O Ícaro de Passo Fundo

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Pablo Morenno, marido da Daniela e pai do Erick, é, reconhecidamente, o principal escritor passo-fundense (embora tenha nascido em Belmonte, SC) da atualidade.

Sobre a mesa, dois exemplares de O NACIONAL, um de 20 de outubro de 2003 e outro de 26 de dezembro de 2018, e, entre eles, a edição de estreia da revista ÁGUA DA FONTE, veículo oficial da Academia Passo-Fundense de Letras, publicada em dezembro de 2003 (v.1, n.0, dez 2003). Nos três, algo em comum: Pablo Morenno.

Em O NACIONAL, no exemplar de 2003, Gilberto Cunha assina a coluna que traz por título “Ícaro Morenno”. Nela, destacou que entre o lendário Ícaro e o escritor Pablo Morenno, que acabara de lançar o livro “Por que os homens não voam?”, havia o compartilhamento do sonho de voar. O primeiro construiu suas asas com cera e subiu, subiu até que o calor do Sol as derreteu, e ele caiu.

O segundo foi mais modesto: do alto de um chiqueirão (local onde se costuma criar porcos), usando asas improvisadas com um pano de guarda-chuva, ousou desafiar a lei da gravidade. Também caiu, quebrou o nariz, mas aprendeu, ainda menino, que voar, para os homens, mesmo sendo uma metáfora, não é uma impossibilidade.

Nas páginas de ÁGUA DA FONTE, assinam textos de opinião, exaltando as qualidades literárias do novel e promissor escritor Pablo Morenno, Helena Rotta de Camargo, Paulo Becker e, reprisando o que havia escrito em O NACIONAL, Gilberto Cunha. Na aludida revista, Helena Rotta de Camargo, na página 16, começou exaltando o talento do jovem escritor que, na ocasião, havia recém-lançado o seu primeiro livro de crônicas, “Por que os homens não voam?”, pela WS Editor. Louvou a trajetória do menino idealista, que recebeu formação religiosa em seminário católico (dos 11 aos 20 anos); que cursou Filosofia (bacharelado e licenciatura); que cumpriu três anos de um programa de Teologia; que estudou e se bacharelou em Direito; que, em 1993, ingressou como funcionário federal do Tribunal Regional do Trabalho (cargo do qual se afastaria, em 2023, para se dedicar exclusivamente às carreiras de escritor e de editor); que trabalhou como professor de língua espanhola em cursos preparatórios de estudantes ao vestibular; e que, indubitavelmente, sobressaia-se pelo acúmulo de talentos para prosa, poesia e música.

Na sequência, Paulo Becker, na página 17, nos apresentou Pablo Morenno como um cronista consumado, colocando-o, pela atenção especial que dava à linguagem, quando da transposição da realidade à literatura, ao lado de nomes como Rubem Braga, Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos. E Gilberto Cunha, reprisando o que havia escrito na página 5 de ONACIONAL, m 20 de outubro de 2003, destacou Pablo Morenno como o dono do melhor texto da imprensa de Passo Fundo, na ocasião, e, possivelmente, o nosso melhor escritor do século XXI. Apesar de ressalvar que, comparar Pablo Morenno com Rubem Braga, ainda que não fosse algo tão despropositado assim, era covardia. Pablo Morenno estava apenas começando na crônica e Rubem Braga (1913-1990) já era uma saudosa lembrança.

Rubem Braga escreveu cerca de 15 mil crônicas, tendo se notabilizado por textos inesquecíveis como “Ai de ti, Copacabana!”, “Aula de inglês”, “Homem no mar” e “O pavão”, entre outros. Pablo também tem as suas crônicas especiais: “Sobre cacos de vidro”, “Jô e o buraco negro”, “Máquinas para atender”, “E Deus fez a mulher” e muitas outras que formam a seleção de elite do seu livro de estreia. Similaridades entre Pablo e Braga também são facilmente encontráveis.

Em 1963, quando fez 50 anos, Rubem Braga escreveu sobre sua nova idade: “Uma injustiça, sem dúvida alguma. Logo comigo, que tinha tanta vocação para ser rapaz!”. Pablo, mal passando dos trinta, quando da chegada dos primeiros cabelos brancos, e diante dos argumentos da mulher que tentou agradá-lo com um “logo parecerás Richard Gere com todo o charme”, mesmo temporariamente convencido, emendou com “embora eu saiba, sem dinheiro nem fama”.

E, talvez, Pablo não tenha, ainda, construído o anedotário que cerca o nome de Rubem Braga. Ao estilo dessa passagem, que dizem, ter ocorrido certa feita, durante um espetáculo de Vinicius de Moraes. Lá pelas tantas, Vinicius, poeticamente, suspirou no palco: “Ah, a melhor coisa do mundo é comer um papo-de-anjo ao lado da mulher amada!”. Na plateia, Rubem saiu de um silêncio que já durava horas e resmungou para sua acompanhante: “Está gagá. Muito melhor é comer a mulher amada ao lado de um papo-de-anjo”.

Mas, foi nas páginas de O NACIONAL, edição de 2018, que, em entrevista sob chancela de qualidade do jornalista Gerson Lopes, o escritor consagrado Pablo Morenno nos foi, efetivamente, revelado. E assim cumpriu-se, passados 15 anos, o vaticínio do que fora apenas uma especulação em 2003.

A grande mudança na vida de Pablo deu-se em 2014. Foi quando ele decidiu abraçar, de fato, a carreira de escritor/editor. Abdicou de cargos que ocupava no TRT- 4ª Região (permaneceu como assistente de juiz e, em 2023, deixou o TRT de vez), criou a Physalis Editora, passando a publicar os próprios livros, e começou a trabalhar intensivamente com alunos e professores nas escolas. Unindo talento e muito trabalho, deu certo! Pablo, hoje, cumpre uma agenda de eventos culturais, por mês, fora de Passo Fundo, de fazer inveja a um pop star. E, em 2018, já havia vendido mais de cem mil livros. Cifra essa, em 2023, sobejamente ultrapassada.

Depois de “Por que os homens não voam?”, veio o aclamado “Flor de Guernica” e uma série de livros infantis, que lhe deram muitos prêmios e prestígio como escritor, caso de “Minha avó tecia o mundo” e “Alfabeto poético dos nomes”, que recebeu o troféu Carlos Urbim, da Academia Rio-Grandense de Letras, como melhor livro na categoria infantil.

Pablo Morenno, marido da Daniela e pai do Erick, é, reconhecidamente, o principal escritor passo-fundense (embora tenha nascido em Belmonte, SC) da atualidade. E aqui eu me penitencio sobre o que escrevi, profeticamente, em 2003, quando disse que Pablo Morenno era o nosso melhor escritor do século XXI. Convenhamos, fui exagerado! Por enquanto ele ocupa esse lugar de destaque, mas ainda faltam 77 anos para acabar o século XXI e pode surgir alguém para ocupar esse posto.

Autor: Gilberto Cunha

Edição: A. R.

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