Sobre a inversão dos sentidos

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Ainda somos os mesmos, embora não o somos do mesmo jeito, mesmo porque não se pode banhar-se duas vezes no mesmo rio, como dizia Heráclito de Éfeso.

O olho que foi feito para enxergar bem, já não vê. O ouvido criado para ouvir cuidadosamente e com atenção a todos, escuta só o que e a quem convém. A boca que deveria falar palavras respeitosas, verdadeiras e construtivas, já não se abre para comunicar. A cabeça colocada sobre o corpo para pensar, já não pensa de acordo com a razão.

O coração onde deveriam residir sentimentos de amor, já não é capaz de amar. O corpo inteiro que se queria saudável, está doente. A doença que se resolvia com remédio ou bênção parece que já não tem cura.

O médico que se preparou com muita dedicação para tratar dos pacientes, está ele mesmo doente. O psicólogo que se formou para cuidar da psique ferida e traumatizada, está também ele transtornado. O professor que se esmerou nos estudos por longos anos para ensinar, foi agora desprezado em seu saber. O político que foi eleito para promover o bem comum, acabou por incitar a nação ao ódio. O juiz que foi escolhido para praticar a justiça, passou a cometer crimes contra a democracia.

A escola que tinha por finalidade desenvolver uma educação humanizadora, com visão crítica e compromisso social passou a vender uma espécie de mercadoria de baixa qualidade. A família que foi criada para ser ambiente de afeto e aconchego, tornou-se espaço de difícil convivência e de relações conflituosas.

Assista também conteúdo sobre a mudança do papel dos pais na educação de seus filhos e filhas: https://youtu.be/LJTBoRNPkBU?list=PLDwf2YrZZoEeucIGZqaoL85hi78NKncC2&t=101

A religião que acompanha a trajetória humana desde a sua origem e que visa o amor, a paz e a vida, encheu-se também ela de sinais de violência e dominação.

A política que, conforme Aristóteles, tem por finalidade primeira garantir a felicidade das pessoas em sociedade, converteu-se em pesadelo só de falar nela, porquanto induz à intolerância agressiva.

Os meios de comunicação e, mais recentemente, as redes sociais que foram inventados para comunicar, estabelecer conexões e facilitar a nossa vida em todos os aspectos, transformaram-se em canais propagadores de mensagens falseadas ou falseantes, intoleráveis e intolerantes.

A sociedade que se pretendia caminhava num processo evolutivo, parece estar em franca decadência.

O planeta que se almejava fosse a Casa Comum, bem cuidada por todos, dá sinais de cansaço e pedidos de socorro devido à sanha privatista, consumista e inconsequente de muitos. O céu parece ter se rebaixado e as utopias terem se encolhido no tamanho e diminuído de intensidade.

Porém, ainda somos os mesmos, embora não o somos do mesmo jeito, mesmo porque não se pode banhar-se duas vezes no mesmo rio, como dizia Heráclito de Éfeso. Sentimos em nós as metamorfoses, enquanto a vida passa. Metamorfoses nem sempre evolutivas.

Na medida em que o corpo de cada ser individual se modifica em sintonia ou dessintonia com o corpo social, nossa alma ainda pode sonhar. Nosso espírito ainda pode ressurgir. Nosso sonho ainda pode se alçar. Nossa esperança ainda pode se esperançar.  Enquanto a vida pulsa, é possível mudar a direção dos sentidos e dar aos sentidos nova direção!

Autor: Dirceu Benincá

1 COMENTÁRIO

  1. Verdade precisamos tomar direção das nossas próprias vidas e seguir em frente com grande discernimento.

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