O poeta e o cientista

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Fundir o pensamento do poeta do inefável, Rainer Maria Rilke, com as ideias da “lenda viva de Harvard”, Edward O. Wilson, pode soar absurdo, a menos que se considere a criação artística e a prática científica como indissociáveis.

Indiscutivelmente, Cartas a um jovem poeta, de Rilke, e Cartas a um jovem cientista, de Wilson, são duas obras imprescindíveis de orientação para quem pensa em se aventurar no mundo da poesia e/ou no mundo da ciência, uma vez que em ambos há mais pontos em comum do que se poderia imaginar à primeira vista. Resumindo: o cientista ideal, de Wilson, deve pensar como um poeta, e o poeta ideal, de Rilke, deve pensar como um cientista.

Em 1929, foram reunidas as 10 cartas que Rainer Maria Rilke (1875-1926), poeta nascido em Praga e expoente das letras alemãs, trocou com Franz Xaver Kappus, o jovem que ambicionava ser poeta.

Nessas peças epistolares, Rilke, com clareza avassaladora e elevada densidade poética, diz coisas que se aplicam tanto a um aprendiz de poeta quanto a um estudante de iniciação científica. Por exemplo, que nem tudo é tão fácil de aprender e nem de dizer como normalmente somos levados a acreditar. Ou, ao sugerir, para maior chance de êxito em algo relevante, que sejam evitados temas e formas muitos usuais e comuns de escrever, exemplificando com o caso dos poemas de amor. A dificuldade é sempre maior em meio à profusão de coisas boas e algumas até brilhantes.

Ainda: quando diz que não se deve esperar uma resposta de fora (do ambiente externo) para questões que apenas podem ser respondidas intimamente. E, especialmente, ao afirmar que a tão comum tendência para a dúvida, que graceja entre as pessoas, se bem educada e usada com inteligência, pode se tornar uma qualidade positiva. Pois, quando essa dúvida for capaz de ser convertida em crítica e virar saber, deixará de ser meramente destruidora para se converter em colaboradora/construtora.

Edward O. Wilson (1929-2021) é um dos principais expoentes da ciência contemporânea. Professor emérito da Universidade Harvard, foi criador de disciplinas (biogeografia e sociobiologia, por exemplo) e de conceitos científicos (biofilia, biodiversidade e consiliência) visando à unificação das áreas de humanidades com as outras ciências, além da iniciativa de criação da Enciclopédia da Vida, que se configura em marco sem precedentes para estudos da biodiversidade global.

Wilson também é autor de dezenas de livros, sendo vencedor de dois Prêmios Pulitzer. Ao longo de uma carreira científica de mais de 60 anos, Edward O. Wilson produziu obras de valor inestimável. Este é o caso do livro Letters to a young scientist (Cartas a um jovem cientista), lançado em 2013.

Em Cartas a um jovem cientista, Wilson usa a si mesmo como referência para sugerir a essência do que é necessário para alguém ser bem sucedido na carreira científica.

Começa realçando que o conhecimento científico dobra a cada 15 anos, dificultando sobremaneira quem pretende saber tudo ou intenciona apenas se manter atualizado.

Destaca que a nossa ignorância sobre o tamanho da biodiversidade terrestre coloca essa área da biologia entre as portadoras de futuro. E condiciona que qualquer pretendente a cientista dever ter bem claro que a prática científica hoje é baseada em uso de tecnologia (equipamentos de pesquisa, por exemplo), que a tecnologia que permeia o nosso dia a dia é derivada do conhecimento científico e que a indústria contemporânea é baseada em tecnologia e ciência. Eis um novo mundo não tão simples assim.

Wilson orienta que a paixão pela descoberta vem antes do treinamento, ainda que esse seja imprescindível. E que bons mentores/orientadores são essenciais na formação dos jovens cientistas, pois são eles, pelos exemplos pessoais, que modelam valores e comportamentos. Realça que, por mais glamorosas e atrativas as áreas científicas da ocasião, deve-se sempre buscar o novo, onde poucos estejam trabalhando, pois como também frisou Rilke ao aprendiz de poeta, aí as chances de sucesso são maiores.

Finaliza lembrando que a prática científica é a busca pela verdade. E isso, acima de tudo, exige ética, pois se atua numa espécie de campo minado em que vicejam vaidades, competições pessoais e invejas de toda sorte.

E, de resto, poeticamente lembrando, é deixar a vida acontecer.

Do livro: Ah! Essa estranha instituição chamada ciência, 2021.

Autor: Gilberto Cunha

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