Consumismo e felicidade: uma relação inviável

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No monte de lixo de tantos desejos superficiais e supérfluos, tratei de desvendar o desejo mais profundo de meu ser. Que mais queriam meu coração e minha alma?

Era uma vez… Eu, você, ele, nós, todos… Vivíamos no mundo fantástico das novidades. Corríamos atrás delas com o mesmo afã do sedento que busca água fresca. Surfávamos na onda dos últimos lançamentos da moda. Cores e sabores, ruídos e imagens, luzes e sons nos embriagavam de prazer. Era só procurar nas lojas das ruas e shopping centers, profusamente iluminadas, e aí encontrávamos o que estávamos procurando.

Aliás, a publicidade e a propaganda, orientadas pelas técnicas mais sofisticadas do marketing, nos antecipavam o que deveríamos buscar. Não precisávamos quebrar a cabeça: o mercado se encarregava de descobrir novas necessidades, estimular nossos desejos e oferecer tudo isso revestido de embalagens sedutoras e irrecusáveis. Digamos de passagem que, via de regra, os invólucros custavam bem mais caro do que o conteúdo. Tanta era a preocupação de atrair novos clientes.

Porém, os objetos tinham curto prazo de validade. Não que estivessem estragados ou quebrados, mas é que a todo tempo surgiam novos modelos. Era preciso antecipar-se aos demais. Dominava a lei da moda e não podíamos ficar ultrapassados.

Filme “A história das coisas”. Da extração e produção até a venda, consumo e descarte, todos os produtos em nossa vida afetam comunidades em diversos países, a maior parte delas longe de nossos olhos.

O último carro, o último computador, o último celular, a última blusa, a última bolsa, o último relógio, o último sapato, a última calça ou vestido, o último modelo de apartamento… Em tudo, imperava a última novidade. Sorte que a “telinha” nos poupava o trabalho de escolher: despejava sobre nossas salas uma avalanche estridente de objetos com brilho novo, recém-saídos da fábrica.

Mas, da mesma forma que os objetos, também nossa satisfação tinha prazo curto de validade. A sede de algo inédito voltava com a força do desejo represado. Navegávamos pelas ruas, pelos centros comerciais e pela Internet como seres famintos atrás de novidades. Os enfeites, o design e o colorido das lojas nos fascinavam. Era preciso satisfazer as novas necessidades que nasciam em nós com a velocidade eletrizante da informática. Ofuscados por esse brilho, nos movíamos cegos e surdos.

Todo esse cenário seguia as regras de uma espécie de credo: produzir, comprar, consumir, ter, aparecer, descartar… E assim indefinidamente. A roda não podia parar.

A produção gerava novas necessidades e estas, por sua vez, aceleravam o processo de produção. No coração desse círculo de ferro, os especialistas do mercado e do marketing se batiam como loucos para inventar, desenhar e divulgar o resultado de sua criatividade cada vez mais fecunda.

Valiam as mesmas regras para as relações pessoais, humanas. Também estas se viam atropeladas pelo ritmo alucinante da sociedade de consumo. Era preciso ser muito inovador e criativo para manter por largo prazo uma amizade, um namoro, um casamento. Descartavam-se laços primários como se descartavam objetos, como se troca de roupa. Coisas e pessoas sofriam da mesma provisoriedade. Predominava o “império do efêmero” (Gilles Lipovetsky).

Perguntas aos jovens: tenho consciência de que tudo passa na vida? Estou buscando a cada dia melhorar-me, auto conhecer-me, combater as minhas próprias imperfeições, respeitando e protegendo as pessoas e a Natureza? (Gladis Pedersen) Leia mais!

Em lugar da relação eu-tu, do face-a-face, criavam-se relações de terceiro grau. O telefone, a Internet, o twitter, o faceboock, a facilidade dos transportes e das comunicações permitiam fugir aos encontros olho-no-olho e estabelecer contatos à distância. Estes nos eximiam dos compromissos duradouros, eram facilmente descartáveis. O verbo namorar foi substituído pelos verbos ficar e “pegar”, onde novamente o compromisso não era a coisa mais necessária. Tudo se volatilizava, tudo era virtual, “tudo que era sólido se desmanchava no ar” (Marx-Engels).

Ao lado disso, crescia o culto do “eu” e do corpo. Aumentava paralelamente o número de academias e de drogas para emagrecer. Ganhavam terreno as celebridades televisivas, esportivas ou cinematográficas.

O conceito de personalidade centrava-se sobre o próprio umbigo. Exacerbava-se o individualismo e o hedonismo. A tirania da beleza perseguia os corpos esqueléticos das meninas que participavam dos eventos fashion. Por todo lado, imperava a “tirania do prazer” (Jan-Claude Guillebaud).

Até que um dia… Um dia resolvi fechar os olhos e ouvidos a esse assédio da mídia e do mercado. Estava saturado do bombardeio diário de novidades que, longe de matar a sede, a aguçavam ainda mais. Cada vez eram necessários mais objetivos para preencher o vazio que os anteriores deixavam. E esse vazio só fazia aprofundar-se. Acabei caindo num poço sem fundo e sem remédio. Frustrações, tédio, desilusão e fastídio era minha única colheita.

Os mais velhos se sentem mais felizes, mais saudáveis por terem sobrevivido à covid-19. Já os jovens, estão menos satisfeitos porque também tiveram um ano difícil. Assista aqui.

Busquei o silêncio, a reflexão, a meditação. No monte de lixo de tantos desejos superficiais e supérfluos, tratei de desvendar o desejo mais profundo de meu ser. Que mais queriam meu coração e minha alma? Deparei-me com a necessidade de amar e ser amado, único caminho da felicidade.

Entendi o que significa passar pela porta estreita do Evangelho. Compreendi que a porta larga, aparentemente livre e iluminada, leva à escravidão dos impulsos, paixões desejos imediatos. A porta estreita, ao contrário, embora às vezes obscura, abre perspectivas e luzes insuspeitáveis. Laboriosamente, encontrei-me com a sentença de Santo Agostinho: “O homem veio de Deus e não repousa em paz enquanto não voltar a descansar Nele”. Aí estava meu maior desejo!

“Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova. Tarde Te amei! Trinta anos estive longe de Deus, mas, durante esse tempo, algo se movia dentro do meu coração. Eu era inquieto, alguém que buscava a felicidade, buscava algo que não achava. Mas Tu Te compadeceste de mim e tudo mudou, porque Tu me deixaste conhecer-Te. Entrei no meu íntimo sob a Tua Guia e consegui, porque Tu Te fizeste meu auxílio”. Acesse esse texto na integra aqui.

Sempre no silêncio da oração e da meditação, descobri ainda que esse desejo do totalmente Outro passa necessariamente pelo encontro com o outro humano. Que a busca do Transcendente passa pelo encontro com o diferente.

Entendi que era impossível seguir a rota desse desejo mais profundo de forma solitária. A busca implicava, por um lado, combater a violência e a discórdia, a assimetrias e desigualdades sociais, a miséria e a fome; e, por outro, construir novas relações de solidariedade, justiça e comunhão. Fazer dos estranhos e estrangeiros novos irmãos, deixando-se desafiar por suas interpelações.

Encontrada a pérola, pus-me fatigosamente a cultivá-la. Perco-a com frequência, é preciso remover novamente o entulho, recomeçar tudo de novo. Ele se revela e se esconde. Mas pelo menos descobri senão a água viva, pelo menos o caminho da fonte.

Não sabemos com certeza se é possível viver feliz. Até mesmo por que a noção de felicidade depende fundamentalmente de valores profundamente pessoais. Portanto, não há busca pela felicidade sem o autoconhecimento.

PROPOSTAS DE ATIVIDADES PEDAGÓGICAS

     Seguem sugestões que o docente pode ampliar de acordo com o seu contexto de atuação.

Os estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental e anos iniciais do Ensino Médio, nos componentes curriculares Ensino Religioso, Filosofia e Sociologia discutem conceitos como Consumismo, Ética, Felicidade, Projeto de Vida, Indústria cultural e cultura de massa, Corporeidade.

A partir da leitura e discussão desta publicação, estudantes podem ser orientados para aprofundar a influência das mídias na formação dos ideários de juventude e de vida saudável e de felicidade, sobretudo a partir dos vídeos que fazem parte da publicação.

Outra proposta é fazer um debate sobre como a pandemia e o isolamento físico e social afetaram a percepção das necessidades humanas e qual são agora os novos apelos para o consumismo que move a roda da economia.

Outra possibilidade de aprofundamento é estudar as formas com que as diferentes religiões concebem e orientam sobre a maior busca humana, a felicidade. Realizar pesquisas na internet sobre esta temática e apresentá-las na sala de aula (virtual ou presencial).

Autor: Alfredo J. Gonçalves

OUTRAS PROPOSTAS QUE PODEM SER AMPLIADAS

Professor Marciano Pereira

7º Ano. Para trabalhar as escolas helenísticas (cinismo e epicurismo).

Habilidade.

  • Relacionar felicidade e vida simples por meio da filosofia cínica.
  • Identificar a oposição que os cínicos fazem aos desejos criados em sociedade.
  • Estabelecer a relação entre felicidade, paz interior e ausência de dor a partir da filosofia de Epicuro.
  • Compreender a hierarquia dos prazeres.

          Começar a aula com a música do grupo Melim, peça felicidade (Versão Acústica) disponível em https://www.youtube.com/watch?v=yLUfTdhDAWQ  Acesso 27/05/2021.

Refletir sobre as perguntas a seguir

1)  O que é felicidade para você?

2)  O que dizem que a gente precisa para ser feliz?

3) Qual é a ideia de felicidade presente nas propagandas que a gente assiste, lê, escuta?

            Apresentar a filosofia do cinismo dando ênfase a Diógenes de Sínope, ressaltar que para este, a filosofia consiste em uma atitude diante da vida. Atitude de desapego das coisas materiais e das convenções sociais. Isso pode ser observado na figura abaixo.

É importante que o professor apresente a tese do cinismo junto com mais elementos desta filosofia entendida como uma forma de vida.  Ressaltamos que Segundo o cinismo a paz interior requer um agir   desapegado, alheio as convenções e a muitas coisas que parecem essências para a vida, mas que na verdade, impedem um existir com leveza e autenticidade. Quem muito acumula corre o risco de tornar-se apenas consumidor que mantém o ciclo interminável da “história das coisas”.Diógens, Pintura de Jean-Léon Gérôme(1860)

Para finalizar, o professor pode solicitar dos estudantes um exercício prático sobre o necessário e o supérfluo.

a) Faça uma lista de coisas supérfluas que você possui.

 b) Crie uma tirinha contendo uma convenção que você julga inútil para o bem viver. 

    Seguindo a reflexão sobre outra escola helenística o professor pode tratar sobre o epicurismo, a hierarquia dos prazeres. É importante destacar que para Epicuro a finalidade da vida é o prazer, mas não se trata de qualquer tipo de prazer. para a paz interior basta a satisfação dos prazeres naturais e necessários. Para aprofundar assista o vídeo a seguir:

EPICURISMO | A Filosofia do Prazer (só que não)

Um existir segundo o prazer epicurista é necessário discernimento para escolher a satisfação dos prazeres naturais e necessários, para alegrar-se com as coisas simples do dia a dia.

9º ANO

Habilidade: elaborar uma crítica à sociedade de consumo.

Entender o conceito de mais valia de Marx e Engels.

O vídeo a história das coisas pode ajudar numa reflexão sobre meio ambiente, nesse sentido é possível usar outro curta metragem chamado “ilha das flores” disponível em https://vimeo.com/238439307. Acesso 27/05/2021

 Um dos resultados do consumismo é a destruição da mãe natureza, da criação divina se assim acreditarmos. Através do seu trabalho o homem modifica, explora e domina a natureza, infelizmente se produz cultura distanciando se da natureza, ao considerar-se superior, dono absoluto dos recursos naturais relativiza-se a vida, impede –se a justiça e constroem-se relações alienadas e alienantes. Cabe ao professor expor de forma didática os conceitos de trabalho e alienação segundo Marx.

Para refletir:

Tirinha disponível em https://blogdoenem.com.br/max-weber-simulado-enem/ Acesso 27/05/2021

1) Como o conteúdo do texto pode ser relacionado com a tirinha acima? Explique usando as suas palavras.

 2) Quais alternativas podem ser vislumbradas para o enfrentamento desta problemática do trabalho alienado e do uso indiscriminado dos recursos naturais?

 3)  Que tal se a turma pensasse em um projeto de conscientização sobre reutilização dos resíduos, “consumo consciente” (se é que podemos falar nesse conceito)? Essa questão pode ser ampliada e tornar-se um projeto que envolva toda comunidade escolar e seu entorno.

É importante pensar em alternativas para a sociedade de consumo, em formas de organização que favoreçam a valorização, o cuidado da vida e a justiça social.  

Edição: Alex Rosset

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