e intenções de si e dos outros. Exercitar a arte da convivência: ouvir e aceitar o outro como ele é. Leia mais: https://www.neipies.com/o-ensino-religioso-e-habilidades-socioemocionais/

Autora: Gladis Pedersen de Oliveira

Referências bibliográficas:

Amui, A.B.F. – Princípios que fundamentam a educação do espírito. Ed. Esperança e Caridade – Sacramento MG 2015

Durgante, C.E.A. – Fé na Ciência Mira Ed. Porto Alegre RS 2013

Frankl, V.E. – Em Busca de um Sentido Ed. Vozes RJ 2010

Koenig, H.G. – Medicina e Saúde – O encontro da Ciência com a Espiritualidade LPM ed. Porto Alegre 2005

Franco, Divaldo P. – Triunfo Pessoal Ed Leal Salvador BA 2002 ——-Vida, Desafios e Soluções Ed Leal Salvador BA 1998

Oliveira, G.P. – Educação, a Arte de Manejar o Caráter Ed. Olsen POA RS 2017

Rodrigues, M. – Educação Emocional Positiva – Sinopsys, Ed.2015

Edição: Alex Rosset

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