Quem se beneficiou ou se beneficia de privilégios
tem o dever moral de ajudar a combatê-los.

 

Eu tenho uma família amorosa, filhos saudáveis, uma casa confortável. Tenho um trabalho digno e uma vida tranquila. Parte disso é mérito meu, a maior parte é privilégio. Eu tive e tenho muitos privilégios. Cresci em um ambiente seguro, onde nunca faltou médico ou comida. Entrei na escola na época recomendada, e consegui concluir o ensino superior. Tive acesso a muitas coisas simples, mas que para muita gente são inacessíveis.

Um privilégio é uma vantagem, uma regalia, um direito que não é acessível a todos, mas apenas a um indivíduo ou grupo. Pode ser algo que distingue uma pessoa das demais.

Alguns privilégios são conquistados com trabalho árduo. Dá para pensar em privilégios transferidos, como quando os pais trabalham e se esforçam muito e podem proporcionar aos filhos uma vida mais fácil, independente das qualidades pessoais dos sucessores. Acho que, se pensarmos bem, algumas pessoas merecem privilégios, pelas qualidades morais, intelectuais ou artísticas que possuem, com as quais contribuem para a sociedade. Pessoas que tornam o mundo melhor merecem nosso reconhecimento.

Mesmo que alguns privilégios se justifiquem por mérito, grande parte é fruto da desigualdade, condição que esses mesmos privilégios perpetuam. No nosso país, muito do que deveria ser básico e universal é para poucos. Educação de qualidade não pode ser privilégio. Saúde não pode ser privilégio. Ter uma casa confortável, alimentação adequada, trabalho digno, infância segura, nada disso poderia ser privilégio.

O privilégio causa distorções difíceis de corrigir. Princípios teóricos interessantes como a meritocracia não funcionam onde há privilégios. Não há como medir adequadamente o mérito ou esforço pessoal quando as condições iniciais são tão diferentes. As distorções causadas pelo acesso inadequado à saúde, educação, lazer, também tem um efeito nefasto no desenvolvimento das potencialidades das crianças e jovens. Quantos grandes talentos são perdidos por falta de acesso a condições básicas de desenvolve-los? Acredito que é um prejuízo incalculável o número de cientistas, esportistas, empreendedores e artistas que o país poderia ter e nunca terá.

Enquanto o básico não for universal, teremos um país injusto, desigual e que não avança no desenvolvimento humano. É certamente um caminho longo o que temos que trilhar para superar essa dificuldade, e penso que quem se beneficiou ou se beneficia de privilégios tem o dever moral de ajudar a combatê-los, cabe a essas pessoas uma parcela maior de responsabilidade pela construção de uma realidade mais digna para todos.

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