A Esquerda Brasileira e a Religião no Brasil

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As experiências da participação política no Brasil de grupos mais progressistas contaram com o apoio efetivo de segmentos religiosos. Isso contraria a tese de que correntes de esquerda são ateias ou são contrárias à religião.

Muito falacioso quando correntes teóricas ou politicamente conservadoras ou radicais pensam que todas as correntes de esquerda são ateias ou são contrárias a religião. Muito pelo contrário, as experiências da participação política no Brasil de grupos mais progressistas contaram com o apoio efetivo de segmentos religiosos. Isto é, seja de direita, centro ou esquerda as conexões com grupos religiosos no tocante a questões políticas na realidade brasileira é inevitável, eu diria, até desejável por todos os grupos.

No período nefasto da Ditadura Militar (1964-1985), a teologia da libertação que estava presente fortemente na Igreja Católica, e alguns grupos protestantes, resistiram bravamente contra a tortura, censura e as mortes. As lideranças religiosas em seus templos motivavam seus fiéis a defenderam a democracia e não aceitarem qualquer forma de autoritarismo.

Nos anos de 1970 e 1980, surgiram do seio da Igreja Católica e de algumas Igrejas Protestantes, padres, bispos, pastores e leigos dispostos a lutar para um Brasil melhor. No contexto do catolicismo brasileiro, as comunidades eclesiais de base (CEBs), destacam-se como modelo popular de organização política, que desenvolveu trabalhos importantes na luta pela reforma agrária, questão da imigração, saúde, educação, segurança pública, mulheres, indígenas e juventude. Surgem as pastorais sociais, grupos de discussão sobre fé e política, fortalecimento da Campanha da Fraternidade, jovens progressistas e diversos trabalhos sociais nas periferias do Brasil.

A criação do Partido dos Trabalhadores (PT) foi possível graças a articulação e protagonismos das CEBs (não somente, é claro). A Igreja Católica do Brasil contribui para a criação do maior partido de esquerda da América Latina nos dias atuais. Lideranças católicas ajudaram na construção do conteúdo programático, implantação dos diretórios, novos filiados, organização institucional, formação política, articulação política e no envolvimento das eleições.

Nascia no início dos anos 1980, o primeiro partido de base popular progressista do Brasil. Muita esperança depositada neste momento da história política do Brasil, liderado pelo então sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva. Isto mostra as conexões históricas que as esquerdas brasileiras têm com questão religiosa.

O PT rapidamente expandiu pelo Brasil. Nos anos de 1990, o PT, já era o maior partido de oposição a nível nacional no regime democrático. Com discurso atual, sempre conectado com a suas bases e linguagem jovial conseguia contundentemente criticar as políticas neoliberais que vinham sendo implantadas no Brasil pelo governo do sociólogo Fernando Henrique Cardosos (FHC). Nos anos 1990, consegue chegar ao poder em algumas cidades importantes do Brasil e eleger número significativos de deputados federais, deputados estaduais e senadores.

A partir da década de 1990, percebemos o enfraquecimento do trabalho popular das CEBs. Contudo, as lideranças surgidas deste contexto religioso-político, firmaram-se como alternativas políticas para cargos executivos e legislativos, a exemplo da Marina Silva, Alessandro Molon, Patrus Ananias, Chico Alencar, dentre outros. Dito de outra forma: dificilmente, sem as correntes progressistas religiosas, o PT teria esta grande dimensão.

Essa queda dos setores vinculados a teologia da libertação no contexto católico está umbilicalmente ligada a restauração conservadora conduzida pelo Papa João Paulo II e o Papa Bento XVI. Ambas lideranças católicas incentivaram a criação de organismos católicos de espectro político conservador, liberal e de direita, a exemplo da Renovação Carismática Católica, Comunhão e Libertação, Focolares e dentre outros movimentos. Apoiaram publicamente movimentos sociais contrários ao comunismo, trabalharam para a queda da União Soviética, e silenciaram, expulsaram e censuraram expoentes da teologia da libertação no interior dos quadros da Igreja Católica. Ainda promoveram reforma na formação dos seminaristas, (re)divisão das dioceses no Brasil e nomeação de bispos mais conservadores.

Depois de 4 derrotas seguidas para eleição presidencial, Lula, modifica um pouco o seu estilo. Em 2002, aproxima de outras correntes religiosas (Igreja Universal do Reino De Deus, Assembleia de Deus, e outras Igrejas) e do espectro político centro-direita e consegue eleger-se presidente. Não tenha dúvidas que a gestão petista a frente do governo brasileiro foi um marco de mudanças na nossa sociedade. Nunca tivemos tantas políticas públicas voltados para as pessoas marginalizadas e um bom período econômico.

Entretanto, em nome da governabilidade e para a perpetuação no poder, bandeiras históricas construídas na Igreja Progressistas pouco avançaram. Podíamos ter ampliado a questão da reforma agrária, ampliado os direitos indígenas, democratizado os meios de comunicação, taxado as grandes fortunas, reforma política, os investimentos feitos em projetos sociais deveriam pensar mais a qualidade e não a quantidade, uma política mais efetiva no combate as questões ambientais, e atendimento mais efetivo as pautas identitárias: combate ao preconceito as minorias. Isto é, em vez disso, promovemos amplo crescimento econômico, vários projetos sociais, mais não uma reforma estrutural que o Brasil precisava, e que era o sonho desde a criação do partido.

O PT virou amigo dos bancários, pastores fundamentalistas, empresários que pensam apenas em seus lucros, e deslocou da sua base. Com o golpe aplicado em 2016, torna-se necessário o partido encontrar-se com sua história e sua base. Não é algo simples.

O PT, como as esquerdas, necessitam ouvir mais o povo pobre e incluir em suas demandas e reivindicações. Lógico que não temos mais aquele progressismo na Igreja Católica. Temos muitas lideranças religiosas e de movimentos sociais que estão dispostos a reconstruir um partido que deu muita contribuição para o Brasil. Faz-se necessário e urgente este movimento.

O primeiro grande inimigo que precisa ser derrotado é o bolsonarismo. Caráter fascista, autoritário e pseudo-liberal tem demostrado fortalecimento nos últimos anos. Os setores progressistas católicos e evangélicos são essenciais neste movimento. Papa Francisco tem ajudado nesta linha de pensamento. Publica livros, faz pronunciamentos e ações práticas afirmando que a política deve ser voltada para o pobre.

Esta é a centralidade do evangelho. Promover a dignidade humana dos desfavorecidos.

Volto a dizer, voltar as bases deve ser obrigação para continuar o processo de reconstrução.

Autor: Marcos Vinicius de Freitas Reis. Também publicou no site “O Brasil é um país laico?”: https://www.neipies.com/o-brasil-e-um-pais-laico/

Edição: A. R.

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