Reflexões sobre religião e política

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O surgimento de novos atores religiosos no Brasil
mostra que o País não é uma nação totalmente
católica e que comporta a pluralidade de
identidades religiosas, apesar de, ainda,
a maioria ser de vertentes cristãs.


Andando pelas ruas dos centros urbanos dos municípios brasileiros, notam-se templos evangélicos, igrejas católicas, associações islâmicas, centros esotéricos, instituições espíritas e organizações das religiões africanas repletos de pessoas que buscam respostas para suas necessidades cotidianas.

Os veículos de comunicação tornaram-se alvos prediletos das lideranças religiosas. Não são raras às vezes em que, vendo um canal de televisão, lendo um jornal, navegando na internet ou sintonizando uma emissora de rádio, encontra-se uma exaustiva e extensa programação religiosa com o objetivo de angariar mais fiéis. Com promessas de curas, milagres, libertações e, sobretudo, ascensão financeira e social, as programações religiosas, principalmente as pentecostais, ocupam horários até então impensáveis nos mais diversos meios de comunicação.

No campo caritativo, existem inúmeras iniciativas filantrópicas que, em nome de um ethos religioso, realizam obras sociais. Podem-se citar, como exemplos, o trabalho com dependentes químicos e/ou a recuperação de alcoólatras, a ajuda financeira a mendigos, famílias carentes e instituições sociais, e os trabalhos voluntários desenvolvidos em hospitais, presídios, creches e escolas, dentre outros.

O mercado editorial tem-se surpreendido com o número elevado de vendas de livros, os quais fornecem conselhos e conforto espiritual para os problemas da humanidade, a exemplo de produções no campo da autoajuda ou, até mesmo, de publicações católicas (livros do Padre Jonas) e evangélicas (livros do bispo Edir Macedo). No campo fonográfico, grupos gospel e padres cantores fazem shows pelo mundo inteiro arrebanhando milhares de fãs. Dentre eles, estão: Padre Marcelo Rossi, Padre Fábio de Mello, Diante do Trono, Oficina G3 e Toque no Altar.

Percebe-se, também, a entrada de diversas denominações religiosas no processo eleitoral brasileiro. O intuito dessas instituições religiosas em eleger seus representantes, seja para cargos executivos ou para cargos legislativos, é propor projetos de lei de acordo com seus dogmas e valores, favorecendo suas práticas religiosas, e usar a estrutura estatal para expansão de suas atividades e, consequentemente, obtenção de novos adeptos, dentre outras razões.

O surgimento de novos atores religiosos, no Brasil mostra que o País não é uma nação totalmente católica, e que comporta a pluralidade de identidades religiosas, apesar de, ainda, a maioria ser de vertentes cristãs.

Percebe-se que nas últimas décadas é notória a queda não apenas do número de adeptos do catolicismo, mais também, sua influência em todos os setores da sociedade brasileira. Se antes ditava as regras nas relações políticas, econômicas e de outros segmentos em função do seu monopólio no campo religioso, hoje, precisa conviver e disputar espaços de influência e de decisão com outras vertentes religiosas, a exemplo dos grupos pentecostais e neopentecostais.

O campo religioso passa por processo de transformação nas últimas décadas.

O País passa a conviver com um pluralismo religioso cada vez mais intenso, e o crescimento de outras vertentes cristãs e os sem religião. Paralelamente a isso, percebe-se o aumento de novas ofertas  religiosas,  denominados novos movimentos religiosos, aumento da liberdade religiosa e liberdade de culto. Nunca se vivenciou no Brasil antes o direito de o cidadão ter ou não uma religião, ou escolher como viver suas experiências com o sagrado.

Com o crescimento de outros grupos religiosos, a Igreja Católica passa a dividir um espaço que antes tinha apenas a sua presença. No tocante à política, o Estado Brasileiro passa a levar em consideração o potencial eleitoral dos grupos evangélicos, os quais, por meio de partidos, igrejas e associações conseguem emplacar seus representantes. Grupos como espíritas, religiões de matrizes africanas e religiões orientais começam a adentrar aos setores dos meios de comunicação para divulgar as suas propostas religiosas, dentre outros exemplos.

Em função do contexto concorrencial, a Igreja Católica se vê obrigada a redefinir as formas que se relaciona com a sociedade como um todo. Novas estratégias começam a ser desenvolvidas por padres, bispos e leigos para permanecerem atuantes junto aos fiéis e às instituições brasileiras.

No âmbito da política partidária que se percebe uma mudança notável na presença dos setores do catolicismo.

Os evangélicos pentecostais têm se destacado nesta prática. Para eleger seus representantes, Igrejas como Universal do Reino de Deus, Internacional da Graça e Assembleia de Deus, desde o findar da década de 1980, têm utilizado seus veículos de comunicação para expor a imagem dos candidatos, fazem propaganda política nos eventos religiosos, têm membros de suas igrejas como cabos eleitorais, investem financeiramente nas campanhas eleitorais, além de outros meios. Para a autora, essas práticas consistem no “jeito” evangélico de fazer política.

O crescimento dos grupos evangélicos na política partidária, informa que essas instituições religiosas trabalham com “candidaturas oficiais”. É comum que os conselhos das igrejas escolham e apoiem, explicitamente, determinados parlamentares. Isso é uma prática recorrente na Igreja Universal do Reino de Deus e tem sido imitada por outras Igrejas a partir dos anos 2000. Com este avanço dos pentecostais evangélicos na esfera política e, consequentemente, a perda de influência da Igreja Católica junto ao poder público, os católicos têm se organizado e tentado eleger seus representantes na defesa dos seus interesses. Para este fim, a Renovação Carismática Católica tem se destacado neste sentido.

Os carismáticos surgem na década de 1960 nos Estados Unidos, num contexto de competição religiosa com outros movimentos religiosos buscando influenciar cada vez mais as decisões no espaço público. A partir do seu nascimento e expansão para outros países, muitos setores do catolicismo têm investido em suas dioceses para atrair novos adeptos à sua religião e evitar a fuga de católicos para outros grupos religiosos.

No Brasil, desde o início das atividades, no final dos anos 1960, os carismáticos, por meio de grupos de oração, missas de cura e libertação, e com o surgimento de novas comunidades  católicas  de  inspiração  carismática,  têm  conseguido  atrair  centenas e milhares de pessoas para seus eventos de massa e muitos têm se identificado e trabalhar para a divulgação de seus ideários.

É comum nas atividades realizadas pela RCC o uso de uma linguagem simples, objetiva e um intenso uso da emoção. Recorre-se a cantos, extensos momentos de oração, uso de expressões corporais e apresentações de teatro e dança para tornar seus eventos mais atrativos. As palestras proferidas pelas lideranças carismáticas sempre possuem uma mensagem para oferecer respostas aos problemas diários das pessoas. Isso permite que o conteúdo católico repassado possa oferecer respostas para os problemas cotidianos do público-alvo ou ajudá-lo a lidar com as dificuldades do dia a dia.

Nas atividades carismáticas é comum a ajuda comunitária. Não são raros os momentos em que os fiéis têm acesso a aconselhamentos, direcionamentos para lidarem com determinadas situações e ainda, se for necessário, receberem ajuda financeira, alimentícia ou para suprir outras necessidades básicas.

O fato de a RCC poder contar com muitos ajudantes permite a ela desenvolver trabalhos mais específicos com determinados segmentos da sociedade. Por exemplo, no estado de São Paulo é normal existirem trabalhos com famílias, universitários, crianças, jovens e seminaristas. Dito de outra forma, em razão da sua estrutura burocrática, do apoio de setores do clero, dos muitos militantes, do acesso a veículos de comunicação, dentre outros fatores, os carismáticos do Brasil conseguem desenvolver muitas atividades ao mesmo tempo com grupos diferentes, e assim ramificar suas ações em diversos lugares.

Por outro lado, nem todos os setores da Igreja Católica apoiam a existência dos carismáticos. Setores mais conservadores, a exemplo dos tridentinos, criticam o carismatismo católico e o fato de o movimento ser muito parecido com os pentecostais – e assim ter o objetivo de mudar a tradição da Igreja Católica ou mesmo se emancipar e criar uma instituição religiosa autônoma.

Outro grupo católico muito crítico dos carismáticos é a ala progressista. Liderada pelas comunidades eclesiais de base (CEBs) e as pastorais sociais, esta ala reforça a ideia de que os carismáticos são caracterizados por uma religiosidade intimista, emocionalista, alienante e apenas oracional, não preocupada com as questões socioeconômicas do Brasil, lutas de classe ou com os problemas trazidos pelo capitalismo. Logo, haveria uma não haveria preocupação por parte dos carismáticos em modificar as mazelas sociais do Brasil, já que o máximo de social exercido por eles é no campo do assistencialismo.

Os carismáticos e os pentecostais são muito parecidos. Ambos possuem o fundamento dos dons do Espírito Santo, que seriam o uso das orações em línguas (glossolália), espontaneidade nas orações, recorrentes orações por busca de curas físicas e emocionais, milagres, exorcismo, uso de instrumentos musicais, uso de aspectos culturais locais em suas atividades e atuação política em torno de temáticas conservadoras. Porém, o fato de ambos serem de instituições religiosas diferentes acaba gerando uma competição acirrada.

No campo político, os católicos carismáticos têm conseguido eleger vereadores, prefeitos, vice-prefeitos, deputados estaduais, deputados federais e, em outros momentos, apoiar candidatos a governos de estados, ao senado e à presidência da república, sendo o político mais expressivo o atual Deputado Federal Gabriel Chalita. Além disso, oficialmente, a RCC tem se posicionado, claramente, quanto às questões relativas ao aborto, casamento gay, eutanásia, partidos de esquerda, sensibilizado seus membros a votarem em candidatos apoiados oficialmente e tentado influenciar juízes para deliberar favoravelmente sobre seus interesses.

Em outra reflexão publicada no site, defendemos que “o Brasil historicamente avançou, em parte, na liberdade religiosa. Não temos mais uma religião oficial. As pessoas em suas casas possuem certa autonomia para praticarem ou não uma religião ou espiritualidade. Mas, ao olharmos as questões públicas não é bem assim. As decisões políticas beneficiam católicos e evangélicos. Exemplos: partidos confessionais, bancadas religiosas, concessão de rádio e tv, feriados religiosos, financiamento público em projetos religiosos, dentre outras situações. Esperamos que a situação supracitada modifique, com a atuação de todos nós, a favor da liberdade religiosa”. Leia mais aqui.

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