O professor refém

1985

Para quem vive e convive com o cotidiano da escola sabe o quanto essa condição de refém é prejudicial à saúde e ao bem estar do professor. Não se faz educação de qualidade sem que o professor tenha condições dignas de exercer seu trabalho.

Em tempos de crise na educação, de ataque às escolas, de aulas remotas, de obscurantismo tomando conta das redes sociais, dos discursos de ódio contra pessoas que pensam diferente, na eminência de um novo surto de doenças consideradas extintas, a identidade e importância do professor se faz sentir com toda força intensidade.

O professor é um sujeito social milenar que precisa ser compreendido dentro dos diversos tempos e espaços que ocupa. Não há dúvida de sua importância histórica, de seu papel na consolidação de uma sociedade democrática e de sua relevância na formação das novas gerações.

A experiência traumática da pandemia vivida recentemente, reacendeu um debate fundamental sobre o papel do professor nos dias atuais. Pais que defendiam educação domiciliar ou homeschooling para ficar numa expressão americanizada, entusiastas da Educação à Distância, pessoas e que aplaudiram propostas de políticos que almejam transformar tudo em educação a distância, com a recente experiência da pandemia se sentem retraídos, desconfortáveis e se dão conta que a escola presencial e o professor são imprescindíveis.

Retomei recentemente a leitura do livro O professor refém (Editora Record, 2006), da filósofa e educadora carioca Tania Zagury. Trata-se da publicação de uma importante pesquisa realizada por Zagury com 1.172 professores de educação básica em escolas públicas e privadas de todo o país. Dentre as perguntas de pesquisa exploradas por Zagury destacam-se as seguintes: o que pensam os professores que atuam com nossos filhos na salas de aula? Quais são suas maiores dificuldades? Como veem a educação que os pais dão hoje às crianças? Que avaliação fazem das recentes mudanças educacionais?

A pauta desenvolvida por Zagury no livro não é pequena – progressão automática, (in) disciplina, dificuldades em sala de aula, temas transversais, avaliação, recuperação paralela, condições de trabalho -, enfim, todos os elementos que habitam – e muitas vezes atormentam – o cotidiano dos professores.  Os professores que tiverem a possibilidade de ler a pesquisa sistematizada no livro irão reconhecer sua própria vida na maior parte das respostas compiladas pela pesquisadora.

Mas afinal, de quem o professor hoje é refém?

De forma resumida, a partir da pesquisa realizada, Tânia Zagury responde: refém da má qualidade de ensino que ele mesmo teve; refém do tempo que necessita, mas de que não dispõe; refém das pressões internas que sofre do sistema; refém da própria consciência, que lhe revela sua impotência; refém dos alunos, que o enfrentam em muitos casos; refém da família, que perdeu a autoridade sobre os filhos; refém da sociedade, que surpreende professores e gestores com medidas cautelares, mandados de segurança e processos …

Apesar de ser uma pesquisa realizada há quase vinte anos, sua atualidade salta aos olhos.

Gostaria de acrescentar alguns itens à lista compilada por Zagury: o professor é refém de um salário cada vem mais reduzido que o obriga a uma sobrecarga de trabalho para garantir sua subsistência; refém da cegueira de certos políticos que tratam a educação como prioridade apenas no palanque eleitoral, mas que esquecem da educação no dia seguinte das eleições; é refém de certos pais ignorantes que veem a escola como a creche gratuita que cuida de seus filhos durante boa parte da semana e principalmente agora em tempos de pandemia; refém da falta de esperança para projetar um futuro melhor de autorealização profissional; refém de uma sociedade consumista que acredita que a função da escola é instrumentalizar pessoas para o trabalho e preparar cidadãos para serem consumistas alienados.

Para quem vive e convive com o cotidiano da escola sabe o quanto essa condição de refém é prejudicial à saúde e ao bem estar do professor. Não se faz educação de qualidade sem que o professor tenha condições dignas de exercer seu trabalho.

A condição de refém faz com que o professor se torne vítima do medo, da insegurança, da frustração, da falta de perspectivas.

Pesquisas mostram que nossos professores estão adoecendo, que nossos jovens não querem ser professores e que o futuro educacional está ameaçado. Se é correto o dito popular de que “a grandeza de uma nação se mede para qualidade da educação do seu povo”, então teremos muito a lamentar num futuro próximo se continuarmos mantendo nossos professores reféns.

Valorizar o trabalho do professor, reconhecer sua importância, participar das atividades da escola, ser uma presença ativa na educação dos filhos, conhecer a forma como os professores realizam o seu trabalho, tornar a educação dos filhos o centro de nossa atenção são alguns indicativos para que a educação ocupe o lugar que ela merece no mundo em que vivemos. Leia mais: https://www.neipies.com/quanto-vale-um-professor/

Autor: Altair Alberto Fáveroaltairfavero@gmail.com

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