“Pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo; mas não se pode enganar a todos todo o tempo”. (A. Lincoln)

O pensamento mítico teve início na Grécia e nasceu do desejo de dominação do mundo, para afugentar o medo e a insegurança. A verdade do mito não obedece à lógica, nem da verdade baseada na experiência, nem da verdade científica.

Normalmente, associa-se, erroneamente ou não, o conceito do mito à mentira, ilusão, ídolo, lenda ou ficção.

O mito depende de um tempo e espaço para existir e ser compreendido. Isto posto, vamos ao “mito” recém eleito Presidente.

Quando da diplomação, no último dia 10, Jair Bolsonaro enfatizou: “Sempre me pautei pela defesa dos valores da família, pelos interesses do Brasil e pela soberania nacional”. Indaguei a meus fiéis botões: valores da família? Estes me olharam espantados.

Lembrei-me que a futura primeira-dama, Michelle, recebeu em uma conta, entre 2016 e janeiro de 2017, um cheque de 24 mil reais depositado por um funcionário do gabinete do enteado Flávio Bolsonaro, senador eleito e filho do ex-capitão.

Assim, o bordão eleitoral “valores da família” soa com um significado um tanto estranho. Bolsonaro explicou que se tratava do pagamento parcial de um empréstimo feito por ele ao depositante, Fabricio Queiroz, amigo do futuro presidente.

Na frágil explicação afirmou que o dinheiro só não foi parar em sua conta, já que ele, Bolsonaro, não tinha tempo de ir ao banco. Apenas esqueceu que depois da vitória, foi duas vezes a um caixa eletrônico onde posou para fotos com fãs. Estranho!

Claramente estamos diante de um característico caso de alguém que faz parte da velha e sobejamente conhecida turma do patrimonialismo. Assim, a imagem do “mito” está definitivamente arranhada.

Para quem ganhou a eleição com o mote de ser contra “tudo o que está aí”, verdadeira flôr no pântano, demonstra ser “mais do mesmo”.

O episódio escancara a triste realidade de nossa classe média que votou em peso no “mito”. Esta é portadora de um moralismo de fachada contra a “corrupção seletiva” só da política e só da “esquerda”, como assevera Jessé Souza no livro A Classe Média no Espelho.

Pior. Elegeu um político que representa os interesses e usa dos mesmos mecanismos ilegais da elite, que a explora e a utiliza como instrumento para permanecer no poder.

Para a frustração dos eleitores conscientes, as denúncias contra a família Bolsonaro, mostram que em um ano (janeiro de 2016 a janeiro de 2017), o motorista movimentou em sua conta 1,2 milhões de reais, dos quais mais ou menos metade foi dinheiro que entrou e metade que saiu.

É preciso destacar que movimentar recursos em espécie é tido no mundo policial como uma maneira de tentar despistar as autoridades, pois o destino da bufunfa não seria nada republicano.

Perguntado sobre tais fatos o futuro ministro da Justiça, Sérgio Moro, sempre tão severo e atento quando se trata de políticos da esquerda, desconversou e deu a entrevista por encerrada. Uau! Vem perdão por aí!

Assim é que o “mito” chega ao seu epílogo antes mesmo de assumir a presidência. Como é tempo de Papai Noel, muitos ainda o enxergam como o arauto da ética e da honestidade.

Na verdade, Bolsonaro supunha-se o Moisés que conduz seu povo à terra prometida, e vai acabar como o Panúrgio (personagem do romance Pantagruel, de François Rabeais) que se afoga com sua grei.

A classe média no espelho, Jessé Souza. 

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